06 Outubro 2022
Para o Vaticano, o escândalo tem um nome: chama-se Padre Giulio Mignani, pároco de Bonassola, Montaretto, Framura e Castagnola, suspenso de seu ministério com uma notificação assinada pelo bispo de La Spezia, D. Luigi Ernesto Palletti, por decisão emanada do próprio Vaticano: "Tecnicamente com a suspensão a divinis, eu continuo a ser padre, posso celebrar a missa sozinho, sem pregações públicas nem catequeses”.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Repubblica, 05-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que a palavra teve um peso importante em sua vida, Dom Giulio já havia adivinhado quando rasgou um contrato a tempo indeterminado como funcionário do banco para passar a investir de outra forma os seus talentos. E assim, com as suas palavras, chegou onde a Palavra com maiúscula pede para ir, "até ao fim do mundo", mesmo quando tem a extensão de uma paróquia de 1.500 habitantes.
Para a Santa Sé, por outro lado, suas posições representam o fim de um mundo sedimentado há séculos e o início de uma Igreja que se deixa interpelar por questões existenciais, como aquela sobre o fim da vida, que o viu participar de uma conferência em Gênova com Marco Cappato.
No entanto, contatado por telefone, Padre Giulio explica: “Considerando que tudo começou a partir da minha posição sobre os casais homossexuais, que depois teve um certo eco midiático, devo deduzir que o tema que mais os escandalizou foi aquele. O preceito penal, aliás, foi expedido em dezembro, quando eu ainda não havia me manifestado sobre eutanásia e aborto. Foi o próprio bispo que me disse que o eco midiático os havia incomodado e consideraram necessário intervir. Como tudo começou antes, aquele foi o tema que mais incomodou”.
Tudo começa depois do Domingo de Ramos de 2021, quando Padre Giulio decide não abençoar as plantas como forma de protesto contra o responsum com o qual a Congregação para a Doutrina da Fé proibiu as bênçãos para os casais homossexuais: "Nos encontros, o bispo já havia me repreendido verbalmente. Depois, em dezembro passado, houve uma advertência por escrito, que me notificou o que é tecnicamente chamado de preceito penal: se eu tivesse continuado a fazer declarações contrárias ao Magistério da Igreja, teria incorrido em suspensão a divinis. E assim foi".
Padre Giulio, porém, não concorda. Nos meses que antecederam o processo no tribunal eclesiástico diocesano, teve a oportunidade de contestar o que permanece intocável para a Igreja Católica: o Magistério, com base no qual a homossexualidade é considerada um pecado, admitindo implicitamente que algumas relações entre pessoas sejam contrárias à ordem de criação querida por Deus: "O bispo me lembrou os documentos do Magistério, onde se faz uma distinção entre uma pessoa homossexual e atos homossexuais, mas eu contestei: que acolhimento é este em que uma pessoa é acolhida com palavras mas depois ela é arrancada de uma dimensão importante da pessoa humana, ou seja, a afetividade, a sexualidade? E, além disso, na minha opinião, é preciso sair do paradigma de considerar que a união seja um pecado. Porque é bom que o Papa fale de acolhimento, mas se depois fala de acolhimento do indivíduo, e não do casal, também ele está dentro desse paradigma”.
Há alguns anos, Padre Giulio escreveu uma carta ao Papa Francisco, mas nunca recebeu resposta: "Apreciei a luta do Papa contra o poder clerical, por isso escrevi-lhe que o passo a ser dado como Igreja era parar para reconhecer que possuímos a verdade. Porque, se pensamos que somos os detentores dessa verdade, temos vontade de impô-la aos outros, mesmo que de boa-fé. E no passado, muitas pessoas foram mortas por isso. Isso também acontece comigo: me dizem que a verdade é esta, senão tenho que ficar de boca fechada. Enquanto não houver esse passo, a Igreja não pode ser uma democracia, mas continua a ser uma estrutura hierárquica”.
Mas há outra igreja, aquela de baixo, que nestes dias está mostrando a Padre Giulio sua proximidade: “Muitos sacerdotes me apoiam em particular, mesmo em relação às uniões homossexuais. Porém eles me confessam que evitam se manifestar publicamente porque, assim, podem ajudar aqueles que são excluídos como pastor. Além disso, eles querem evitar ter o mesmo fim que eu tive. Respeito a posição deles, mas também acredito que, quando há direitos da pessoa que são pisoteados, é necessário tomar posicionamento publicamente”.
É o pastor que fala, o pároco que se faz próximo das pessoas e que vê no processo sinodal da Igreja iniciado pelo Papa Francisco uma oportunidade para escutar as inquietações espirituais dos fiéis de hoje: "Para o Sínodo, enviei um questionário a 434 paroquianos sobre temas como uniões LGBT, eutanásia e aborto. Quase 90% são a favor dos casais homossexuais. Isso mostra que há um grande fermento na Igreja, há um apoio considerável na base. Mas um empurrão de baixo não é suficiente se não for considerado pelo topo. Por que eu, como crente, tenho que impor a minha visão? Sou padre e sou a favor do casamento igualitário e da adoção para casais do mesmo sexo. Porque vejo isso ao vivo: em Bonassola conheço duas mulheres que têm dois filhos, mas que são considerados tais apenas por uma das duas. Por quê?".
Depois de sua tomada de posição a favor dos casais LGBT, Padre Giulio acolheu e continua próximo a muitos da comunidade que ainda se sentem excluídos da Igreja: "Há algum tempo, hospedei um casal de mulheres em um caminho de fé. A carta que me escreveram me emocionou: ‘Quando você nos recebeu, preparou um quarto de casal para nós. Para nós isso significou muito, ter sido acolhidas como casal’".
Desde aquele dia, a pastoral de Padre Giulio está no sulco de uma trincheira onde a Igreja que ele decidiu servir o considera uma ameaça ao seu status quo: "Participei da cerimônia de união de dois queridos amigos de Bonassola: queria estar lá como padre, dizer a eles que ‘estou com vocês’. Acho que quando os direitos humanos são pisoteados, quem tem autoridade também deve se posicionar publicamente. É importante estar presente”.
Hoje Padre Giulio está no olho de um furacão que poderia arrancar-lhe aquela batina, que para ele se tornou sinônimo de acolhimento: “Estou sereno, mas só uma coisa me entristece. Que a Igreja fale de escândalo, mas não leve em consideração os frutos positivos, dos pais que me agradecem por apoiar seus filhos, das cartas de pessoas anônimas que agradecem por finalmente se sentirem acolhidas. Se esses são os frutos, então por que cortar a árvore?”.
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Giulio Mignani, padre é suspenso pelo apoio aos casais LGBT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU