07 Junho 2022
“É lei de Deus que não se possa fazer o bem a alguém a menos que antes não se goste dele. Por isso, ao ser nomeado patriarca de Veneza, São Pio X exclamou em San Marco: 'O que seria de mim, venezianos, se não os amasse?'. Digo algo semelhante aos romanos: posso assegurar-vos que vos amo, que só desejo entrar ao vosso serviço e pôr à disposição de todos as minhas pobres forças, o pouco que tenho e o que sou”. Assim, na tarde de 23 de setembro de 1978, cinco dias antes de sua morte, João Paulo I apresentou-se aos fiéis de sua diocese de Roma, tomando posse da cátedra de São João em Laterano.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 06-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sua parábola revive no volume Il Papa senza corona (O Papa sem coroa, em tradução livre, Carocci) editado por Giovanni Maria Vian, diretor emérito do L'Osservatore Romano. Um texto que, por meio das contribuições de quatro historiadores (Sylvie Barnay, Roberto Pertici, Gianpaolo Romanato e Vian), do escritor Juan Manuel de Prada e do crítico de cinema Emilio Ranzato, apresenta a figura de Luciani a partir de múltiplos pontos de vista com saborosas e contínuas imersões na literatura e na filmografia.
Foto: Divulgação
Um livro que sai na véspera da beatificação de João Paulo I que será presidida pelo Papa Francisco em 4 de setembro de 2022 na Praça de São Pedro. Um evento há tempo aguardado pela admiração que aquele Pontífice, que liderou a Igreja por apenas trinta e três dias, suscitou bem além da estreita geografia católica. Vian tem o mérito de apresentar a figura de Luciani, retirando-a finalmente dos tantos, demasiados clichês de que sua biografia foi vítima nas últimas décadas.
Um Papa muito humano, eleito em 26 de agosto de 1978 e falecido em 28 de setembro seguinte. Tudo foi escrito e dito sobre seu desaparecimento repentino. A verdade é que aconteceu por infarto agudo do miocárdio. “A morte faz parte da vida, é o sinal de que vivemos para voltar ao Senhor”, havia dito o Patriarca Luciani em 1970 ao jornalista Alberto Cavallari que conheceu o futuro Papa em Veneza quando dirigia Il Gazzettino.
“João Paulo I - escreve Vian - era um homem com problemas de saúde, que foram confirmados por vários testemunhos, que na solidão total da primeira noite passada nos aposentos pontifícios não havia encontrado nem um pouco de leite. E que para poder beber um copo teve que ligar para um velho amigo residente no Vaticano, o veneziano Camillo Cibin, comandante da Gendarmeria, que obviamente se apressou em levar-lhe um litro retirado da geladeira de sua casa”.
O historiador destaca ainda que "pouco se lembra dos trinta e três dias do pontificado: em geral, sobretudo uma afirmação, bem enraizada na literatura bíblica e na tradição cristã, mas que no Angelus de 10 de setembro ressoou como revolucionária e causou sensação, quando o Papa disse que Deus 'é pai; mais ainda é mãe'. A questão teria sido evocada muitas vezes no debate teológico subsequente e Bento XVI teria intervindo sobre o assunto trinta anos depois, comentando a oração do Pai Nosso”.
Às vésperas da fumaça branca, nem todos estavam convencidos de que Luciani seria o sucessor de São Paulo VI. O cardeal Jean Villot, secretário de Estado de Montini e camerlengo, pediu uma opinião sobre a possibilidade da eleição do patriarca de Veneza para seu amigo e confidente Antoine Wenger, um religioso assuncionista, bizantinista talentoso apaixonado pela Rússia e pelo ecumenismo. "Eu, respondo não, sem dúvida com muita segurança", escreveu Wenger conforme relata Vian.
Depois, no dia seguinte, ele enviou uma nota ao cardeal: "O nome do cardeal Luciani aparece esporadicamente na imprensa e os cardeais não italianos perguntam sobre ele (o arcebispo de Paris questionou demoradamente um padre de Veneza que mora em San Luigi). Contra ele há alguns discursos duros sobre a teologia da libertação e a severidade que demonstrou para com os padres de sua diocese que apoiaram a possibilidade de um católico votar pelo divórcio no referendo”. Evidentemente, as coisas aconteceram de forma diferente.
Vian também relata o que Cavallari escreveu em 30 de setembro de 1978 na primeira página do Corriere della Sera: “Como é que o Espírito Santo mudou seu conselho em trinta e três dias? Como refazer uma escolha sem contradições? Como recomeçar do início? A pergunta dos leigos também não deve ser esquecida. Por quê? Por que a morte esmagou um Papa que 'estava apenas começando a sorrir'? Finalmente, a pergunta do homem comum que viu passar o meteoro de um papado: quem era João Paulo I? O que poderia ter sido para a humanidade?”.
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João Paulo I, o Papa sem coroa. Seus 33 dias como pontífice no relato de Vian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU