03 Setembro 2020
"Em um período que ele se faz cada vez mais necessário por uma questão de garantia à vida, o jornalismo vem sendo minado aos poucos por meio do uso de verba pública. Sob o artifício previsto legalmente, a chamada verba publicitária, é utilizada para calar questionamentos feitos pela imprensa local. Quem 'faz barulho', não recebe ou fica de fora da 'lista'", escreve Steffanie Schmidt, jornalista.
O Amazonas é o maior estado em extensão territorial no País. É também o que detém a maior porção de floresta amazônica preservada no País: acima de 90%, uma vez que o dado preciso oficial não é conhecido por interesses vários.
A barreira geográfica, por anos, foi o argumento, inclusive do poder público, para todo o tipo de dificuldade em implantar políticas públicas eficientes. No entanto, esta mesma barreira foi um facilitador para que alguns poucos grupos e seus interesses – econômico e político, por exemplo – mantivessem o estado praticamente “blindado” para outras experiências; para exemplos de outras localidades que deram certo; para investimentos de grupos que pudessem concorrer com os já existentes.
Observamos que essa tal “barreira” é empecilho apenas quando o grande capital “quer”: A Zona Franca de Manaus, com toda dificuldade logística, é uma realidade geradora de empregos para a região. No entanto, não distribui a riqueza gerada. Não há interesse na execução de programas que possam viabilizar projetos. Com a nova reconfiguração que ela vem sofrendo, existe um projeto montado que os impostos não fiquem em nosso estado, mas sejam remetidos para as matrizes das empresas que estão em outros estados ou exterior. Embora a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) seja um projeto que deu certo, acredito que seja o único. Verbas para a promoção e o fomento da cultura, por exemplo, são captadas junto às indústrias por empresas e projetos de outros Estados.
Essa realidade, associada a representantes do poder judiciário que trabalham para “não intervir”, diante de iniciativas isoladas de defensores e promotores que ousam contestar algo, perpetrou, ao longo dos anos, a naturalização do pensamento “aqui no Amazonas é assim”.
Mapa de Manaus (Foto: Wikimedia Commons/Marcos Elias de Oliveira Júnior)
Dessa forma, a morte ocorria de forma indireta, fruto da injustiça e da desigualdade. A morte sempre foi um projeto de poder.
A pandemia somente acentuou esse projeto. E sim, do ponto de vista social-psicológico, naturalizou a morte. Se antes a havia a naturalização desse sistema injusto, agora há a naturalização da morte também.
A atualidade traz uma realidade preocupante: o modus operandi para que nada se diga, se faça ou se conteste, continua, porém, diferente, uma vez que é preciso lidar agora com a problemática da velocidade e globalização da informação. Se com o advento da Internet não há mais barreiras – e, mesmo com a dificuldade de uma situação geográfica peculiar é possível acessar, ainda que sem dignidade e livremente, a rede mundial de computadores – atua-se de forma a coagir o jornalismo local.
Em um período que ele se faz cada vez mais necessário por uma questão de garantia à vida, o jornalismo vem sendo minado aos poucos por meio do uso de verba pública. Sob o artifício previsto legalmente, a chamada verba publicitária, é utilizada para calar questionamentos feitos pela imprensa local. Quem “faz barulho”, não recebe ou fica de fora da “lista”.
Viramos um grande repositório do jornalismo declaratório ao ponto de novos profissionais preocuparem-se apenas com o melhor posicionamento da câmera e do microfone na boca do entrevistado. Se for fonte do poder público, então, a disputa pelo melhor ângulo e imediatismo pode reservar valores a mais na distribuição do bolo publicitário.
Esse montante é distribuído sem critério de qualidade ou noticiabilidade, sem qualquer preocupação com um respaldo profissional, o que nos leva a crer que há outros interesses em jogo.
A mudança no modelo de negócio do jornalismo também contribuiu para o agravamento do cenário. Empresários de grandes grupos de comunicação que detinham quase que exclusivamente boa parte desse bolo, viram a audiência e os interesses migrarem para o meio digital. Como nunca tiveram interesse em investir no negócio – informação e dados são a grande moeda do século XXI – perderam relevância e verba, tornando-se reféns – mais do que em outras épocas – dos interesses de quem detém o poder de anunciar.
A falta de transparência com os dados públicos, desta forma, passa a nem mais incomodar. É um aliado do novo modo de operação do sistema que mantém a blindagem necessária a quem interessa.
Os olhos do mundo sempre tiveram voltados à Amazônia. Não por acaso, nunca houve a preocupação com a construção de um projeto para a região, um portfólio de investimentos com base na sustentabilidade. Gigante pela própria natureza, o Amazonas segue à espera do dia em que ela possa inspirar seu povo a um novo despertar.
Zona Franca de Manaus (Foto: Google Maps)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sobre problemas no continente Amazonas. Artigo de Steffanie Schmidt - Instituto Humanitas Unisinos - IHU