05 Setembro 2016
"A fé religiosa, de todas as religiões, mas especialmente da cristã, deveria encorajar as pessoas idosas a apressar o seu desaparecimento, em vista de um além eterno e beatificado pela presença de Deus, mas, na realidade, esse fenômeno não ocorre: elas aceitam mais serenamente do que outros a morte quando ela ocorre, mas não fazem nada para apressá-la, a menos que o sofrimento físico e psicológico se torne insuportável. Em todo o caso, no entanto, chocam-se com a resistência dos médicos, cuja deontologia profissional permite aliviar a dor com medicamentos adequados, mas não provocando a morte."
A opinião é do jornalista italiano Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, 03-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O livro que eu estou prestes a resenhar, publicado pela editora Piemme, tem 275 páginas intituladas Sorella Morte [Irmã Morte], com o subtítulo "A dignidade de viver e de morrer". O autor é o arcebispo Vincenzo Paglia, que foi por muitos anos consultor eclesiástico da Comunidade de Santo Egídio, bem conhecida pelas suas obras de assistência na Itália e no exterior. Uma comunidade muito diferente de todas as outras que articulam a Igreja nos seus vários modos de se relacionar com a sociedade civil; talvez a que melhor responda ao espírito católico, entendido na sua essencialidade.
Paglia já tinha escrito vários livros, mas, na minha opinião, nenhum desse nível e sobre um tema tão atraente para crentes e não crentes, cientistas, filósofos, médicos, políticos e também para aquela que é chamada de opinião pública: a dignidade de viver e de morrer é um assunto fundamental para todos, e Sorella Morte, não por acaso, é o verso mais bonito da Laude de Francisco de Assis: "Laudato si', mi' Signore, per sora nostra morte corporale / da la quale nullu homo vivente po' skappare" [Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, da qual homem algum pode escapar].
Esse é o início do livro. A parte final também merece ser citada: conclui de modo alto uma longa e aprofundada dissertação que tem no seu centro algumas palavras muito significativas: eutanásia, suicídio, testamento biológico, homicídio legalizado. Uma das frases finais é esta: "Não se deve esquecer o descarte e o escândalo que compõem a vida e a morte no pensar e no conviver humano. Poderíamos dizer que todos, sem exceção, nos encontramos diante do mistério e é precisamente o espaço do mistério que devemos salvaguardar".
Para um arcebispo católico, teria sido fácil resolver o problema, apelando à vontade do Senhor e ao alívio que a fé dá aos moribundos sobre o além que os espera e lhes assegura a vida eterna; mas Paglia sabe bem que a dúvida poluir continuamente também os crentes mais fiéis ao ensinamento religioso, e, além disso, a nossa espécie não é formada unicamente por religiosos, seja qual for a sua religião e o além que ela descreve.
O livro examina todos os problemas que o viver e o morrer envolvem, cita uma quantidade de escritores que examinaram o assunto, de leis que, ao longo do tempo, a disciplinaram e até mesmo de massacres e de guerras que a utilizaram conscientemente. A atitude do autor penetra tão profundamente nas várias teses a ponto de se identificar com algumas delas e de condenar sem apelo outras.
A parte final do livro, que eu já citei, expõe justamente a essência que anima o autor: "É o espaço do mistério que devemos salvaguardar". O mistério, cuja solução é o amor. "Nesta passagem da história, é indispensável uma aliança entre todos, para identificar um horizonte comum onde seja possível inscrever o sentido de viver e de morrer".
Essas palavras remetem ao ensinamento do Papa Francisco, que Paglia evidentemente partilha: a sua modernidade, a visão de Cristo como amor, a fraternidade, intercâmbio recíproco e conceito da misericórdia como dom e não como perdão. Esse é o ensinamento de Francisco e esse é o espírito que o livro de Paglia expressa.
* * *
A questão da eutanásia é um dos temas centrais desse livro, porque, com essa palavra, analisam-se vários problemas. O exame começa desde a introdução, que inicia a partir de uma obra pouco conhecida que Paglia utiliza com abundância.
O autor é um escritor sueco, chamado Carl-Henning Wijkmark, e o núcleo do seu pensamento está contido em um romance intitulado "A morte moderna", de 1978. Um grupo de homens da lei discute a crescente taxa de mortalidade das pessoas idosas e sobre as repercussões desse fenômeno sobre a economia capitalista.
"Temos uma explosão de idosos", constata o moderador do debate, e continua: "Em breve, precisaremos de mais mortes, mas como fazer? A raiz do mal não é que a eutanásia seja ilegal, mas que o seja porque poucos a pedem."
Portanto, para superar essa dificuldade, seria preciso convencer os políticos, as famílias, os médicos e, possivelmente, os próprios idosos a apressar o máximo possível a "boa morte", razão pela qual a eutanásia está no centro do debate.
Talvez, a fé religiosa, de todas as religiões, mas especialmente da cristã, deveria encorajar as pessoas idosas a apressar o seu desaparecimento, em vista de um além eterno e beatificado pela presença de Deus, mas, na realidade, esse fenômeno não ocorre: elas aceitam mais serenamente do que outros a morte quando ela ocorre, mas não fazem nada para apressá-la, a menos que o sofrimento físico e psicológico se torne insuportável. Em todo o caso, no entanto, chocam-se com a resistência dos médicos, cuja deontologia profissional permite aliviar a dor com medicamentos adequados, mas não provocando a morte.
Sobre esse tema, dirige-se uma parte significativa do livro de Paglia. Eu notei que o autor, às vezes, apoia uma ou outra tese que se confrontam e que condena, obviamente, aqueles que abordam os massacres racistas do nazismo com um uso deturpador do conceito de eutanásia. Pensem até que ponto pode chegar uma mentalidade abalada pelo poder, pelo racismo, pelo prazer da crueldade.
Paglia – racismo à parte – analisa uma série de opiniões concernentes à sua pesquisa sobre a relação entre vida e morte. Há também uma página em que é citada a passagem de um livro meu, em que eu comparo a morte de Voltaire à de Pascal e, depois de detalhar as suas diferenças, explico porque entre essas duas mortes, apesar do meu pensamento iluminista, eu prefiro a morte de Pascal à de Voltaire.
Nesse ponto, Paglia faz uma virada fundamental, que, na realidade, é o centro de toda a obra: a relação de vida e morte na pregação de Jesus na sua semana de paixão e, depois, na crucificação e na ressurreição que se seguem; a sua relação com os apóstolos e a função de Paulo na fundação doutrinária do cristianismo. Estas são, a meu ver, as páginas mais belas e dramáticas, porque o tema é fortemente dramático. Eu gosto, principalmente, do relato daquilo que ocorre no Jardim do Getsêmani, quando Jesus, acompanhado por alguns dos apóstolos, em certo ponto, se aparta e reza de joelhos e entre lágrimas a Deus Pai. "Se quiseres, Pai meu, afasta de mim o amargo cálice que deverei beber em breve, mas, se não quiseres, vou bebê-lo até o fim". Ele faz a pergunta por três vezes, que permanece sem resposta, contudo.
O tema, no entanto, é reproposto quando Jesus, já na cruz, por sua vez, interroga o Pai: "Por que, ó Pai, me abandonaste?". Não há nada de novo nesse relato de Paglia, mas o toque com o qual ele o repropõe sublinha com muita eficácia literária um ponto de fundo do cristianismo: Jesus é filho de Deus e também é Deus, uma articulação do Deus trinitário, mas também é filho do homem, como contam os Evangelhos, sente todas as paixões humanas e as várias tentações que ele vence com a sua natureza humana, e não com a divina.
Debaixo da cruz – recorda o autor – os apóstolos não estão, exceto o jovem João e as mulheres que seguem Maria. E depois a ressurreição, com um Jesus transformado em Cristo que sobe novamente ao céu, deixando sobre a terra, como herança aos seus apóstolos, o amor por Deus e pelos outros, pelos pobres, pelos fracos, pelos excluídos.
Mas o livro não termina aqui. Ele examina conjuntamente os dois temas do amor e da morte, que, obviamente, diz respeito a todos os vivos de várias ou de nenhuma religião. E, depois, os sentimentos de amizade, de ódio, de acolhida, de guerra. Quaisquer que sejam as pessoas vivas e quaisquer que sejam os sentimentos que todos animam, a morte virá para todos, e todos sabem disso. Sabem, mas me parece que, quando esse evento acontece com os outros, não são particularmente abalados; ao contrário, muitas vezes se mantêm distantes e se autodefendem com a indiferença.
Esse é o fim do livro que, aqui, eu quero citar. "A rarefação da companhia aos moribundos é um dos motivos da decadência da dimensão humana do viver. Voltar a refletir sobre essa dimensão da existência significa iniciar a tecer novamente aquele novo humanismo de que todos precisamos para viver melhor e para morrer dignamente."
Direitos para todos e todas, também na Igreja. Artigo de Eugenio Scalfari
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O novo humanismo diante da morte. Artigo de Eugenio Scalfari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU