29 Agosto 2018
A Embaixada da França junto à Santa Sé entrou no “modo conclave” ainda no verão de 1977. Em setembro, quando Paulo VI completou 80 anos, os diplomatas franceses também se perguntaram se o papa renunciaria. Em 2 de setembro, quando o Pe. Virgilio Levi, vice-diretor do L’Osservatore Romano, escreveu um aprofundamento sobre “Por que o papa não pode renunciar”, o número dois da Embaixada da França junto à Santa Sé, Michel Reuillard, permaneceu frio: explicou a Paris que os argumentos de Levi não eram “nem decisivos nem incontroversos” no plano teológico; em vez disso, observou, era preciso dizer que “não estava na natureza de Paulo VI” a ideia de renunciar.
O relato é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado por La Repubblica, 24-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas todos veem a fraqueza do papa na edição especial do jornal vaticano para o aniversário de nascimento do pontífice – o teólogo Yves Congar escreve um artigo sobre Paulo VI e o ecumenismo – que já tem o ar de um balanço-obituário.
Chega 1978: o massacre da Via Fani, os dias do cativeiro, as tentativas papais de mediar que Moro julga como “pouco”, o crime, a R4, o funeral em que aquilo que Jan Grootaers chamava de “papa democrata-cristão” reconhece o fim trágico de um projeto político. Mas o embaixador francês junto à Santa Sé, George Galichon, não entende que, naquele funeral, está o início do apagamento de Paulo VI: ele permanece aderente às confidências médicas. De modo que a crise cardiocirculatória que leva o Papa Montini embora no tórrido 6 de agosto chega como uma surpresa discreta, silenciosa, que obriga a um balanço que não depende dos jornais.
Reuillard – Giscard levará isto em conta no telegrama que escreve em nome da “filha mais velha da Igreja” – oferece uma análise precisa do papado montiniano, circulado a partir de Paris para todos os embaixadores franceses no mundo. Ele explica que Paulo VI sacrificou a sua popularidade, dizendo “não à moral permissiva” e colocando-se mais “na linha de um Pio XI ou de um Pio XII do que de João XXIII”.
E, de modo mais extenso, um relatório de 8 de agosto divide o pontificado montiniano em uma fase conciliar “gloriosa”, a fase “difícil” de 1966-1970 e a fase do “fim prolongado” de 1970 a 1978: com os confrontos sobre a moral sexual, a ruptura com os lefebvrianos e o “desinflar” de um papa “mais filósofo do que teólogo, que não tem em sua posse encíclicas ressonantes como as de Pio XI contra o nacional-socialismo ou o comunismo ateu; mensagens memoráveis como as de Pio XII dirigidas ao mundo para o Natal; definições dogmáticas como a da Assunção de 1950; e o seu nome não se identifica, como o de João XXIII, com uma única encíclica, a Pacem in terris: ele foi o “papa do Vaticano II”.
Um julgamento que, um ano depois, seria confirmado em um despacho que começa de forma lapidar: “O reinado de Paulo VI foi marcado pela busca de uma renovação da Igreja decidida (...) pelo Concílio”. Paris não só envia, mas recolhe sobre o fim do papado as opiniões de todas as suas representações no mundo: de Bonn, que lida com os habituais sobressaltos internos na CDU, a Jacarta; de Roma, onde o embaixador credenciado junto ao Quirinal explica a posição de Berlinguer, até Washington, onde o Pe. Francis Murphy dá uma lista de papáveis (Willebrands, Lorscheider, König, Duval), que é o seu livro dos sonhos.
Menos oníricos, mas de enorme interesse, são os destaques que chegam de Varsóvia em 21 de agosto: o embaixador francês Marcel Guillemant nota uma atenção inesperada à Igreja nos meios de comunicação do partido – Edward Gierek, o secretário do partido que tinha visitado Paulo VI em 1º de dezembro do ano anterior, deve ter dado instruções precisas quando apareceu na imprensa pela primeira vez a foto que retrata o ministro das Relações Exteriores entre o cardeal Wyszynski e Karol Wojtyla no aeroporto.
Mas Guillemant também anota que tinha captado uma ansiedade do episcopado polonês por causa “dos rumores, retomados pelo Słowo Powszechne de 20 de agosto, segundo os quais o cardeal Wojtyla de Cracóvia estaria entre os papáveis”.
Em Roma, interrogam-se sobre outras coisas: o Quai d’Orsay é bastante culto para entender que a distribuição geográfica dos cardeais é banal e muda: os cardeais “não votam por continente ou por grupos de origem geográfica, língua ou raça”. O que pode determinar a minoria de “bloqueio” de um terço mais um dos cardeais (como foi em torno Bergoglio no conclave de 2005) ou que pode criar um pacote “gravitacional” de votos estáveis a partir do qual se pode partir para a inalcançável escalada aos dois terços dos votos, são aquelas que o Quai d’Orsay chama de “équipes”: poucos ou pouquíssimos cardeais que se agregam em grupos à medida que emerge um juízo sobre o pontificado.
Julgamento difícil porque, para além de uma referência às questões financeiras (sem citar Sindona), observa-se que o montinismo deixa desiludidos à esquerda e à direita, que transparece a partir das confidências da multidão de prelados que – como anota o embaixador de modo esnobe – façam com os jornalistas.
Mais tecnicamente, entretanto, a Embaixada da França se dedica a filtrar impiedosamente as listas que circulam: partindo de dois postulados. O primeiro é que, na Itália do compromisso histórico, com os comunistas na maioria, não se pode “ainda” colocar um papa estrangeiro. O segundo é que um candidato ultraconservador (como Felici, Bertoli ou Siri) não pode ter força de se tornar papa.
De acordo com Galichon, portanto, as chances dos curiais são baixas: Baggio não tem “nenhum escrito teológico, nenhum tratado de pastoral [...] e uma irmã que joga sobre ele o papel da eminência parda”; Pinedoli tem possibilidades “medíocres”. Os cardeais de dioceses papáveis são poucos: Poletti, muito ligado aos bispos europeus, mas que não fala nenhuma língua; Pappalardo, com uma grande experiência diplomática que, em Palermo, substituiu Carpino e Ruffini, “que não pôde evitar uma composição com a máfia”. Mas lá no meio retorna o nome de Luciani, “bom pastor, que tem um vigor teológico bem conhecido e a autoridade de dois ilustres antecessores, os papas Pio X e João XXIII”.
Um trabalho perfeito: se é verdade a confidência que o cardeal Mario Casariego y Acevedo fez a Giancarlo Zizola sobre os números do conclave, na votação de abertura de 26 de agosto, os votos se distribuíram entre um máximo de 25 para Siri até um mínimo de dois para os outros: Luciani, Pinedoli, Baggio, König, Bertoli, Pironio, Felici e Lorscheider. Para chegar imediatamente no segundo escrutínio a um primeiro duelo entre Luciani e Siri, com uma fugaz aparição de votos para Wojtyla e um pacote estável de votos para Pinedoli; e o movimento-chave de Pinedoli que se desloca para o patriarca de Veneza e entroniza João Paulo I no quarto escrutínio na noite do mesmo dia.
Com 99 votos, como Galichon ficará sabendo em outubro, quando “as bocas se descosturam”; a noite de Nossa Senhora de Czestochowa, observa Wojtyla à rádio, enquanto Guillemant o escuta de Varsóvia.
(Continua...)
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Wojtyla à rádio: ''Luciani foi eleito papa no dia de Maria'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU