09 Julho 2021
No Haiti não existe trégua. Tampouco paz. Seu presidente Jovenel Moïse foi assassinado em um ataque armado contra sua própria residência, segundo informou, nesta quarta-feira, o primeiro-ministro Claude Joseph. O crime afunda a nação caribenha – a mais pobre da América Latina – em mais incerteza e vazio institucional.
O assassinato de Moïse, que governava por decreto há mais de um ano, ocorre em meio a tensões sobre quando terminaria o seu mandato e após meses de intensa instabilidade, depois que foram convocadas eleições presidenciais e legislativas para o próximo dia 26 de setembro. Moïse não pretendia se apresentar nessas eleições, tinha a intenção de deixar o poder no dia 7 de fevereiro de 2022, ao completar cinco anos de sua investidura.
Para esse mesmo dia 26 de setembro, também está previsto a realização de um referendo para criar uma nova constituição que substituiria a de 1987, apesar das críticas internacionais e da oposição, que o consideram um processo pouco inclusivo e pouco transparente.
Nem as tensões e nem a instabilidade são algo novo na nação caribenha, afundada em um clima de insegurança e violência política, desde os anos 1990, e que ainda sofre os devastadores efeitos do terremoto de 2010, que causou dezenas de milhares de mortos e que exacerbou sua dependência da ajuda internacional.
O economista e cientista político haitiano Joseph Harold Pierre fala sobre o que ocorreu, nos últimos meses, e como se chegou a tal situação.
A entrevista é de María García Arenales, publicada por El Diario, 07-07-2021. A tradução é do Cepat.
O que está acontecendo no Haiti?
O que está ocorrendo atualmente no Haiti é pior do que o que aconteceu durante a ditadura dos Duvalier. Agora, não existem regras, o Governo não tem controle de nada, é uma anarquia. O poder político no Haiti é sumamente corrupto, não há uma vontade de transformar o país. Tudo está fundamentado na corrupção e o poder obstrui a possibilidade de fazer justiça e de consolidar o Estado, que é vítima de suas próprias ações.
O problema do Haiti não era o presidente Jovenel Moïse. No entanto, suas decisões contribuíram enormemente para piorar a situação do país. Aprovou, por exemplo, decretos que serviram para criar uma agência de inteligência e para tipificar como “terrorismo” os atos de vandalismo, e isso significou reduzir certas liberdades e isso fora da ordem constitucional.
Jovenel Moïse chegou a ser presidente porque há um vazio de liderança política no país. Chegar a ser presidente no Haiti é como ganhar na loteria: você pode jogar a vida inteira e nunca ganhar ou jogar uma vez e ganhar. É triste, mas é a realidade.
Como se explica a insegurança vivida pelo país?
O Estado nunca assumiu a responsabilidade de dar segurança à sociedade. E mais, contribuiu para a insegurança, sobretudo nas eleições, onde candidatos à presidência e ao senado entregam armas a criminosos e se consolidam em bandos criminosos incontroláveis. O setor privado também parece ter bandos para controlar seus negócios.
O Estado como tal não existe. É concebido como um butim que é preciso dissipar e devem ser usados todos os meios possíveis, a corrupção e o crime, e isso explica que se tenha chegado a esse ponto. O Governo não tem controle de nada e a Polícia é sumamente frágil.
Agora, no país há uma calma tensa, é como uma bomba que ainda não explodiu.
Em 2019, houve intensos protestos, depois que um relatório sobre corrupção no programa de ajuda venezuelano Petrocaribe atingiu o presidente Moïse, com milhares de manifestantes reivindicando a sua saída. No dia 7 de fevereiro deste ano, a situação se agravou porque, nesse dia, Moïse deveria ter deixado o poder. Contudo, denunciou um golpe de Estado e se manteve no Governo.
A situação foi piorando nos últimos anos. Primeiro com a gestão dos fundos do programa Petrocaribe e depois com o que aconteceu no último dia 7 de fevereiro, quando, segundo o Governo, um grupo de pessoas quis dar um golpe de Estado e foi detido.
Ao longo desse tempo, houve crimes generalizados no país e numerosos sequestros. Atualmente, os bandos criminosos têm mais força política do que a oposição, já que possuem a capacidade de resistir ao Governo pela influência que exercem.
Sem ir muito longe, em inícios deste mês, ao menos 15 pessoas foram assassinadas no país, entre elas o jornalista da Rádio Vision 2000, Diego Charles, e a ativista opositora Marie Antoinette Duclaire, porta-voz do movimento Matriz Liberación.
Além disso, o Governo acabava de tomar duas decisões com horríveis consequências para o futuro do país. Na última segunda-feira, o Executivo concedeu a isenção de responsabilidade total e completa aos ex-primeiros-ministros e ministros que serviram ao país entre 1991 e 2017, um requisito necessário para se apresentar como candidato às eleições de setembro. Esses políticos obtiveram o aval do judiciário, mas se trata de um poder muito politizado e disfuncional. Trata-se de uma ação com consequências nefastas para a democracia do Haiti.
Na segunda-feira, o Governo também decidiu nomear o médico Ariel Henry como novo primeiro-ministro em substituição a Claude Joseph, que assumiu o cargo de forma interina, no último mês de abril. Joseph estava muito alinhado com o presidente, não tinha experiência política. Por isso, a Organização dos Estados Americanos (OEA) também recomendou a Moïse criar um novo gabinete com um novo primeiro-ministro que tivesse a confiança do povo.
São ações que agravam o conflito entre grupos políticos no Haiti e, além disso, há um novo calendário eleitoral. Toda essa combinação piora a situação em meio a uma violência generalizada, onde a Polícia não tem força e os bandos mandam.
O que pode acontecer agora?
Em nível político, haverá um governo de transição, mas agora a conjuntura política não importa tanto quanto a social. A que nível chegará a insegurança? Qual será o nível de violência? Ainda é cedo para saber, ainda que a entrada de forças internacionais poderia ajudar a conter a possível onda de violência que é possível ser desencadeada agora.
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“No Haiti reina a anarquia, o Governo não tem controle”. Entrevista com Joseph Harold Pierre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU