01 Junho 2020
Com um novo milagre reconhecido pelo Vaticano, o caminho para a canonização de Charles de Foucauld, beatificado em 2005, está aberto. Pierre Sourisseau, arquivista da sua causa de canonização, fala sobre o legado do “irmão universal”.
A entrevista é de Marie-Armelle Christien, publicada por La Vie, 28-05-2020. A tradução é de André Langer.
O Papa Francisco reconheceu, na terça-feira 26 de maio, a atribuição ao beato Charles de Foucauld (1858-1916) de um segundo milagre, o que abre o caminho para sua canonização. O padre, que viveu a maior parte da sua vida na Argélia com aqueles que não conheciam a Cristo, deixou uma consistente herança espiritual. Pierre Sourisseau, arquivista da causa de sua canonização durante mais de 30 anos, licenciado em teologia e especialista referencial para a Associação dos Amigos de Charles de Foucauld e da Família Espiritual de Charles de Foucauld, é o autor de uma biografia do bem-aventurado, publicada pelas Edições Salvator. Em conversa com La Vie, discorre sobre a trajetória e a mensagem do futuro santo.
Um segundo milagre de Charles de Foucauld foi reconhecido, o que leva à sua próxima canonização. Pode retomar sua história?
Charles de Foucauld nasceu em Estrasburgo em 1858 e viveu em Nancy a partir da ocupação prussiana em 1870. Quando adulto, tornou-se oficial hussardo. Foi durante uma de suas expedições militares que sua vida começou a mudar. Na fronteira entre a Argélia e o Marrocos, onde está em uma expedição, a necessidade de aventura se faz sentir. Ele sente um chamado tão forte pelo “Oriente” que pede sua demissão. Parte para fazer um reconhecimento no Marrocos como civil.
De aventureiro... a padre?
Toda a sua jornada passa a ser uma sucessão de movimentos do Espírito Santo. Voltando por um tempo a Paris, onde mora parte de sua família, ele teve uma profunda experiência espiritual em uma confissão e comunhão, graças ao padre Huvelin, vigário da Paróquia de Santo Agostinho (Paris 8e). Aí, teve um encontro pessoal com Jesus, que o leva a seguir suas pegadas na Terra Santa. Durante essa peregrinação, compreende, inicialmente, que é chamado à vida monástica. Trapista durante seis anos, em Ardèche, depois na Síria, ingressou, na sequência, nas Clarissas de Nazaré como eremita.
Finalmente, após um discernimento, retornou para Ardèche, para a Abadia de Notre-Dame-des-Neiges, para se preparar para o sacerdócio. Ordenado sacerdote e querendo viver no norte da África, foi para Beni Abbès, no sul da Argélia. Três anos depois, em 1905, ele se muda para o sul, para Tamanrasset, onde viveu durante 10 anos, até sua morte. Ele foi morto acidentalmente durante um saque de seu eremitério por “senoussistas”, rebeldes vindos da Líbia.
E qual é a sua espiritualidade?
O foco central da sua espiritualidade é o Sagrado Coração. Suas vestes ostentam o emblema, assim como cada uma de suas correspondências, que ele assinou com seu lema em latim: “Jesus Caritas”, que significa “Jesus Caridade”. Charles de Foucauld tem uma fé pessoal, internalizada e integrada. Não se encaixa em nenhuma estrutura, em nenhum molde. Sua fé é uma história de encontro com Cristo, uma escuta do Espírito Santo nele. Ele vive abandonado, e essa é a oração que é lembrada por ele: “Meu Pai, eu me abandono a ti”. Foi graças ao abandono que seu testemunho deu frutos.
Que testemunho?
Ele vive imitando Jesus, a quem ele chama de “o Modelo único”. Ele é atraído para os “mais distantes”, para aqueles que podem estar ligados às periferias de que fala o Papa Francisco. Ele “se mistura com os homens” como Jesus fez. E especialmente com aqueles que não conhecem Cristo.
Os muçulmanos, por exemplo, entre os quais exerceu seu apostolado?
Sim. Um dos mistérios que o fascina muito é o da Visitação, quando Maria, grávida de Jesus, vai até sua prima Isabel, grávida de João Batista. Sem a necessidade de dizer uma única palavra, a mera presença de Jesus no ventre de Maria faz João estremecer no ventre de Isabel. E é isso que Charles de Foucauld quer: fazer Cristo brilhar, simplesmente por sua presença.
Charles de Foucauld vive em uma região muçulmana, o único padre por quilômetros. Os poucos padres brancos estão mais ao norte do Saara. Em cada missa celebrada, ele leva Jesus a uma região onde talvez nunca tenha havido a presença eucarística. E essa única presença pode irradiar, é o “Jesus oculto”. Ele se incorporou tanto na região que chegou a escrever um dicionário tuaregue-francês.
Mas ele procurava converter seus amigos muçulmanos?
Seu apostolado junto a eles é, em primeiro lugar, encontro de pessoas, nunca proselitismo. Ele procura “contato”, amizade, presença, bondade.
O que ele deixou como legado?
Atualmente, na Argélia, algumas fraternidades de irmãos e irmãs. Sua família espiritual e a associação de sua Família espiritual, que ele fundou, também existem na França e em todo o mundo. Mas, acima de tudo, muitos escritos. Em 1921, o escritor René Bazin escreveu sua biografia, traduzida para várias línguas, o que lhe rendeu fama post-mortem. Três anos depois, publicou seus escritos espirituais, que foram a fonte de muitas vocações.
Hoje ele é uma figura muito consensual entre os católicos...
Sim. Embora, diplomaticamente, a beatificação já fosse delicada para Roma: ele era visto por alguns argelinos como um agente secreto do poder colonial francês...
Hoje, ainda temos lições a aprender com sua experiência?
Confiados no cardeal Yves Congar, teólogo, muito! Durante o Concílio Vaticano II, ele disse o seguinte: “Dois faróis foram enviados por Deus para iluminar nosso século: Teresa de Lisieux e Charles de Foucauld”.
Ele pode falar para o nosso século?
Podemos nos inspirar em seu exemplo para pensar em uma Igreja mais próxima do povo, mais evangélica. Tomemos o clericalismo, por exemplo, de que fala o Papa Francisco. Charles de Foucauld era alguém que não era clerical! Ele não impôs as mãos sobre o seu ministério, não buscou o poder em sua função. Nós poderíamos entrar em sua escola. Além disso, já em sua vida, ele pediu aos católicos da França para que acordassem. Penso que sua canonização terá grande impacto sobre os franceses e sobre a Igreja em geral. Se você se deixar guiar pelo Espírito Santo.
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“Charles de Foucauld não se encaixa em nenhuma estrutura, em nenhum molde”. Entrevista com Pierre Sourisseau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU