19 Outubro 2020
"A verdade que nos liberta, defende o livro de Maggi, nada mais é do que a descoberta de uma relação de amor: o amor universal do Pai. A leitura do livro é uma redescoberta, página após página, dessa verdade perdida, ou melhor, incompatível, ontem, como afirma o Evangelho, com a visão da verdade da tradição religiosa judaica, e hoje, com os métodos e estruturas eclesiásticas que a tornaram sem vida", escreve Antonio Greco, membro da redação do blog Manifesto4Ottobre de Brindisi em artigo publicado por Fine Settimana, 08-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um grande jornalista e um famoso biblista se uniram para fazer uma "reversão" e não uma invenção de um novo cristianismo. Reversão daquela religião à qual especialmente o homem ocidental se sente cada vez mais indiferente ou cuja percepção permanece a de uma religião do deus-tirano, do deus-senhor que submete o homem e castra a vivência de todos os desejos e anseios. Reversão para recuperar o rosto mais autêntico e a intenção originária do Evangelho de Jesus de Nazaré: mostrar um Deus apaixonado pelo homem e pelo mundo, que não habita em um templo, mas no íntimo do homem, nos acontecimentos da história, na complexidade e unidade da relação entre o homem e o universo.
Paolo Rodari é um jornalista “vaticansta” do Repubblica. Seu blog [1] esclarece muito sobre seu curriculum vitae e sua pesquisa religiosa. Ele está sempre em busca de personalidades capazes de viver no mundo “tamquam scintillein arundineto” (como faíscas espalhadas em um canavial), como afirmava o cardeal G. Danneels. Ou seja, ele está em busca daqueles cristãos que ajudam a fazer essa reversão e a remover o véu da verdade perdida do cristianismo. E nesse caminho muitos o ajudaram. Alguns são figuras conhecidas, outros menos conhecidos surpreenderam Paolo Rodari pela autenticidade de sua mensagem. Entre estes está o padre Giovanni Vannucci, um frade toscano da Ordem dos Servos de Maria, mestre e amigo de David Turoldo, estimado por Dom Milani e Ernesto Balducci que o chamava de "amendoeira solitária". De Vannucci, que escreveu algumas das páginas mais inovadoras sobre o caminho espiritual do século XX, impressionam a "sua sensibilidade antecipatória, sua análise lúcida dos problemas eclesiais e ecumênicos, o rigor moral e a aversão inata a qualquer forma de comprometimento". Lendo Vannucci, Paolo Rodari chega ao padre Alberto Maggi, ao padre Ricardo Perez Marquez e à sua pequena comunidade de Montefano, dedicada a Giovanni Vannucci. Em Montefano, o jornalista respira uma espiritualidade que não parte do negativo mas se centra na positividade da criação e da existência de cada um. E é natural para Rodari iniciar uma forte amizade com Maggi e pedir-lhe uma longa entrevista sobre várias temáticas religiosas.
O livro, de 155 páginas, contém 61 perguntas que Paulo dirige a Alberto, divididas em cinco capítulos: - Sobre ser religioso hoje (7 perguntas), - Sobre a figura de Jesus (19); - Sobre o nascimento (15); - Sobre o mal (12); - Sobre a homossexualidade (8).
Os temas, como emergem dos títulos dos cinco capítulos, são complexos e bibliotecas inteiras foram escritas sobre eles. As novidades devem ser buscadas nas respostas de Maggi. Nelas afloram a clareza do argumentar sem nunca se desviar da pergunta, a síntese rigorosa e documentada do que se afirma, a simplicidade da linguagem acessível a todos e uma novidade que chamamos "profecia", porque quando as palavras são legendas de uma vida, são a única forma de falar com autenticidade a este nosso tempo.
O título do livro "La verità ci rende liberi" [2] (A verdade nos liberta, em tradução livre), é uma síntese perfeita da mensagem que os autores pretendem transmitir.
La verità ci rende liberi (Foto: Capa/divulgação)
A verdade não deve ser identificada com as verdades abstratas que muitos cristãos pensam conhecer porque foram aprendidas da tradição ou porque estão codificadas em dogmas, em verdades absolutas, que alguém afirma ter recebido diretamente de Deus. A verdade absoluta não existe nem para o homem nem para o cristão. As doutrinas consideradas "soltas", "desligadas" (isto é, ab-solutus) do vínculo de crítica e da dúvida próprias da pesquisa não pertencem à "verdade que liberta". O Papa Francisco na carta a Eugenio Scalfari [3] já havia especificado que "a questão mesmo para aqueles que não acreditam em Deus está em obedecer à própria consciência" porque "sobre essa decisão se joga a bondade ou o maldade de nossas ações" e acrescentava "eu não falaria, nem mesmo para os crentes, de verdade absoluta" porque "absoluto é o que está solto, o que é desprovido de relações ... e a verdade é uma relação".
A verdade que nos liberta, defende o livro de Maggi, nada mais é do que a descoberta de uma relação de amor: o amor universal do Pai. A leitura do livro é uma redescoberta, página após página, dessa verdade perdida, ou melhor, incompatível, ontem, como afirma o Evangelho, com a visão da verdade da tradição religiosa judaica, e hoje, com os métodos e estruturas eclesiásticas que a tornaram sem vida. Todas as respostas de Maggi são variantes deste único tema: a verdade que nos liberta é a descoberta do amor.
Maggi se deixa guiar em suas respostas por três diretrizes extraídas do Evangelho:
a) nunca usar reticências, nem uma linguagem ambígua ou diplomática, mas sim honestidade, sinceridade e clareza;
b) não se deixar condicionar pelo poder doutrinário, mas manter sempre a “cabeça erguida” mesmo quando a resposta pode provocar críticas ferozes ou atingir os interesses de alguém;
c) estar ciente de que a verdade que liberta é uma experiência incompatível com qualquer submissão a instituições ou pessoas.
Todas as 61 respostas estão de acordo com essas diretrizes.
Quanto ao conteúdo, as respostas incluem: o melhor dos estudos bíblicos atualizados, que avançaram muito nos últimos anos; o esforço constante para viver em união muito estreita com os homens deste tempo e por penetrar perfeitamente no seu modo de pensar e sentir, para comunicar, com uma linguagem adequada, a mensagem evangélica originária aos homens da nossa época.
Além da novidade da pesquisa bíblica e da nova linguagem, encontro no livro um terceiro elemento que gostaria de explicitar: a convicção de que ao longo dos séculos a religião e a igreja se distanciaram da mensagem originária do Evangelho. Um distanciamento que tem nomes diferentes: sempre esquecimento, às vezes traição, muitas vezes má interpretação, várias vezes ocultamento ou, para usar palavras do próprio Evangelho, colocá-lo "debaixo do alqueire". Essa constatação no livro é feita com serenidade e simplicidade, que nascem da força da argumentação, sem amargura ou denúncias destrutivas. Não vamos antecipar respostas porque são todas interessantes e o livro deve ser lido. Depois de ler, eu e minha esposa dissemos um ao outro que devemos dá-lo aos nossos netos adolescentes no Natal. Ouvimos o drama de uma igreja italiana na qual há trinta anos, a partir da "virada de Ruini" (que os estudiosos ligam com a terceira conferência da Igreja italiana, em Palermo em 1995, promovida pelo Card. Ruini), interrompeu-se substancialmente a transmissão do Evangelho às novas gerações. E assim, há sete anos, diante do Papa Francisco que, com palavras e atos, grita: “O Evangelho nos basta”, a Igreja italiana se encontra não só despreparada, mas também apática, quase atordoada. A conversa de Rodari com Maggi, mas sobretudo a experiência já mundial da pequena comunidade de Montefano, são, para os mais jovens, faíscas espalhadas no canavial talvez seco da Igreja italiana.
[1] Blog de Paolo Rodari. Disponível aqui.
[2] Alberto Maggi, La verità ci rende liberi, Conversazioni con Paolo Rodari, Garzanti, Milão, setembro 2020, p. 155, € 16,00.
[3] “Dialogo fra credenti e non credenti” Einaudi-la Repubblica, 2013.
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Faíscas espalhadas em um campo deserto. O novo livro de Alberto Maggi entrevistado por Paolo Rodari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU