13 Setembro 2019
Duas observações oportunas e pertinentes alertam para o espectro da extrema direita que vem se alastrando por países historicamente democráticos. A primeira vem de um artigo de Demétrio Magnoli, o qual, entre outras coisas, tece alguns traços sobre a trajetória política do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Escreve o autor: “Hoje, o líder que nasceu da derrubada de um muro converteu-se no principal arauto da construção de muros. Orbán é a face icônica da Europas xenófoba que invoca o direito do sangue para implantar barreiras de arame farpado diante dos refugiados do Oriente Médio e do norte da África” (Jornal O Globo, “30 anos amanhã”, 09/09/2019. Pág. 3).
O artigo é de Alfredo J. Gonçalves, padre carlista e assessor das Pastorais Sociais.
A segunda vem de uma nota do ministro Celso de Mello, decano do STF, comentada pelo editorial do mesmo periódico, um dia depois. A nota, na verdade, refere-se à censura prévia na Bienal do Livro, realizada pelo prefeito Marcelo Crivella do Rio de Janeiro. Mas o editorialista sublinha as palavras do ministro ao alertar para o fato de que “(...) sob o signo do retrocesso, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!!” (Jornal O Globo, “A necessária reação do STF à censura”. 10/09/2019, pág.2).
Como se vê, por ângulos diferentes, as duas observações se enquadram no contexto nacional e internacional, atualmente marcado por uma crescente onda de ódio, intolerância e xenofobia. Uma espécie de pensamento único – obscurantista, autoritário e retrógrado – vai se instalando em grandes fatias da população mais desavisada. Desse ponto de vista, num quadro mais amplo, o maior problema não tanto é a presença ostensiva de Viktor Orbán, Trump, Salvini, Le Pen ou Bolsonaro, mas sobretudo o fato de que todos, em maior ou menor grau, eles representam alto-falantes de fortes setores populacionais. São porta-vozes de uma visão de mundo e de uma atitude política que ganham espaço através da força bruta. Os argumentos racionais e o bom senso cedem o lugar a ofensas, insultos, ataques e agressões, quando não a meias verdades que costumam trazer mais dano que a mentira declarada. Além de desqualificar os dados científicos e as opiniões democráticas, fazem de cada opositor um inimigo a ser abatido. Elegem-se em geral com uma campanha combativa e belicosa nas redes sociais. Entretanto, após a chegada ao poder, tendem a governar “de armas em punho”, com uma metralhadora verbal tingida por palavras chulas e toscas, de baixo calão – linguagem de botequim.
No quadro geral da mobilidade humana, semelhantes posturas causam um duplo estrago. De um lado, como já assinalamos em diversas ocasiões, as pessoas em fuga da pobreza ou da guerra, tornam-se cada vez mais vulnerabilizadas. Para quem se vê como estranho em terra alheia, as ameaças geram o medo e inibem uma inserção proativa. A cobertura invertida das autoridades governamentais estimula contra o “outro e diferente” a hostilidade frontal de grupos racistas ou neofascistas. Estes últimos sentem-se muito mais à vontade para violar os direitos humanos, sabendo de antemão que estão imunes a qualquer tipo de punição. Daí o aumento de mortes nas trajetórias da travessia e especialmente nas zonas fronteiriças.
O segundo estrago decorre do anterior. Inibidos e vulnerabilizados, os migrantes convertem-se em alvo fácil do “dedo em riste” por parte da opinião pública e da mídia, quando a desordem varre ruas e cidades. Repete-se o esquema do Buc émissaire (bode expiatório), estudado por René Girard. Nesses casos de crise e de caos sociopolítico, intensos e frequentes na economia globalizada, é preciso encontrar um culpado para os distúrbios. A tensão e a raiva, o ódio e a violência recaindo unicamente sobre o escolhido, os demais membros da sociedade beneficiam-se do alívio imediato, ainda que a paz tenha um caráter provisório e efêmero. Ninguém melhor do que o migrante para desempenhar esse papel de bode expiatório: vem de fora, encontra-se em situação de risco e raramente pode mobilizar as próprias energias em seu favor.
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Migrante como bode expiatório da economia globalizada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU