Luciano Floridi é professor titular de Filosofia e Ética da Informação na Universidade de Oxford e de Sociologia da Cultura e da Comunicação na Universidade de Bolonha, onde dirige o Centre for Digital Ethics. Nas suas obras, ele propõe uma interpretação filosófica da profunda transformação que as nossas sociedades e a nossa cultura estão passando em relação ao processo de digitalização.
Além de ser autor de inúmeros ensaios, ele se dedica há anos a uma intensa atividade de divulgação, voltada a publicações jornalística e a meios de informação generalistas. É autor de “In poche battute. Brevi riflessioni su cultura e digitale” [Em poucas palavras. Breves reflexões sobre cultura e o digital, em tradução livre], obra recém-publicada que reúne e dá forma unitária às publicações fragmentárias publicadas entre 2011 e 2021, propondo ao leitor um excursus que repassa uma década.
Reprodução da capa da obra In poche battute. Brevi riflessioni su cultura e digitale
“Em poucas palavras” abre com uma reflexão sobre o papel do filósofo, que não pode deixar de ser um observador: “A filosofia é olhar para o futuro”, afirma. O papel do filósofo certamente é o de intérprete no tempo das questões fundamentais – aquelas que permanecem para além do tempo –, mas também o de intérprete do tempo que se anuncia.
Nesta conversa, Luciano Floridi propõe algumas reflexões sobre essas temáticas, a partir do recente livro.
A entrevista foi concedida a Lorenzo Benassi Roversi, graduado em Direito pela Universidade de Bolonha e especialista em comunicação cultural, e publicada por Pandora, 29-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nota do Instituto Humanitas Unisinos - IHU: Neste ano Luciano Floridi também publicou o livro Etica dell'intelligenza artificiale. Sviluppi, opportunità, sfide, originalmente publicado em inglês sob o título The Ethics of Artificial Intelligence. Principles, Challenges, and Opportunities. A edição italiana é publicada por Milano: Raffaello Cortina Editore, 2022.
A sua reflexão se concentra no digital, nas tecnologias que geram e gerenciam os fluxos de informação. Nenhum outro objeto de investigação filosófica mostrou uma aceleração tão acentuada ao longo do tempo. Como você olha para o mundo de 10 anos atrás, aquele ao qual os primeiros artigos se referem? A filosofia custa a estudar fenômenos caracterizados por um dinamismo tão acentuado?
No mundo do digital, a aceleração foi candente, tanto que às vezes parece difícil compreender o que ocorreu nos últimos anos. A coleção de publicações breves talvez tenha também o objetivo de acompanhar a velocidade desses desdobramentos. Quando algo acelera muito, para segui-lo é preciso se distanciar. Imaginemos um avião que atravessa o céu. Conseguimos vê-lo bem, fixar o seu movimento – se quisermos, até traçar a sua rota – apenas do chão, olhando-o de longe, melhor ainda de dentro de uma torre de controle, com instrumentações adequadas. A reflexão que eu desenvolvi ao longo desses anos tem esse propósito.
A filosofia é o instrumento certo, porque pode se dar ao luxo de tomar distância daquilo que analisa. Os fenômenos caracterizados por um forte grau de transformação devem ser estudados assim. Poderíamos dizer que, quanto maior a velocidade de transformação de um fenômeno, maior deve ser a distância de observação de quem quer tentar entender a sua direção. A distância permite compreender a trajetória e captar os aspectos de maior valor: perde-se de vista o acessório, mas é mais fácil entrever o essencial. A distância é o único instrumento de análise que permite gerir a velocidade, entender e projetar melhor o futuro.
É nessa perspectiva que você se dedicou a reunir as publicações dos últimos anos? Para olhar para a sua evolução à distância?
Exatamente, e para tentar ler a sua progressão. Nos últimos anos, assinei muitas publicações de caráter de divulgação ou acadêmico. Pôr em fila os textos destinados ao grande público também significa tentar propor um exercício de síntese sobre as evoluções desses anos.
Por que abordar temas tão complexos “em poucas palavras”? O risco da simplificação não o intimidou?
O risco existe. O livro se intitula “Em poucas palavras” justamente porque o espaço à disposição nos jornais é pouco: de quatro a oito mil caracteres (além de um punhado de textos um pouco mais longos). Trata-se de fazer uma operação de equilíbrio para alcançar um trade-off virtuoso entre o espaço à disposição e as necessidades de expressão. O desafio, para o filósofo que tenta isso, é encontrar o equilíbrio entre a qualidade do conteúdo e a capacidade do recipiente. E isso sem usar termos excessivamente técnicos, que permitem resumir conceitos complexos, mas tornam hostil a compreensão dos leitores não especializados. O objetivo é a acessibilidade: o leitor deve ter acesso fácil e de modo intuitivo aos conceitos-chave para a compreensão dos fenômenos.
É um exercício cansativo, mas muito útil. Quem tem esse ofício deveria se impor isso a si mesmo. Além disso, pessoalmente, eu também proporia isso na escola e na universidade, onde os trabalhos são muitas vezes premiados pela sua extensão, antes do que pela concisão e pela qualidade do conteúdo. No mundo anglófono, as pessoas brincam dizendo: “Não tive tempo de escrever um artigo, então escrevi um livro”. Saber fazer síntese significa dominar os conteúdos e a linguagem necessários para expressá-los de forma clara e convincente. Hoje, o filósofo capaz também deve ser um pouco jornalista. Quem domina o tema consegue apresentá-lo em poucas palavras e de tal forma a torná-lo compreensível. Não estou dizendo que eu consegui, mas o esforço deve ser feito.
Podemos pensar na escola pitagórica, que previa momentos dedicados aos acusmáticos, ouvintes comuns interessados nos temas desenvolvidos pelos filósofos. O desafio da divulgação hoje é subestimado pelos seus colegas?
Existe uma filosofia esotérica, dedicada a poucos “iniciados”, especializados diríamos hoje, e existe uma filosofia exotérica, que, por sua vez, olha para um público mais amplo. Muitos grandes filósofos entenderam bem claramente a importância desse desafio: ampliar a fruição dos temas filosóficos, mas sem cair na banalização. Na era moderna, pensemos nas reescrituras feitas por Descartes, por Hume, por Kant ou na obra de divulgação de Russell. Muitas vezes, descobrimos que o público mais amplo e menos especializado tem motivos de interesse muito concretos, em muitos casos inesperados. A filosofia produz efeitos que o próprio filósofo não imaginava.
A primeira publicação da coletânea remonta a 2011 e é uma reflexão sobre o papel do filósofo, inserida no catálogo da mostra “Vanitas. Lotto, Caravaggio e Guercino na coleção Doria Pamphilj”. Quais são as implicações entre as tecnologias do digital e o humanismo das artes? Parecem mundos muito distantes.
Foi um momento de diversão, se quisermos também de saída, daquela que poderíamos definir como a minha “zona de conforto filosófica”. Na realidade, foi o retorno a uma experiência de anos atrás, quando passei um ano no Warburg Institute, como Francis Yale Fellow. Naquele contexto, eu me dediquei às formas representacionais, estudando iconologia e iconografia. Eu me ocupava da história do ceticismo e também escrevi ensaios de tipo acadêmico sobre a representação do cético na iconografia renascentista. Quando me pediram para acrescentar um ensaio filosófico ao catálogo da exposição sobre Lotto, Caravaggio e Guercino, eu aceitei. Hoje, o mundo do digital e das suas tecnologias parece olhar muito para o futuro e pouco para o passado. Na realidade, a grande pintura também foi realizada por meio de técnicas, úteis para criar experiências visuais. A questão técnica e tecnológica é essencial.
Se olharmos para o impacto do digital no mundo da arte, podemos compará-lo ao impacto da pintura a óleo: algo central, que muda o modo de conceber e realizar representação. A aplicação tecnológica à arte está em explosão, tanto do ponto de vista das técnicas de realização, quanto do ponto de vista da propriedade das obras e da sua circulação. Pensemos nos NFTs (Non-Fungible Tokens) ou no uso da inteligência artificial na produção gráfica. E, por falar em digital e representação, posso antecipar que, nas próximas semanas, será publicado uma história em quadrinhos ilustrada por inteligência artificial com um texto meu. A iniciativa é de um colega estadunidense que ensina artes gráficas e ilustração.
Reprodução da capa da obra Vanitas. Lotto, Caravaggio e Guercino na coleção Doria Pamphilj
Filósofo-jornalista e filósofo-quadrinista. A combinação não é ousada demais?
É uma honra. Uma história em quadrinhos, ilustrada graças à inteligência artificial, que, por meio da tecnologia, une o pensamento filosófico e a vontade de divulgação. Além disso, a realização foi muito divertida. A filosofia não deveria ter medo de experimentar novas formas de comunicação.
No decorrer do livro, encontramos os neologismos cunhados por você, que já passaram a fazer parte do léxico de divulgação. Como você vê o caminho que as palavras às quais você deu vida fizeram nos últimos anos?
Não foi um caminho feito de maneira crítica, consciente. Palavras como hiper-história, onlife, verde e azul, infosfera surgiram estudando os fenômenos e foram recebidas por serem capazes de resumir intuitivamente realidades que até então permaneciam desprovidas de identificação. A coletânea, de alguma forma, as põe em fila “em poucas palavras”, justamente, simplificando os seus contornos. Existem constantes interpretativas, que se repetem e se desenvolvem ao longo dos anos. A primeira é “genética”, por assim dizer: todas essas expressões nascem da tentativa de juntar mundos que pareciam separados, fazendo com que o dualismo e as lógicas da divisão não prevalecessem.
O onlife combina vida física e vida virtual, que não são duas coisas diferentes, mas parte de uma única. A combinação entre verde e azul visa a unir a perspectiva ambientalista e as tecnologias digitais: o ambiente dos organismos biológicos não é alternativo ou antitético em relação ao ambiente feito de informações, de realidades digitais. As duas dimensões se integram. Quando a cultura do digital surgiu, ela foi logo percebida como algo alheio ao que existia até então: um mundo separado.
O primeiro ponto em comum de todo o caminho foi a tentativa de aproximar os dois mundos, de mostrar a sua unidade. Portadoras dessa leitura, as palavras viajaram muito.
A segunda constante é a tentativa de uma leitura que valorizasse a dimensão sistêmica da transformação digital e fizesse isso em sentido ecológico, isto é, levando em consideração uma dimensão de equilíbrio global, não restrito às formas e aos meios de comunicação, mas capaz de abranger o ambiente em que vivemos. Essa é a chave da transformação que os neologismos tentam captar.
Muitas dessas palavras parecem ter se tornado realidade ao longo do tempo e alcançaram uma eficácia ainda maior hoje. Inicialmente, algumas delas pareciam representar quase o embrião de uma realidade que depois vimos se desenvolver ao longo do tempo, à medida que a transformação digital avançava. Por exemplo, hoje estamos ainda mais envolvidos na infosfera do que estávamos quando a palavra começou a circular. Hoje, porém, parecem se abrir perspectivas que põem em crise algumas definições. Pensemos no onlife, o espaço híbrido que você descreve no livro como um “mix (ou ‘estuário’) de experiências online e offline”, que caracteriza a vida de todos. Hoje, o Facebook investe bilhões de dólares no metaverso, um projeto que visa à criação de uma realidade que parece separada, distinta da realidade cotidiana. Pela primeira vez, o digital parece dar origem a uma ruptura com a vida “verdadeira”, criando uma dimensão alternativa, não integrável. É isso mesmo?
É um risco que surge na nossa época. É claro, parece assim na retórica, que voltou aos anos 1990, quando as atividades on-line e off-line se contrapunham. Na prática, não acho que haverá cortes tão claros. Em seu pleno desenvolvimento, o metaverso será constituído como um arquipélago de sites por meio dos quais será possível fazer experiências únicas, não possíveis na realidade analógica. Tenho uma colega em Oxford que já utiliza o metaverso para ir a shows com a filha, que mora na Califórnia. Não vejo uma descontinuidade com as outras formas da web, não será uma tecnologia de ruptura. Estaremos no metaverso com o nosso avatar, mas continuaremos usando e-mail e tomando café no bar. As dimensões se integrarão entre si. O paradigma continuará sendo o do onlife. Não acho que vamos voltar para a dicotomia online versus offline.
>Como mudou a percepção dos riscos ligados ao digital? Na última década, aumentaram as preocupações com os impactos da tecnologia no nosso mundo?
As preocupações mudaram. Anos atrás, circulavam preocupações de caráter de ficção científica, por assim dizer, que hoje desapareceram. Um exemplo: durante um recente jogo de xadrez, robô contra humano, por um erro o robô pegou um dedo do adversário, um menino, e o quebrou. Até alguns anos atrás, isso teria provocado alvoroço, com manchetes alarmistas sobre a revolta das máquinas. Hoje, passou na surdina, porque nos damos conta de que é um evento comparável a deixar o dedo na porta do carro. Para o futuro, teremos que lidar com temores e preocupações de um nível muito mais concreto: quanto mais o digital se torna pervasivo, mais se torna necessário encontrar soluções educacionais, culturais, éticas e legais para as questões que ele levanta. Esse tipo de problemas envolve várias dimensões: militar, informacional, comercial, sanitária, trabalhista, educacional, por exemplo. Tomar conhecimento disso envolve um certo grau de preocupação, mas também dá a medida do amadurecimento que está em curso. Finalmente, estamos nos preocupando com as coisas certas. Deveríamos ter começado antes. A União Europeia está tentando criar uma arquitetura normativa para isso, e isso é bom. Certamente, não estamos adiantados, mas não é tarde demais.
Você realizou várias atividades ao lado das instituições europeias. Ao longo do livro, muitas vezes encontramos a referência à necessidade de regulamentar os fenômenos do digital e principalmente em referência à inteligência artificial. “Não deixemos que o mercado decida os equilíbrios. Não é o instrumento certo”, você escreveu em 2020 na revista L’Espresso. Por quê?
O mercado, como livre negociação entre oferta e demanda, é um instrumento extraordinário para a criação de riqueza. Ele faz isso melhor do que qualquer outro mecanismo. No entanto, ele não faz duas coisas: não protege os envolvidos nessas trocas, ou seja, a humanidade e o ambiente, e não se ocupa em redistribuir a riqueza gerada. Em suma, não se preocupa com as consequências (externalidades) e com a equidade (redistribuição). Esses limites existem por razões ligadas à natureza do próprio mercado, que nasce para gerar riqueza buscando a alocação eficiente dos recursos, e não para outros fins, para os quais, por sua vez, existe a legislação. É ela que impõe limites à proteção da humanidade e do ambiente, e implementa medidas redistributivas. Esses princípios também se aplicam ao mundo do digital.
Falando das empresas líderes no digital, frequentemente há a referência aos imensos volumes de negócios, aos lucros. Percorrendo os artigos reunidos, percebe-se claramente que a verdadeira questão em jogo diz respeito à concentração de poder. Você tem preocupações nesse front?
A comercialização da web transformou aquele que inicialmente era um espaço livre em um espaço proprietário a serviço das grandes empresas. A web não perdeu a sua função de empoderamento, porque a sua difusão distribuiu oportunidades e meios antes impensáveis, mas também é verdade que concentrou muito (demasiado) poder em poucas mãos, criando um oligopólio. Isso poderia ter sido evitado, não o fizemos porque não compreendemos o fenômeno a tempo e chegamos tarde. Hoje, a legislação está tentando remediar. O que falta – e acho que é a dimensão que pode fazer a maior diferença – é o conhecimento generalizado dos instrumentos e a sua utilização consciente por grandes camadas de usuários, hoje não informados e inconscientes. A plena consciência no uso dos instrumentos de informação limita as distorções e, portanto, reduz os riscos na concentração de poder. Hoje em dia, a questão parece envolver apenas as grandes empresas, por um lado, e a política, por outro. É preciso um trabalho pedagógico capilar sobre o digital, que faça a sociedade civil e os cidadãos-usuários emergirem como sujeitos protagonistas.
A redistribuição do poder passa pela difusão do conhecimento. A Itália, porém, é um dos países em que a brecha digital é mais acentuada. Existe realmente a possibilidade de uma redistribuição de poder em sentido inclusivo?
Existe. O processo é composto por conhecimentos e competências a serem adquiridos, mas, antes ainda – sobretudo para a Itália –, por uma sensibilidade a ser desenvolvida, uma forma mentis que ainda não existe. Antes do conhecimento, vem a dimensão do interesse. Não tanto o econômico, mas de estar “interessado em entender”. Trata-se de despertar o interesse pelas potencialidades da tecnologia, com as quais teríamos muito a ganhar, acima de tudo uma sociedade mais inclusiva, mais justa e mais sustentável. Pensemos nas vantagens que poderíamos alcançar graças ao digital com uma reorganização do trabalho que previsse um amplo recurso ao smart working: isso poderia contribuir para o equilíbrio entre vida privada e trabalho, para a redução das lacunas entre Norte e Sul, para a inclusão das áreas marginais. É apenas um exemplo. Trata-se de desenvolver as dimensões de vantagem voltadas para a comunidade, o que, por si só, não elimina o poder nas mãos dos proprietários privados das plataformas, mas muda os seus resultados, ampliando a plateia dos beneficiários.
Falando em poder, o que dizer da escolha de publicar “Em poucas palavras” com a Amazon? Alguém poderia dizer que, mesmo que os filósofos coloquem suas ideias nas mãos das grandes plataformas, estas serão cada vez mais protagonistas na circulação das ideias.
Como eu dizia, tudo passa pela consciência com que se fazem as coisas. A solução não é repudiar os serviços das plataformas, mas a boa utilização e o controle legislativo sobre elas. A conscientização é uma parte necessária do processo de controle da mediação pela qual as ideias chegam ao público. A Amazon pode ser um instrumento muito útil para os propósitos que mencionamos. A mudança no controle dos fluxos de informação ocorrerá quando os usuários forem capazes de uma utilização virtuosa e crítica das plataformas. Voltemos ao elemento do conhecimento, que determina o grau de consciência com que os instrumentos são utilizados e, portanto, a distribuição do poder.
Em 2020, um dos seus textos aproximava a “soberania moderna-analógica nacional” – aquela aos moldes antigos, que emergiu com o surgimento dos Estados nacionais – e a “soberania contemporânea-digital supranacional”, que caracteriza a nossa época. Hoje, os Estados estão voltando ao centro: também no front do digital, os maiores riscos são percebidos a partir de formas agressivas operadas por Estados com ambições imperiais. O que dizer a respeito disso? Devemos nos preocupar com a fusão entre as duas formas de soberania?
São duas formas de soberania que podem se encaixar de forma destrutiva ou de forma construtiva. A tentação soberanista opõe a soberania nacional à digital, sem compreender – ou rejeitando – a sua dimensão intrinsecamente supranacional. Utiliza uma leitura do século XIX, aplicando-a a um mundo no qual ela não se encaixa mais. Depois, há o impulso imperialista: os Estados que olham para o digital como um instrumento a serviço da política de poder. Em ambos os casos, a relação entre soberania analógico-nacional e soberania digital-supranacional é problemática. A solução é o encaixe virtuoso entre as duas dimensões, que não pode ser o de se fechar ao digital por medo de sofrer ataques.
É claro que o processo de digitalização nos deixa mais expostos, mas também fornece instrumentos de defesa. A solução também não é delegar a gestão e a proteção de dados e sistemas de informação às grandes empresas do digital. Isso equivaleria à renúncia por parte das instituições em exercer o seu papel no âmbito do digital. É necessário um protagonismo institucional que olhe, sim, para a soberania nacional, mas a concebendo dentro de uma ordem institucional supranacional – a europeia, no que nos diz respeito – que une interesses comuns que não podem ser limitados dentro das fronteiras, nem defendidos apenas com as forças dos Estados individuais.