“A crise ecológica é uma expressão da crise ética nas relações humanas”

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Por: Jonas Jorge da Silva | 28 Julho 2020

Não há crise que se resolva com o voluntarismo, como não há saídas que não exijam uma mudança de perspectiva e abordagem das problemáticas que conduziram a humanidade até aqui. A crise socioambiental é grave e sem precedentes e requer uma análise profunda, transdisciplinar e ética. As bases da ciência moderna não dão conta de responder à complexidade das dinâmicas políticas, econômicas, sociais e culturais que envolvem as relações dos seres humanos entre si e com a natureza e suas formas de vida.

Nesse sentido, “não há ecologia sem antropologia” e “a crise ecológica é uma expressão da crise ética nas relações humanas e a perda do valor do outro”, conforme destacou José Roque Junges (UNISINOS) que foi o debatedor, no último sábado, dia 25 de julho, do tema “Complexidade e Ecologia Integral”, no segundo encontro [online] pela série de debates Ecologia, economia e trabalho no ciclo da vida. A iniciativa, promovida pelo Centro de Promoção de Agentes de Transformação - CEPAT, conta com a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, Comunidades de Vida Cristã - CVX, Observatório Nacional Luciano Mendes de Almeida - OLMA e Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Maringá.

José Roque Junges, da UNISINOS, e Darlin Sampaio, do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR.
(Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)

Para Junges, na origem da crise ambiental está “o drástico desajuste entre os processos cíclicos, conservadores e autorrecorrentes da natureza, a ecosfera, e os processos lineares e inovadores que buscam a maximização a curto prazo dos benefícios privados humanos da tecnosfera”. A tecnosfera desequilibra os ecossistemas em detrimento da biodiversidade.

Entre as causas socioculturais, destaca-se a assimetria na pegada ecológica dos diferentes lugares do mundo como um sinal de injustiça, já que o consumo de determinados países, como os Estados Unidos, por exemplo, excede abundantemente os limites da natureza. São diferentes modelos de vida que impactam de diferentes maneiras na atual crise ecológica e que também escancaram a desigualdade entre os povos.

No âmbito político-econômico, desconsidera-se completamente a entropia da natureza. No entanto, esta inação diante dos custos sociais e ambientais do gasto exponencial de recursos naturais provocam um desequilíbrio profundo na forma de habitar o planeta, bem como na organização da vida, em todas as suas dimensões, a partir de bases justas e equitativas.

Recordando a encíclica Laudato Si’, Junges chama a atenção para o paradigma tecnocrático dominante. Embora seja um meio, um instrumento, o desenvolvimento tecnológico passou a ser entendido como o próprio ambiente em que se vive. Sua ação conformadora ganhou tamanha dimensão que, hoje, a tecnologia é a principal criadora dos mitos contemporâneos da humanidade. A tecnologia se tornou a própria cultura predominante, como construtora de significados.

Jonas Jorge da Silva, do CEPAT, e José Roque Junges, da UNISINOS. (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)

Com a globalização do paradigma tecnocrático, vive-se em uma cultura digital, capturada pelo sistema econômico, principalmente a partir da financeirização da vida. A desenvolvimento tecnológico atual é fruto de um paradigma homogêneo e unidimensional, que tem provocado um movimento ascendente de digitalização e algoritmização da vida. A tecnologia, vista como poder e domínio sobre todas as esferas da vida, conduz a um relativismo incapaz de apontar para um consenso social no enfrentamento da crise em que se vive.

A partir desta análise, Junges destacou a necessidade de problematizar o paradigma simplificar da ciência clássica, com sua pretensa neutralidade e exclusão do contexto social, político e econômico em que se insere, bem como da visão de conjunto dos fatores implicados.

Sendo assim, retomando a teoria da complexidade, a partir de “O Método” de Edgar Morin, ressaltou que “o paradigma da complexidade defende que existem níveis de realidade que não são captados pela Ciência Clássica, exigindo níveis ‘trans’ de percepção e o consequente enfoque transdisciplinar do conhecimento”. Os princípios básicos da complexidade são os seguintes:

- Princípio sistêmico ou organizacional, que relaciona o conhecimento das partes ao conhecimento do todo, pois o todo é mais que a soma das partes;

- Princípio hologramático: não só o todo é mais que a soma das partes, mas o todo está inscrito em cada parte;

- Princípio do circuito retroativo, que rompe com a causalidade linear, pois o efeito retroage sobre a causa, gerando processos autorreguladores;

- Princípio do circuito recursivo, que ultrapassa o anterior da autorregulação, introduzindo a autoprodução, auto-organizacao, criando circuitos geradores que não só geram produtos, mas produtores;

- Princípio da autonomia/dependência, pela qual os seres vivos como auto-oganizados/organizadores, autoproduzem-se dependentes do seu meio para manterem-se autônomos;

- Princípio dialógico, que não supera a contradição, mas mantém em tensão a ordem e a desordem na realidade;

- Princípio de reintrodução do próprio observador, que restaura o papel do sujeito no processo de conhecimento.

Junges mencionou dimensões da complexidade presentes na encíclica Laudato Si’, como, por exemplo, as constatações de que o todo é superior à parte, o tempo é superior ao espaço, a realidade é superior à ideia e a unidade prevalece diante do conflito.

Também enfatizou a necessidade de se abrir a uma ética do discernimento da consciência, que reconhece as incertezas e as ilusões do conhecimento, bem como a dimensão ecológica da ação. Daí a importância de se estabelecer uma ética estratégica de responsabilidade.

Para reconstruir a questão ambiental é preciso reconhecer que tudo está interligado e que existe uma interdependência entre todas as coisas. Superando o paradigma antropocêntrico, é necessário reconhecer que os seres vivos possuem um valor intrínseco.

Sendo assim, para superar a visão economicista, a natureza deve ser entendida como um limite aos processos econômicos, o que exige uma mudança do modelo em vigor. E se tudo está interligado, é crucial unir o clamor da natureza com o grito dos pobres, a partir dos movimentos sociais ambientalistas de indígenas, camponeses, pescadores, catadores, entre outros. Estes são os que verdadeiramente questionam o modelo que conduz a essa profunda crise socioambiental.

As verdadeiras soluções só podem surgir a partir das vítimas do atual modelo de depredação ambiental, que sofrem os danos ecológicos nos bairros pobres ou em regiões devastadas pelo extrativismo dos recursos naturais. Nesse sentido, Junges é categórico: “não existe desenvolvimento sustentável. É uma palavra que deve ser apagada do nosso dicionário. É uma nuvem para esconder outras coisas”. Ou seja, a palavra desenvolvimento está inexoravelmente capturada pela ideia de progresso material, medido pelo PIB.

Mencionando Félix Guattari (1930-1992), com o seu postulado da ecologia mental, Junges defendeu a urgência de uma crítica à subjetividade capturada por uma visão consumista da natureza. Nesse sentido, é necessária uma reeducação ambiental a partir de outros tipos de sociabilidade e convivialidade, não sendo suficiente apenas empunhar uma bandeira verde. Nessa mesma direção, o Papa Francisco, com sua magistral Laudato Si’, também alertou sobre a urgência em se estabelecer novos estilos de vida, que conduzam a uma conversão ecológica.

 

Eis a íntegra da exposição e debate.

 

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