23 Fevereiro 2021
"Eu amo os jovens, não tenho medo deles. E há uma grande diferença”, afirma o psiquiatra Vittorino Andreoli. Uma abertura que imediatamente nos faz compreender, se ainda houver necessidade, o olhar com que o professor analisa e explica o fenômeno da "adolescência patológica" em seu último trabalho, publicado pela Rizzoli, que se intitula "Baby Gang". Esse livro nasce “da urgência”, como ele nos explica, de investigar “um dos aspectos mais inaceitáveis desta sociedade”: aquele “que os adolescentes podem mostrar esse rosto dramático. Um tema extremamente atual e que o será cada vez mais, porque há duas possibilidades, ou os adolescentes são pequenos protagonistas na sociedade ou se tornarão heróis nas gangues juvenis”.
“A escola não basta. Os adolescentes são pequenos protagonistas na sociedade ou eles se tornarão heróis nas gangues juvenis".
A entrevista com o psiquiatra Vittorino Andreoli, autor de “Baby Gang. Il volto drammatico dell'adolescenza” (Gangues juvenis. A face dramática da adolescência, em tradução livre, Rizzoli) é de Linda Varlese, publicada por Huffington Post, 22-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Baby Gang. Il volto drammatico dell'adolescenza
Professor, conte-nos como nasce essa análise.
Do fato de viver entre jovens, adolescentes, para conhecer suas histórias. Como psiquiatra, atendo casos extremos, mas as altas temperaturas também ajudam a entender as febres mais baixas. Deixe-me fazer uma pequena introdução.
Por favor.
Uma das invenções feitas pelos adolescentes (quando falamos de baby, não estamos nos referindo à infância, mas à idade juvenil, que chega até os 18 anos, em que a maior contribuição é a dos adolescentes) é o 'grupo de pares da mesma idade'. Ou seja, a tendência que o adolescente tem de estar com outros adolescentes: uma modalidade que lhes dá segurança. No grupo é como se um se espelhasse no outro: vendo que existem características semelhantes, os adolescentes superam ou são ajudados a superar aquele sentimento de não se gostar, aquele medo de não ser como os outros, de ser abandonado. O fato mais paradoxal deste período histórico é que não existe um adolescente que goste de si mesmo, todos têm algo que gostariam de mudar, existe uma frustração subjacente.
O período da adolescência é comum, porém, a todas as gerações. O que diferencia esta época das outras?
A adolescência é uma metamorfose, passa-se da infância para a idade adulta, vivencia-se a mudança: o corpo muda, com a puberdade nascem características de gênero. Na sociedade de hoje, porém, a beleza assumiu um papel de destaque: é uma sociedade onde a beleza domina, que impõe modelos, com determinadas características. Isso leva muitos jovens a se confrontarem e se descobrirem diferentes, a não gostarem de si mesmos. Com o grupo de pares da mesma faixa etária encontram e descobrem que são todos iguais, com as mesmas inseguranças: é um mundo onde a comparação é consoladora. No fundo, com os pares da mesma idade há uma espécie de afrouxamento dessa sensação de inadequação que é do corpo, mas também da mente.
O que faz um "grupo positivo de pares da mesma faixa etária" se tornar uma "gangue juvenil"?
A resposta é simples. No grupo de pares não há líder, mas se manifesta a dinâmica do líder rotativo. Vou te dar alguns exemplos. O grupo se reúne para uma partida de futebol? José que adora futebol, será o líder. Mas se falamos de motocicletas, José talvez não entenda nada, enquanto Carlos é um especialista e assumirá o lugar como líder. A característica da gangue juvenil, ao contrário, é estrutural: tem um líder fixo que orienta os demais, que vão agir como agregados.
Quais são as características do líder? Como alguém se torna um líder?
O fascínio de saber se impor e o fascínio de liderar para realizar atos heroicos. Mas cuidado: não é o herói grego, mas o herói destrutivo. Geralmente o líder é um chefe que leva a agir, a fazer, a se lançar em atos de heroísmo: nós os chamamos de crimes, atos de baderna, vandalismo, mas para aqueles que os praticam são feitos extraordinários. Porque a destrutividade, que vai desde arrebentar coisas até arrebentar inimigos, tem um fascínio incrível. Na realidade, arrebentar dá um sentido titânico. É a forma de se impor sobre as coisas ou as pessoas de que não se gosta: também no bullying tem um líder que visa o menos dotado, para se divertir em destruí-lo. Essa é a grande diferença: todos os jovens se sentem atraídos pelo grupo, mas aquele dos pares da mesma idade é variável e amplo; na gangue juvenil existe o líder e o heroísmo da destrutividade.
Em que ambiente cresce o líder?
Domina o prazer de destruir, então não há uma razão para fazer isso, toda razão é válida. É tão forte essa ideia de existir fazendo coisas excepcionais, até porque são proibidas, que não existe uma classe dominante na qual o líder cresce. Já não se pode dizer que eles provêm dos grupos extremos dos bairros mais complicados de Nápoles, de Milão ou de qualquer outra cidade. O problema não é a origem geográfica nem o posicionamento da escala social.
E o que é então?
Hoje não se pede nada aos adolescentes: esta é uma sociedade de idiotas que acreditam que os adolescentes não podem fazer nada de útil a não ser ir à escola. Você tem que dar-lhes papéis positivos, caso contrário, se eles não os tiverem, vão procurar alguma coisa sozinhos. E o mais fácil é arrebentar, perseguir alguém.
O líder, portanto, também poderia ser um garoto criado em uma família "de bem", que frequenta a escola.
É claro. Vimos isso nos noticiários recentes.
E a escola não desempenha um papel na prevenção dessas degenerações?
Claro que sim. A família também tem, e deve saber a qual grupo seu filho pertence. E a escola tem, que na Itália ainda é hierárquica. O julgamento é feito pela comparação entre os garotos, as notas, as habilidades. Não ensina a viver e a formar um grupo, mas cria as diferenças. Assim na sala de aula não se forma um grupo de pares por idade, mas sempre há aquele a ser atingido: porque ele contou o que não devia, porque ele é o melhor e não repassa as tarefas, porque ele tem um celular. A escola não deve ser hierárquica, não deve dar importância ao indivíduo, mas ao grupo.
Deixe-me objetar, professor, que a escola sempre foi hierárquica ...
A sociedade mudou, as crianças mudaram. Nunca houve um período como este em que o adolescente não gosta de si mesmo e tenta encontrar uma compensação. Existe uma sensibilidade no adolescente de hoje que não existia antes.
Os desafios de que os garotos são vítimas também seguem o mesmo mecanismo? Quer dizer, o que leva os adolescentes a desafiar assim a vida? Esses também são atos de heroísmo?
Certo. Nas redes sociais eles mostram coisas maravilhosas sobre si mesmos, o que fizeram, histórias que não são verdadeiras: aquele se torna um mundo de grande confronto. As "redes insociais", como as chamo, não fazem senão tornar mais difícil a sociedade do mundo concreto: todos vão em busca do evento extraordinário, dos desafios, dos feitos da coragem. Os jovens procuram compensar através de atos heroicos uma vida no cotidiano que é inútil, porque nada lhes é pedido.
Quem torna esta vida inútil?
Se eu perguntasse qual a função de um adolescente nesta sociedade, o que você me responderia? A mesma que um idoso tem: é inútil. Os adolescentes são mantidos ali enquanto estão crescendo. Por que um adolescente de 16 a 17 anos não pode ter um papel, inclusive social? Na família, que seja pedido a ele uma função, que lhe seja dada uma tarefa. Não basta "ir à escola". Passar seis horas na tela do iPhone não é uma ocupação. Um exemplo disso é o grande trabalho que Padre Mazzi realizou com a comunidade Exodus.
Explique para nós.
Exodus significa se mover, ir. Pois bem, ele não se dedicou apenas à ‘cura’ dos dependentes químicos. Mas ele teve a intuição de dar-lhes uma função. Ele pegou um trailer, colocou eles lá dentro e eles se perguntaram o que deveria ser feito para ajudar os outros: eles arrumavam as casas, construíam, eles se ocupavam, tinham tarefas a fazer. Eles tinham um papel na sociedade. É a mesma coisa que fazemos com os adolescentes de hoje.
Draghi, em seu discurso às Câmaras, mostrou uma atenção especial pelo mundo juvenil, pela escola em particular...
Claro, é uma ideia inteligente. Mas devemos ter cuidado para não basear tudo na escola. Isso é algo ótimo, mas não é o suficiente. Precisamos voltar a ativar a possibilidade de escolas de artesania ou escolas onde isso é feito, mas também pensar nas oportunidades de trabalho para os jovens. Um garoto não precisa necessariamente estudar as campanhas napoleônicas na Itália, ao passo que, se eu lhe der peças de computador, ele é capaz de montá-lo. Esta é uma sociedade do tempo presente. A escola para ter uma força importante como foi no passado, deve ter e dar a percepção do futuro. Caso contrário, por que um garoto iria querer ir para a escola? Os adolescentes que vivem no tempo presente não têm percepção do futuro.
Como se pode melhorar?
Precisamos criar lugares onde eles possam fazer, construir, trabalhar, dar vazão à sua criatividade, inventar: essa é a história da artesania, da arte. Tem garotos que têm habilidades manuais, vontade de construir, de fazer, até no mundo digital, onde são muito bons. Aliás, Steve Jobs era pouco mais que um adolescente quando iniciou seu projeto. Mark Zuckerberg, mas também os hackers: não são todos muito jovens?.
Parece-me entender que as degenerações que existem hoje entre os jovens se devem ao seu sentimento de inadequação, de não ter um papel na sociedade ...
Vou resumir assim. Ou os adolescentes são pequenos protagonistas na sociedade ou se tornarão heróis nas gangues juvenis. Felizes das sociedades que não precisam de heróis, para lembrar uma citação. Isso significa que é uma sociedade em que todos têm um pequeno papel. Em nossa sociedade existem duas categorias que não têm papel: os adolescentes e os idosos. Sem adolescentes e idosos, uma sociedade também poderá ser economicamente forte, são os meus votos, mesmo que não seja um dos meus votos mais intensos, mas não será saudável. A atenção de Draghi aos jovens é um ato de boa inteligência, mas não deve ser projetada somente na escola.
Você distingue entre adolescência patológica, problemática e maravilhosa e afirma que as duas primeiras dominam hoje. O que os pais podem fazer para criar um filho saudável e possibilitar-lhe uma adolescência maravilhosa?
Na família, os filhos devem ter um pequeno papel. Eles devem ter uma tarefa para que possam se sentir úteis. Porque os jovens de hoje são mais inteligentes, mas não sabem viver. É importante também a liturgia familiar, o encontro à mesa: dizer-lhes, como pai ou mãe, 'escutem-me, preciso dos seus conselhos', fazendo-os se sentir importantes. E na aula, não os julguem! Julguem o que sai da turma: porque mais do que o desempenho de cada um, é importante que se respeitem, que se ajudem.
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“Uma sociedade de idiotas considera os adolescentes inúteis. Devemos dar-lhes um papel”. Entrevista com Vittorino Andreoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU