18 Julho 2022
"Por que as fábulas da humanidade, embora cheias de horror, terminam com a vitória do bem? Trata-se de um desejo infantil ou é a manifestação da verdadeira lógica da vida? Scalfari novamente: 'Não sei explicar porque aos seis estava convencido de que quem ganha é bom. Ou que quem for bom vence'. Aos seis anos, 'se não voltarem como crianças', disse Jesus um dia. Creio que seu fascínio pelo Papa Francisco residia na possibilidade vislumbrada de experimentar novamente neste mundo a força do bem, aquele amoris laetitia que agrega os seres humanos, infundindo paz e harmonia", escreve o teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele de Milão e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 15-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eugenio Scalfari sempre destacou não apenas a ausência da fé nele, mas também do desejo de buscá-la: "Não tenho fé no mundo após a vida e não o procuro”. Ele intitulou a autobiografia de 2008 L'uomo che non credeva in Dio [O homem que não acreditava em Deus], querendo se entregar à história precisamente à luz da não-fé.
No entanto, é impossível falar sobre ele e seus últimos anos sem analisar sua relação com o Papa Francisco. Não é fácil entender o que tenha levado o filho espiritual do Iluminismo francês, aquele que foi um dos fundadores do Partido Radical, defensor das leis sobre divórcio e aborto, a buscar um diálogo constante com um Papa e falar sobre ele continuamente em seus editoriais. Seria a curiosidade do jornalista? O desafio ao pensamento do intelectual? A necessidade de espiritualidade que aparece mais ou menos intensamente em cada vida ao ocaso? Scalfari, quando jovem, teria tido a mesma atitude em relação ao jesuíta Jorge Mario Bergoglio? Ele certamente não a teve em relação a todos os outros papas.
Houve, porém, a amizade cultivada alguns anos antes com outro jesuíta, o cardeal Carlo Maria Martini. A relação de Scalfari com Martini está para aquela com Bergoglio como a primavera está para o verão. Certamente ambas as relações foram marcadas por dois pontos firmes: nenhum desejo de conversão e um diálogo igualitário. No entanto, retorna a questão do motivo do interesse pelo Papa Francisco e aqui está um trecho de sua entrevista com o Papa em 1º de outubro de 2013:
"O Papa entra e me estende a mão, nos sentamos, sorri e me diz: ‘Algum dos meus colaboradores que o conhecem me disseram que tentará me converter’. É uma piada, respondo a ele. Meus amigos também pensam que é o senhor quem quer me converter. Novamente sorri e responde: ‘O proselitismo é uma bobagem solene, não tem sentido. É preciso se conhecer, se escutar e fazer crescer o conhecimento do mundo que nos circunda. Isso é importante: conhecer-se, escutar-se, ampliar o círculo dos pensamentos. O mundo é atravessado por caminhos que aproximam e afastam, mas o importante é que conduzam ao Bem’".
Acredito que a diferença entre Scalfari e Bergoglio seja a nossa diferença, que esses dois homens são o símbolo da nossa condição, porque em cada ser pensante se movem o tipo Scalfari e o tipo Bergoglio, o crente e o não crente que se chocam entre si como Esaú e Jacó no ventre de Rebeca. Precisamente por isso é importante o êxito do seu encontro, porque ensina que o diálogo é o sinal da espiritualidade do nosso tempo: não mais converter o outro à própria fé ou ao próprio ateísmo, mas converter a si mesmos na purificação da mente que o verdadeiro diálogo sempre traz consigo.
Aqui, porém, abre-se uma frutífera contradição. O papel decisivo no pensamento de Scalfari é de fato jogado por Nietzsche, o filósofo de quem ele se declarou mais devedor, mais do que Montaigne, Descartes, Diderot, Freud. Ora, bem além de sua proposta positiva, difícil de sistematizar por ser construída sobre conceitos pouco modulares entre si, Nietzsche é decisivo pela obra demolidora.
O que demoliu? A razão e a moral. Ele fazia filosofia com o martelo e com suas marteladas destruiu a razão como glória da humanidade e a moral como dever da humanidade. A morte de Deus anunciada por ele é a morte da razão e da moral, do Logos do qual deriva o Ethos. Na minha opinião, está aqui o sabor da tragédia que paira nos livros de Scalfari: no uso da razão iluminista dentro de um mundo considerado, com Nietzsche, desprovido de razão.
Na última parte de sua vida, no entanto, Scalfari escreveu pensamentos muito intensos sobre o amor.
Na autobiografia lemos "de um depósito de amor que torne possível superar o eu e o tu ao conjugar o nós em seu lugar"; e ainda: "É preciso se esquecer de si mesmo para conhecer o outro sem invadi-lo, é preciso modificar a gramática do psiquismo para passar do eu e do tu para o nós"; e finalmente: "O verdadeiro amor dá descanso e bem-aventurança". Scalfari conta ainda que quando criança, brincando com os soldadinhos, sempre fazia os mocinhos vencerem. Acredito que todos nós fizemos os mocinhos vencerem. Por quê?
Por que as fábulas da humanidade, embora cheias de horror, terminam com a vitória do bem? Trata-se de um desejo infantil ou é a manifestação da verdadeira lógica da vida? Scalfari novamente: “Não sei explicar porque aos seis anos de idade estava convencido de que quem ganha é bom. Ou que quem for bom vence”. Aos seis anos, "se não voltarem como crianças", disse Jesus um dia. Creio que seu fascínio pelo Papa Francisco residia na possibilidade vislumbrada de experimentar novamente neste mundo a força do bem, aquele amoris laetitia que agrega os seres humanos, infundindo paz e harmonia.
Scalfari escreveu em 15 de setembro de 2013: "Se meu diálogo com o Papa Francisco continuar, como espero ardentemente que continue, acredito que este poderia ser o tema: fazer crescer o amor pelos outros pelo menos ao mesmo nível do amor próprio".
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Eugenio Scalfari. Sua fé era o iluminismo. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU