16 Outubro 2021
“A teoria ortodoxa, ao contrário do que John Williamson defendia, não pôde e nem pode dar resposta aos desafios apresentados no mundo contemporâneo submetido ao flagelo da pandemia, a especulação financeira e a crise ecológica, porque nada permite supor que a ação dos agentes orientará a economia para o equilíbrio”, escreve Bruno Susani, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris, autor de La economía oligárquica de Macri (CICCUS, Buenos Aires, 2019), em artigo publicado por Página/12, 10-10-2021. A tradução é do Cepat.
Nos períodos pré-eleitorais, os debates econômicos adquirem maior intensidade. Em especial, os economistas ortodoxos vêm aproveitando a ocasião para exaltar as virtudes das políticas econômicas de austeridade e destacar os erros do Governo, sem relembrar as tragédias do passado, das quais são responsáveis e que explicam as dificuldades do presente.
Há um ano e meio, esses economistas conservadores evitam em suas análises o impacto da epidemia na economia e continuam sua crítica ao Governo sem propor alternativas mais ou menos conducentes. Sua obsessiva desconexão da realidade pode ser ilustrada com o silêncio sepulcral que demonstram acerca do imposto às multinacionais, apresentado por Janet Yellen no G20. É possível que esses colegas que andam pelos corredores dos canais de televisão considerem a Secretária do Tesouro e até mesmo Biden como inimigos, porque não pensam como eles.
São os mesmos colegas que fazem de sua adesão à teoria econômica ortodoxa uma questão de princípio e que afirmam que a mesma pode ser aplicada a qualquer momento, seja qual for a situação econômica e o país em questão. Essa suposta universalidade nunca foi reivindicada por León Walras, criador do Equilíbrio Geral, base teórica da ortodoxia. Walras criou um sistema de equações que apenas define os preços e as quantidades dos bens e serviços, excluindo os recursos naturais, a agricultura e os serviços públicos. Tampouco Alfred Marshall, criador do modelo oferta-demanda, reivindicou essa suposta universalidade para sua “tesoura”, como a chamava.
John Williamson, economista do Banco Mundial e considerado autor do Consenso de Washington, utilizava um sofisma para defender sua criação: “que alguém me diga que é contra o equilíbrio da balança de pagamentos ou do equilíbrio orçamentário e me explique o motivo”.
A resposta foi dada pela crise atual, como acabam de demonstrar as medidas tomadas por todos os países avançados, com os abismais déficits orçamentários. O equilíbrio entre o que se arrecada e o que se gasta não é em si uma política econômica e tampouco uma meta, mas uma simples e cômoda referência.
A relação simbiótica entre os colegas ortodoxos e os “homens de negócios” levanta sérias interrogações quando à credibilidade de suas análises. A proximidade apresenta um problema quanto à idoneidade e a ética: certos colegas ortodoxos participam de debates nos meios de comunicação onde expressam suas opiniões e, além disso, são consultores de empresas. Sua posição está necessariamente subordinada aos empresários, se é que desejam ser contratados como especialistas.
Mas em certos casos foram conselheiros de governos anteriores e alguns deles funcionários da ditadura civil-miliar. Outros colaboraram com organismos internacionais fundamentalmente hostis ao país e mesmo assim são professores universitários. Este acúmulo de funções conspira quanto à sua credibilidade.
A dupla teoria neoliberal-colegas ortodoxos passou a ser criticada assim que os economistas compreenderam que a elegância da apresentação teórica não garantia sua eficácia para o tratamento dos problemas econômicos como a pobreza, o desemprego, a inflação e a crise ecológica.
No Capítulo 3 da Teoria Geral, John M. Keynes aponta que “os economistas se colocam uma tarefa pouco útil, se só conseguem nos explicar que quando a tempestade acabar o mar voltará a ficar calmo” e no capítulo 10 sustenta que a afirmação ortodoxa de que necessariamente, a longo prazo, se retorna ao equilíbrio, graças ao livre-arbítrio dos agentes, não é de grande interesse porque, “a longo prazo, estaremos todos mortos”. A essa afirmação pode-se acrescentar que as medidas econômicas são tomadas para solucionar os problemas das pessoas vivas e não dos restos nos cemitérios.
A teoria ortodoxa, ao contrário do que Williamson defendia, não pôde e nem pode dar resposta aos desafios apresentados no mundo contemporâneo submetido ao flagelo da pandemia, a especulação financeira e a crise ecológica, porque nada permite supor que a ação dos agentes orientará a economia para o equilíbrio. Ao contrário, é necessário compreender que certas decisões tomadas pelos agentes econômicos, em prol de satisfazer suas ambições, podem levar ao agravamento dos desequilíbrios, conforme foi possível observar em 2008 com a crise do subprime.
A teoria ortodoxa rejeita a possibilidade de que exista o desemprego involuntário e defende que se os salários fossem reduzidos o suficiente, então se alcançaria o pleno emprego da força de trabalho porque os capitalistas conjeturariam que a diminuição de custos provocaria um aumento de seus lucros, o que os estimularia a empregar mais trabalhadores.
Essa afirmação ignora que a diminuição da renda dos trabalhadores provoca um déficit da demanda efetiva, que se traduz em uma diminuição das vendas e acumulação de estoques que, justamente, estimulará os capitalistas a demitir uma parte dos empregados. Além da argumentação que permite explicar por que a redução dos salários em condições normais não pode resolver o problema do desemprego, a experiência histórica na Argentina demonstra que a queda dos salários não aumentou o emprego, mas, ao contrário, implementou o desemprego crônico e estrutural no país.
Os colegas ortodoxos sustentam que o equilíbrio orçamentário é um ponto essencial para controlar o papel do Estado, cuja dimensão excessiva conspira contra a eficácia da economia em seu conjunto e contra a atividade privada em particular. Para isso, é preciso diminuir os impostos, que além de prejudicar aqueles que os pagam, retiram dinamismo do gasto privado, que é mais eficaz do que o gasto público.
Conforme destacava Paul Krugman, os colegas neoliberais utilizam a teoria ortodoxa como os bêbados usam o poste de iluminação pública: não a utilizam para encontrar o seu caminho, mas para se apoiar nela.
Longe das rebuscadas teorias matemáticas e dos artigos cheios de equações, a epidemia e antes a Grande Recessão provocada pela especulação financeira mostraram que em todos os países do mundo era necessário injetar dinheiro em massa em auxílios às famílias e apoiar as empresas. Evidenciaram, além disso, que o papel do Estado, o déficit orçamentário e o endividamento eram mais eficientes do que deixar que a economia se desmoronasse completamente. Mas ainda hoje, alguns colegas ortodoxos sem saber ao certo como a epidemia vai evoluir, reivindicam uma redução do gasto público e uma nova recessão.
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Anacronismo da ortodoxia econômica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU