14 Julho 2020
Alguns estudiosos consideram que o legado do futuro santo está estreitamente vinculado ao colonialismo francês na Argélia, onde ele foi assassinado em 1916.
A reportagem é de Claire Lesegretain, publicada por La Croix International, 13-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois que a Congregação para as Causas dos Santos anunciou em maio passado que um milagre havia sido atribuído à intercessão do Bem-aventurado Charles de Foucauld, a canonização do homem conhecido como o “irmão universal” pode agora seguir em frente.
Reprodução de uma foto exibida na Fraternidade Charles de Foucauld dos Irmãozinhos do Evangelho, na Argélia, no deserto de Béni-Abbès.
(Foto: Thierry Gachon/L’Alsace/MAXPPP)
Mas nem todos os historiadores estão satisfeitos com a notícia.
“A canonização de Charles de Foucauld seria uma negação da história”, escreveu o professor Ladji Ouattara em um artigo publicado na edição do jornal Le Monde do dia 2 de julho.
“A obra do ‘eremita de Hoggar’ é inseparável da conquista colonial do Saara pela França”, afirmou Ouattara, que ensina História em universidades na França e em Níger.
Ele citou as obras de vários historiadores, como Jean-Marie Muller, que, em 2002, denunciou “as profundas convicções nacionalistas e colonialistas desse eremita saariano que defendeu uma guerra total contra a Alemanha durante a Grande Guerra”.
Ouattara observou que Hélène Claudot-Hawad havia condenado, naquele mesmo ano, o “envolvimento direto [de Foucauld] em operações militares coloniais contra as tribos rebeldes” na Argélia.
E observou que, mais recentemente, em 2014, André Bourgeot havia criticado as “ideias [do futuro santo] em favor de uma desorganização das estruturas sociopolíticas tuaregues”.
Ouattara, que fez sua tese de doutorado na Universidade Católica de Louvain sobre o povo tuaregue, alegou que, como ex-segundo tenente, Foucauld “participou pessoalmente de várias missões militares com o capitão Dinaux, cujo objetivo era estabelecer a submissão dos tuaregues de Hoggar e fazer com que um imposto fosse aceito, para ser uma marca tangível dessa submissão”.
O bispo emérito Claude Rault, de Laghouat (Argélia), rejeitou essa acusação.
“O objetivo de Charles de Foucauld não era participar diretamente de uma operação militar, mas sim usá-la para ampliar o seu conhecimento do mundo tuaregue”, disse o bispo de 79 anos.
“Ele não tinha nenhuma outra maneira de fazer isso do que confiar nessas expedições”, disse Rault, um Padre Branco missionário que liderou a Diocese de Laghouat entre 2004 e 2017.
João Paulo II promoveu a causa de canonização de Foucauld em 2001 declarando-o “venerável”.
Então, quatro anos depois, Bento XVI decretou que o monge nascido na França havia morrido como mártir e aprovou a sua beatificação. Agora, após a recente verificação do milagre, o Papa Francisco deve declará-lo santo.
“Quem, na verdade, é Charles de Foucauld? Como a África vê a sua futura canonização, enquanto os traumas da colonização ainda afetam as sociedades tuaregues?”, perguntou Ouattara provocativamente
Ele disse que a canonização provavelmente pareceria “dissonante” no atual contexto de desmantelamento das figuras colonialistas.
Além disso, ele observou que isso ocorre cinco anos após a controversa canonização de Junípero Serra (1713-1784) nos Estados Unidos.
Mas Dom Rault argumentou que Charles de Foucauld nunca deixou de “denunciar as extorsões de uma colonização que consistia em se apropriar do grande Sul argelino em detrimento do povo e da cultura tuaregues”.
Além disso, ele disse que o dicionário francês-tuaregue de Foucauld continua sendo uma referência essencial até hoje.
“A sua visão de colonização sempre foi humanizada e humanística”, afirmou o bispo.
Ele ressaltou que o futuro santo frequentemente pedia que “os líderes tuaregues fossem levados em consideração e que certos poderes políticos fossem confiados a eles”.
“Seu amor pelo povo tuaregue sempre prevaleceu”, enfatizou Dom Rault.
“Charles de Foucauld queria viver no meio do povo e se tornar seu irmão. Ele assumiu o risco de ficar onde o Exército não estava presente para marcar a sua distância dele”, disse o bispo.
Mas ele também admitiu que “seria saudável para a Igreja revelar ao público em geral todas as áreas cinzentas: é hora de dizer os limites desse homem que tem sido tão santificado”.
Ele reconheceu que o reverenciado monge “não disse nada sobre a violência” e até “desejou o desaparecimento físico deste ou daquele tuaregue”.
“Mas, embora Charles de Foucauld não tenha alcançado tudo em sua vida, a santidade não é a mesma coisa que a perfeição”, insistiu Dom Rault.
Jean-Claude Boulanger, o bispo recém-aposentado de Bayeux-Lisieux, na França, é membro da fraternidade presbiteral Iesu Caritas de Charles de Foucauld e autor de um livro sobre o eremita de Tamanrasset.
Ele citou uma carta que o aménokal (líder religioso tuaregue) Moussa agg Amastasent enviou à Madame De Blic, irmã de Charles de Foucauld, no dia 25 de dezembro de 1916 – após o assassinato do monge no dia 1º de dezembro.
“Assim que eu soube da morte do nosso amigo, seu irmão Charles, meus olhos se fecharam; tudo ficou escuro para mim; derramei muitas lágrimas. Sua morte me provocou uma grande tristeza”, escreveu o aménokal.
Na mesma carta, ele pediu que Madame De Blic dissesse à sua família que “Charles, o marabuto, não está morto apenas para você; ele está morto para todos nós. Que Deus tenha misericórdia dele e que possamos reencontrá-lo no céu!”.
Dom Boulanger ressaltou que, no Islã, um marabuto é venerado como santo.
“É surpreendente que Moussa possa ter escrito ‘nosso marabuto’ e que ele planejava reencontrá-lo no mesmo paraíso”, disse o bispo de 75 anos.
Ele acrescentou que, mesmo que todos os tuaregues não tenham necessariamente compartilhado a opinião do aménokal, isso não nega o fato de que, “durante toda a sua vida, Charles de Foucauld tentou dar testemunho de Jesus de Nazaré e do Evangelho”.
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Historiadores manifestam preocupação com canonização de Charles de Foucauld - Instituto Humanitas Unisinos - IHU