01 Julho 2020
Mais de 60% dos casos do novo coronavírus estão localizados fora da capital, mas governador Wilson Lima (PSC) posta vídeo afirmando estar ‘no caminho certo’.
A reportagem é de Izabel Santos, publicada por Amazônia Real, 29-06-2020.
A Covid-19 está presente em 61 dos 62 municípios do Amazonas – apenas Envira não têm casos confirmados. Desde 20 de maio, o número de casos no interior supera a quantidade de registros de Manaus. No dia 24 de junho, houve quatro mortes em municípios amazonenses, mas nenhuma na capital. Foi o bastante para Wilson Lima (PSC) comemorar em vídeo postado nas redes sociais: “Essa é uma notícia muito alentadora, mas não significa que nós estamos livres desse problema. Mas é um indicativo de que nós estamos no caminho certo”.
Só Manaus pode contar com Unidades de Terapia Intensiva (UTI) preparadas para enfrentar o novo coronavírus, já que o governador do Amazonas, Wilson Lima, resiste em criar leitos de alta complexidade nas cidades do interior. E apenas 35 municípios do Amazonas têm ao menos um respirador, equipamento que pode garantir a sobrevivência de pacientes com quadro grave da doença (Veja abaixo a distribuição completa por cidades).
O boletim epidemiológico da Fundação de Vigilância em Saúde informou que morreram 2.739 mortes pessoas de Covid-19, sendo 1.747 em Manaus e 992 em 55 municípios. A primeira morte causada pela doença do novo coronavírus no Amazonas ocorreu na noite de 19 de março. O pico de óbitos foi registrado em 6 de maio, com 102 mortes. Até sexta-feira (26), o estado contabilizava 68.220 casos confirmados do novo coronavírus. Destes, 26.783 são de Manaus (39,26%) e 41.437, do interior (60,74%). Os municípios com maior número de casos são: Coari (3.673); Manacapuru (3.117); Tefé (2.743); São Gabriel da Cachoeira (2.646); e Parintins (2.410).
O professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Wilson Oliveira Filho, também supervisor do Programa de Residências em Medicina Intensiva, afirma que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda ter de 3 a 5 leitos de UTI´s para cada 10 mil habitantes. No Amazonas, há 1,5 UTIs. “Mesmo se houvesse unidades de alta complexidade hospitalar nessas localidades, haveria dificuldade em encontrar profissionais. Mesmo com uma especialização na UFAM, temos apenas 110 intensivistas para UTI adulto e cerca de 50 UTIs infantis. No Amazonas, por diversos fatores, a manutenção dessa estrutura é mais cara”, diz o professor.
Ao longo dos quase quatro meses de pandemia do novo coronavírus no Amazonas, o governador Wilson Lima e os gestores da Secretaria de Saúde (Susam) já foram questionados diversas vezes sobre a ausência de leitos de UTI no interior. Entre as justificativas para a situação estão a infraestrutura precária, como a ausência de aeroportos e a dificuldade de acesso aos municípios. E a alta cobertura de saúde básica supostamente garante um suporte inicial adequado aos casos mais graves de Covid-19, afirma as autoridades.
Questionado pela agência Amazônia Real sobre o por quê de os municípios do interior não terem UTIs, o governo do Amazonas respondeu, por meio de nota, que o plano para os municípios “garante o atendimento de pacientes graves nas salas de estabilização das unidades de saúde até a remoção para Manaus por transporte sanitário. O interior conta com 924 leitos clínicos e 114 leitos de Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) para Covid-19, que quase triplicaram durante a pandemia do novo coronavírus”.
Os 35 municípios possuem 119 respiradores, o equipamento que pode salvar a vida de uma pessoa com Covid-19 em estado grave. Para se ter ideia, Manaus tem 655 respiradores distribuídos em 24 unidades de saúde da rede pública.
O ventilador pulmonar é uma máquina de suporte respiratório que faz com que o oxigênio chegue até os pulmões dos pacientes que estão enfrentando dificuldades ou que perderam completamente essa capacidade. A máquina sopra ar rico em oxigênio para dentro dos pulmões do paciente a partir de um tubo que tem umas das extremidades conectada ao equipamento e a outra ao corpo da pessoa que vai receber a ventilação.
Para o professor Oliveira Filho, faltam investimentos para estruturar os hospitais do interior do Amazonas. “Não é possível manter leitos de UTI nestes municípios por falta de recursos financeiros e humanos. Neste cenário, o ideal seria ter pelo menos quatro pólos de atendimento com UTIs em regiões estratégicas do estado”, sugere.
“Essa estrutura precisa de manutenção e investimento. Além disso, equipamentos como um respirador precisam ser bem manuseados”, acrescenta Oliveira Filho, destacando a “importância de mão de obra qualificada e bem preparada” nesses locais.
Oliveira Filho exemplifica esse obstáculo com Coari, um dos municípios mais ricos do Amazonas por causa da presença do pagamento de royalties da exploração do gás pela Petrobras. “A prefeitura tentou montar uma UTI, mas não tem recursos humanos para fazer isso”, conta. “No Sul do país também não tem UTI em muitos locais do interior. A diferença é a infraestrutura para locomoção e o tamanho dos estados”, destaca o médico.
Sem condições de tratar pacientes da Covid-19 no interior, a solução tem sido enviar os pacientes para hospitais de Manaus. Os municípios precisam comunicar à Susam, por meio do Sistema de Transferências de Emergências Reguladas (Sister), os pedidos de internação para leitos de UTI da capital.
A unificação do controle dos leitos de UTI nas unidades de saúde de Manaus só ocorreu a partir de 3 de junho, por meio da Portaria nº 354/2019-GSUSAM. Assim, os pedidos de internação e transferências passaram a ser 100% monitorados e regulados pelo Complexo Regulador Estadual do Amazonas.
O município de Manacapuru, a 68 quilômetros da capital, registra 124 mortes, o maior número dos 61 municípios. Houve, até agora, 3.120 casos confirmados de Covid-19. Com uma população de 97.377 mil habitantes, a cidade chegou a registrar, em abril, a maior incidência de casos do Brasil, com a média de 2,2 casos por cada mil pessoas, ante 0,2 de média nacional.
Nesses quase quatro meses de pandemia, a cidade transferiu 129 pacientes para os hospitais públicos de Manaus, segundo a prefeitura. Em seguida vem Tabatinga, no Alto Rio Solimões, com 86 transferências. Depois Itacoatiara, com 79.
Manacapuru foi a primeira cidade a ter um hospital de campanha no interior do Amazonas, entregue em 20 de abril. Instalado no prédio de uma antiga clínica particular, a unidade conta com cinco leitos, três respiradores, 15 bombas de infusão e uma ambulância do tipo D, equipamentos comuns em uma UTI.
“O governo do Estado nos ajudou com equipamentos de UCI, com parte do RH, com tanques de oxigênio, que foi um dos maiores consumos que nós tivemos, e com parte dos EPIs e remédios”, diz o prefeito de Manacapuru, Beto D’ângelo (PROS). O prefeito disse que precisou se planejar com recursos que tinha e começou a buscar apoio externo. “Recebemos recursos via governo do estado, através do FTI, e os demais recursos do governo federal vieram através de emendas parlamentares. Seria uma tragédia muito maior se não tivéssemos esse apoio.”
Segundo informações disponibilizadas no site da Susam, Manacapuru recebeu do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas R$ 773 mil. As 160 emendas parlamentares estaduais destinaram R$ 445 mil para o combate ao novo coronavírus, sendo R$ 60,5 mil para o interior. Já o governo do Amazonas repassou R$ 23,4 milhões a todos os municípios do interior para o combate à Covid-19.
Sobre a ausência de leitos de UTI, o prefeito afirma que, sem a pandemia, não teria demanda que justificasse a manutenção da estrutura no município. “Ter o leito é bem distante de manter. Talvez em um momento em que não estivéssemos com pandemia, fosse possível comprar os equipamentos. Mas, para você ter leitos de UTI em um município como Manacapuru, os repasses constitucionais mal garantem a folha [de pagamento] dos médicos e dos servidores”, explica.
“Em Manacapuru precisaríamos pelo menos de dez leitos, o que exigiria pelo menos 11 servidores dos quais, somente o plantão de de 24 horas de um médico custa R$ 3 mil”, justifica D’ângelo. “Nem Manacapuru e nem nenhum outro município do Amazonas teria condições de manter (uma UTI)”, justifica o prefeito, que afirma que é preferível ter apoio contínuo e permanente dos governos estadual e federal.
A Susam afirma que está “em processo de habilitação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para covid-19 nos municípios de Atalaia do Norte, Manacapuru, Tabatinga e Tefé. Serão encaminhados para o Ministério da Saúde os pedidos de habilitação para que os municípios recebam recursos federais pelos leitos. Em nota, a Susam explica que o sistema público de saúde no Brasil é tripartite,ou seja, a responsabilidade por sua manutenção é compartilhado entre Estado, prefeitura e Governo Federal. Ainda de acordo com a secretaria, a previsão é que nos próximos 15 dias todos os municípios polos regionais de saúde e subpolos tenham respiradores.
Alto Solimões: Tonantins (1 respirador), Santo Antônio do Içá (2), Amaturá (1), São Paulo de Olivença (3), Tabatinga (20), Benjamin Constant (3) e Atalaia do Norte (3).
Triângulo Jutaí-Solimões-Juruá: Tefé (9), Alvarães (2), Uarini (1), Juruá (0), Fonte Boa (2), Maraã (0), Jutaí (1) e Japurá (0).
Purus: Tapauá (0), Canutama (0), Lábrea (5), Pauini (0) e Boca do Acre (2).
Juruá: Carauari (5), Itamarati (0), Eirunepé (4), Envira (0), Ipixuna (0) e Guajará (0).
Madeira: Borba (3), Novo Aripuanã (0), Manicoré (1), Humaitá (5) e Apuí (2).
Alto Rio Negro: Barcelos (3), Santa Isabel do Rio Negro (1) e São Gabriel da Cachoeira (14).
Rios Negro-Solimões: Novo Airão (1), Manaus (665), Iranduba (4), Careiro da Várzea (0), Autazes (1), Careiro (2), Manacapuru (6), Manaquiri (0), Caapiranga (0), Anamã (0), Codajás (0), Anori (0), Beruri (0) e Coari (9).
Médio Amazonas: Presidente Figueiredo (1), Rio Preto da Eva (1), Silves (1), Itacoatiara, Nova Olinda do Norte (0) e Maués (0).
Baixo Amazonas: Boa Vista do Ramos (0), Barreirinha (0), Parintins (18), Urucurituba (0), Itapiranga (1), São Sebastião do Uatumã (0), Urucará (0) e Nhamundá (0).
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Sem leitos de UTI, Amazonas vê Covid-19 avançar pelo interior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU