"A homilia do padre Mapple para os marinheiros do navio baleeiro Pequod e suas esposas, por providência divina, foi justamente sobre a história de Jonas, aquele que não queria obedecer a Deus - e que incessantemente o desobedeceu - e foi engolido e cuspido pela baleia para que se cumprisse a Sua vontade".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Parece-me que estamos profundamente equivocados a respeito dessa história de Vida e Morte. Parece-me que, olhando para as coisas espirituais, somos como ostras observando o sol através da água e achando que a água espessa é o ar mais sutil. Parece-me que meu corpo é a parte mais insignificante do meu ser. A bem dizer, levem meu corpo, levem-no, não sou eu".
Esse foi o pensamento de Ishmael antes de ouvir a homilia do padre Mapple, que tentava dizer algo aos marinheiros - que em instantes ingressariam no navio baleeiro Pequod para dar início à estratégia de caça ao cachalote branco, elaborada pelo capitão Ahab - e às suas esposas - que possivelmente seriam incluídas no novo cadastramento de viuvas que viviam em New Bedford, Massachusetts.
Ao observar o padre Mapple, Ishmael impressionou-se com sua postura. O que ele estava fazendo? Pensou:
"Ele fez uma pequena pausa; depois se ajoelhou no púlpito, cruzou as suas grandes mãos morenas sobre o peito, levantou os olhos fechados e fez uma oração com tão profunda devoção que parecia estar ajoelhado e rezando no fundo do mar".
A homilia, por providência divina, foi justamente sobre a história de Jonas, aquele que não queria obedecer a Deus - e que incessantemente o desobedeceu - e foi engolido e cuspido pela baleia para que se cumprisse a Sua vontade.
Dizia o padre Mapple aos seus mortos:
"Mas qual é a lição que o livro de Jonas nos ensina? Companheiros de bordo, é uma lição de dois fios; uma lição para todos nós, pecadores, e uma lição para mim, como piloto do Deus vivo. Falando aos pecadores, é uma lição para todos nós, porque é uma história do pecado, da insensibilidade, dos temores subitamente despertos, das punições imediatas, do arrependimento, das orações e, finalmente, da libertação e do júbilo de Jonas. Como sucede com todos os pecadores, o pecado desse filho de Amitai foi sua desobediência obstinada do mandamento de Deus - não importa qual ou como foi transmitido o mandamento - que Jonas achou difícil de cumprir. De resto, todas as coisas que Deus ordena são difíceis de cumprir - lembre-se disso - e por isso é mais frequente ouvi-Lo comandar do que tentar persuadir. E para obedecermos a Deus temos que desobedecer a nós mesmos; é nesta desobediência de nós mesmos que consiste a dificuldade de obedecer a Deus".
Ao explicar a trajetória de Jonas, o lugar para onde foi enviado por Deus e o lugar para o qual ele mesmo queria ir, padre Mapple continua:
"Bem vedes que Jonas, companheiros de bordo, procurava fugir de Deus pelo mundo. Que homem miserável! Oh! Que vergonhoso e digno de todo o desprezo! Com o chapéu amarrotado e olhos culpados, fugindo de seu Deus; andando a esmo entre as embarcações, como um vil ladrão, tentando atravessar os mares. Sua aparência é tão desarrumada e tão reprovável que, se naquela época existissem policiais, Jonas teria sido preso como suspeito antes de chegar ao convés. É evidente que é um fugitivo! Sem bagagem, nem uma caixa de chapéu, mala ou sacola de viagem - sem amigos para acompanha-lo até o cais para dizer adeus".
Ao chegar ao navio que finalmente o levará para o destino escolhido, Társis, Jonas é hostilizado e visto como "forasteiro" porque todo tipo de juízo passou pela cabeça dos marinheiros que ali estavam, mesmo sem conhecê-lo:
"Uma intuição muito forte assegura aos marinheiros que o homem não pode ser inocente, em tom jocoso, mas falando sério, um sussurra ao outro - 'Jack, ele roubou uma viúva'; ou 'Joe, marca esse cara; ele é bígamo'; ou 'Harry, meu filho, acho que ele é o adúltero que fugiu da prisão de Gomorra, ou talvez um dos assinados desaparecidos de Sodoma'. Um outro corre para ler o cartaz que está pregado num pilar do cais onde o navio está ancorado, oferecendo quinhentas moedas de ouro pela prisão de uma parricida, e descrevendo a pessoa. Ele lê, olha Jonas e volta para o cartaz, enquanto todos os seus companheiros de bordo então juntam-se em volta de Jonas, prontos para agarrá-lo. Assustado, Jonas treme, e, por mais que finja ter coragem, só consegue parecer ainda mais covarde. Não quer se confessar suspeito; mas mesmo isso já é coisa muito suspeita. Faz o melhor que pode; e, quando os marinheiros percebem que aquele não é o homem procurado, deixam-no passar, e ele vai para o camarote".
Ao encontrar o capitão do navio, Jonas pergunta quando será a partida e qual é o preço da passagem. Sobre o caráter do capitão, padre Mapple é assertivo:
"Ora, o capitão de Jonas, companheiros de bordo, era um daqueles homens cujo discernimento detecta um crime onde houve, mas cuja cobiça o leva a denunciar apenas os que não têm dinheiro. Neste mundo, companheiros de bordo, o Pecado que pagar sua passagem pode viajar tranquilamente, e sem passaporte; ao passo que a Virtude, se for pobre, é detida em todas as fronteiras. Por isso, o Capitão de Jonas se prepara para avaliar o peso da bolsa de Jonas, antes de julgá-lo abertamente. Cobra-lhe o triplo de uma passagem comum; e Jonas concorda. O Capitão sabe, então, que Jonas é um fugitivo; mas ao mesmo tempo resolve ajudar uma fuga que deixa atrás de si moedas de outro".
Jonas, juntamente com os demais viajantes que partem no navio para Társis, se lança no mar, mas quando o mar se revolta e o navio está prestes a afundar, é preciso encontrar qual é o "fardo perverso" a ser lançado fora para salvar os demais. O bode expiatório só pode ser um: aquele estrangeiro que embarcou pagando o triplo da passagem, a causa da desgraça dos outros.
"Mas agora que o contramestre chama a todos para esvaziá-lo; que caixas, pacotes e frascos são jogados sobre a amurada; que o vento uiva, os homens gritam, e todas as tábuas trovejam com os passos dos marinheiros sobre a cabeça de Jonas; com toda a sua turba enfurecida, Jonas dorme seu sono abominável. Não vê o céu negro e o mar em fúria, a madeira estalar não sente, e pouco estuda ou percebe o avanço distante da poderosa baleia, que desde já, de boca aberta, singra os mares em sua busca. Sim, companheiros de bordo, Jonas tinha descido para o costado do navio - para um leito na cabine, como contei, e dormia profundamente. Mas o mestre assustado vai a ele e grita em seu ouvido inerte, 'O que significa isso, ó, dorminhoco! Levanta-te!' Arrancado de sua letargia por esse grito horrível, Jonas põe-se de pé, e cambaleando até o convés agarra-se a um brandal para observar o mar. Mas naquele momento, como se fosse uma pantera saltando pela amurada, rebenta sobre ele o vagalhão. Ondas e mais ondas se atiram sobre o navio e, não encontrando escoamento ao rugirem de popa a proa, quase afogam os marinheiros ainda a bordo. E, quando a lua branca mostra seu rosto amedrontado por entre os sulcos profundos da escuridão acima, Jonas vê aterrorizado o gurupés se erguendo, apontando alto, para em seguida precipitar-se novamente em direção às profundezas atormentadas.
Terrores e mais terrores dilaceram sua alma. Por todos os seus atos amedrontados, o fugitivo de Deus é agora mais do que reconhecido. Os marinheiros observaram-no; suspeitam dele cada vez mais, e por fim, para terem uma prova da verdade, submetendo toda a questão aos Céus, tiram a sorte para saber por causa de quem esta tormenta tão poderosa foi lançada sobre eles. A sorte cai sobre Jonas".
Então, ele vira objeto de interrogação por parte dos homens:
"'Qual é a tua ocupação? De onde vens? De qual país? De que povo?' Mas observem, meus companheiros de bordo, o comportamento do pobre Jonas. Os marinheiros ansiosos apenas lhe perguntam que é ele e de onde vem; no entanto, eles não recebem apenas uma resposta a tais perguntas, mas também a uma pergunta que não tinham feito; a resposta não solicitada é forçada pela mão pesada de Deus, que cai sobre ele.
'Sou um hebreu', grita - e logo depois - 'Temo a Deus, Senhor do Céu, criador do mar e da terra'. Temes a Deus, ó, Jonas? Bem podias ter temido a Deus antes!"
Jonas, reconhecendo sua culpa, pede que o atirem no mar porque ele mesmo sente que é a causa da desgraça que prejudica a travessia:
"Quando Jonas, ainda sem suplicar a misericórdia de Deus, conhecendo muito bem a obscuridade de sua deserção - pois bem, quando o desgraçado Jonas lhes pede que o agarrem e o atirem ao mar, porque sabe que por sua causa a tempestade caíra sobre eles, os marinheiros, com pena, se afastam dele e buscam um outro meio de salvar o navio. Mas tudo em vão; o vendaval revoltante uiva ainda mais alto; então, com uma mão erguida para invocar Deus, com a outra os marinheiros, não sem relutância, seguram Jonas".
Ao invés de morrer definitivamente depois de ser lançado ao mar, ao contrário, Jonas é protegido e resgatado pela misericórdia divina:
"Vejam agora Jonas, erguido como uma âncora, ser jogado ao mar; quando instantaneamente uma calmaria untuosa vem do leste, e o mar fica imóvel, enquanto Jonas afunda levando consigo o vendaval, deixando a água serena atrás de si. Ele desce no coração rodopiante dessa comoção desgovernada e mal percebe que cai em direção à boca escancarada que o guarda; e a baleia cerra os dentes de marfim, como inúmeros ferrolhos brancos, sobre sua prisão. Então, Jonas orou ao Senhor de dentro da barriga do peixe".
Antes mesmos que os fiéis incrédulos pudessem perguntar ao padre Mapple qual era o significado de tudo que aconteceu, o sacerdote dirigiu-se para a moral da história:
"Mas observem sua oração e aprendam uma lição importante. Por mais que tenha pecado, Jonas não lamenta nem se lastima pedindo sua libertação. Ele sente que seu terrível castigo é justo. Deixa que Deus decida sobre sua libertação, contentando-se com isto, que apesar de toda a dor e angústia ele ainda eleva o pensamento a Seu templo sagrado. Eis aqui, companheiros de bordo, o genuíno arrependimento; sem clamor de perdão, mas grato pelo castigo. E como a conduta de Jonas agradou a Deus, vê-se por sua libertação do mar e da baleia".
E padre Mapple conclui:
"Companheiros de bordo, não ponho Jonas diante de vocês para que lhe copiem o pecado, mas sim como modelo de arrependimento. Não pequem; mas se o fizerem, arrependa-se como Jonas".
Esta, segundo padre Mapple, é a lição que o próprio Jonas, auxiliado pela Graça, ensina a todo pecador:
"Depois de ser jogado em terra firme, Jonas cumpriu a ordem do Todo-Poderoso. E qual era a ordem, companheiros de bordo? Pregar a Verdade diante da Falsidade! Isso mesmo!"