15 Janeiro 2021
"Não basta fazer uma profissão de fraternidade universal, mas, como nos ensina Charles de Foucauld, devemos aprender a viver esta fraternidade dia após dia, mesmo no profundo do nosso ser, no profundo do nosso coração", escreve o jornalista italiano Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, em artigo publicado por La Repubblica, 14-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O jornalista, referindo-se ao Papa Francisco, afirma que "o nosso Pontífice é uma grande alma e é isso que o torna não só o Papa de Roma e da cristandade, mas uma das almas do mundo.
Eis o artigo.
A situação política não é tão boa, na verdade é bastante ruim em toda a Europa, nos Estados Unidos, na China e, infelizmente para nós, é bastante ruim na Itália também. Bastante porque até agora com o governo de Giuseppe Conte nosso país estava indo bem. Certamente não muito bem, mas apenas bem para nós já é um resultado decente que também nos permite ter uma presença interessante na Europa. Mais do que isso seria difícil, mas até agora parecia que o pior estava fora de questão. Agora pior e melhor se alternam e o autor dessa alternância é mais uma vez Matteo Renzi.
Este personagem quer o poder: não tanto para adotar uma determinada política, mas para estar na liderança. Lembremo-nos de como terminou há poucos anos o referendo que o próprio Renzi havia disposto (o chefe do governo na época era precisamente Matteo) e que teria aumentado o poder do "primeiro-ministro" ao diminuir a força de quase todos os outros poderes. Um clima extremamente encorajador para o Renzi da época. Ainda me lembro de sua saudação a Enrico Letta, que o havia precedido no Palazzo Chigi.
A renúncia, porém, não foi grande coisa para Renzi e sabemos o restante. Um restante que ainda é uma porta entreaberta que Renzi almeja com crescente interesse: ele demitiu duas de suas ministras e está colocando Conte em considerável dificuldade. O atual chefe de governo ainda se encontra em uma posição discreta: nunca quis fazer parte de um partido ou mesmo ser seu fundador, como já aconteceu com outras posições, a começar pela de Nicola Zingaretti. Conte ainda tem o governo em suas mãos ou pelo menos o tinha até agora. Agora sua força diminuiu um pouco e seus aliados estão dispersos aqui e ali, com os poderes locais mal fazendo uma massa em torno do governo. Conte tem um aliado: os Cinco Estrelas de Di Maio, que, no entanto, atravessam uma situação política que não é brilhante no território nacional: brilha mais Grlllo que foi o pai do populismo antes que nascessem os Cinco Estrelas.
Esses populistas convertidos à governabilidade sempre oscilaram; foram da direita com Salvini, depois meio à esquerda e, finalmente, no centro com vários nuances em várias direções políticas. Esta é a situação geral: direita, centro, esquerda, populismo, governadores regionais, prefeitos, filhos e primos (as relações de parentesco em situações políticas deste tipo têm um valor próprio) e a Europa. Em nosso continente, Conte tem uma discreta presença. Porém, estão distantes os tempos de Ventotene e do Manifesto lançado naquela época por Spinelli, Ernesto Rossi e Colorni. Na Itália, de um século atrás, o fascismo ainda estava latente, antes mesmo havia acontecido o Risorgimento e a literatura de Dante e assim por diante: com o tempo a Itália avançou e melhorou? Eu não diria, mas o mundo inteiro está na pior, até mesmo a Igreja liderada pelo Papa Francisco. Eu disse que o mundo mudou.
A verdadeira novidade geral de nosso mundo de estrelas e planetas é uma decadência muito perceptível. E está atingindo o nosso Sul e o nosso Norte, ou seja, os polos extremos da Terra em que vivemos, mas ainda há tempo e espaço e até a Igreja tem resistido desde que o Papa Francisco a lidera.
Permito-me apontar uma novidade concernente precisamente o Papa Francisco. Muito antes dele, mais de um século atrás, a figura completamente anômala de Charles de Foucauld apareceu na Igreja Católica. Como testamento espiritual da fraternidade universal, deixou-nos estas linhas do Regulamento e Diretório dos Pequenos Irmãos: “Que resplandeça como um farol a sua caridade universal e fraterna, que ninguém em um amplo raio ao redor, seja pecador ou infiel, ignore que eles são os amigos universais, os irmãos universais que passam a vida rezando por todos os homens sem exceção e fazendo-lhes o bem, que sua fraternidade seja um porto, um refúgio no qual todo ser humano, especialmente se pobre e infeliz seja a cada momento, fraternalmente convidado, desejado e acolhido e que é, como o seu nome indica, a casa do Sagrado Coração de Jesus, do amor divino difundido na Terra, da Caridade ardente, do Salvador dos homens”.
Tornar-se irmão universal não era apenas o desejo talvez um tanto ingênuo de um santo sacerdote. Assim, Charles de Foucauld mais uma vez antecipou os tempos e uma visão profética em relação à sua época.
Charles viveu o período da maior expansão colonial da Europa contemporânea, e isso nos ajuda a compreender que viver a universalidade não significa perder a si mesmo, mas encontrar-se, certamente não empobrecer, mas enriquecer-se. Viver cada relação como um percurso de amizade que nos revela a fraternidade, sair das nossas fronteiras e se aventurar em terras desconhecidas, lutar juntos contra a exclusão, a violência e a marginalização. “Ser irmão universal significa ser irmão de todos, sem exceções nem distinções, sem excluir ninguém, atento ao que o outro tem de bom e tudo isso sem perder a própria identidade”. Não basta fazer uma profissão de fraternidade universal, mas, como nos ensina Charles de Foucauld, devemos aprender a viver esta fraternidade dia após dia, mesmo no profundo do nosso ser, no profundo do nosso coração.
Quem conhece bem o nosso Papa Francisco sabe que estes pensamentos pertencem ao seu pensamento religioso que acredita no Ser. O nosso Pontífice é uma grande alma e isto é isso que o torna não só o Papa de Roma e da cristandade, mas uma das almas do mundo.
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Irmãos em terras desconhecidas. Artigo de Eugenio Scalfari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU