03 Setembro 2020
"Destacamos que o que está no centro hoje é a violência e autoritarismo do estado que se beneficia do seu aparato estatal. Presenciamos como este aparato estatal só consegue agir conforme os interesses particulares. Foi isto que presenciamos recentemente no triste episódio que aconteceu em Nova Olinda do Norte, no rio Abacaxis", escreve Ivânia Vieira, jornalista e professora da UFAM.
A palavra carrega a cor, o sabor, o cheiro, o humor, o estado d’alma.
A palavra encarna luz, alegria, tristeza, morte, ameaça.
A palavra é expressão do corpo, é a intenção e decisão.
No Amazonas, a palavra VIDA está anêmica, frágil, doente. Gravemente AMEAÇADA.
O fogo queima. Em 12 meses (de julho de 2019 a agosto de 2020), a taxa de desmatamento aumentou em 34%. É uma extensão que corresponde a seis vezes o tamanho do município de São Paulo, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -Inpe (Jornal da USP, 7/08/2020).
Dos 7.150 focos de calor nos últimos oito meses, 6.016 foram registrados, pelo Inpe, em sete municípios do Amazonas (Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã, Manicoré, Boca do Acre, Humaitá e Canutama) que representam 85% do total (dados do governo estadual, 25/8/2020). O fogo e a devastação aceleram os passos no território do Amazonas sob a etiqueta do “desenvolvimento necessário”. Ameaçam, expulsam e matam indígenas, povos da floresta, as vidas não humanas.
A violência contra as mulheres, em Manaus, aumentou 27% nos seis primeiros meses de 2020 (dados da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher – DECCM, 7/8/2020). Nas outras 61 cidades do Amazonas prevalece a dificuldade de acessar informações e ter um panorama mais substancial. Permanece um grande silenciamento quebrado somente quando há tragédia consumada, o feminicídio.
Destacamos que o que está no centro hoje é a violência e autoritarismo do estado que se beneficia do seu aparato estatal. Presenciamos como este aparato estatal só consegue agir conforme os interesses particulares. Foi isto que presenciamos recentemente no triste episódio que aconteceu em Nova Olinda do Norte, no rio Abacaxis.
Mapa do Amazonas, destaque aos municípios de Nova Olinda do Norte, Borba e ao Rio Abacaxis, ao sudeste de Manaus
(Fonte: GuiaGeo)
As crianças, os adolescentes e as juventudes do Amazonas são historicamente parte do programa de invisibilidade e silenciamentos produzidos no Estado e em toda a Amazônia Legal. É nessa porção do território brasileiro, a Amazônia, que está a maior população de crianças e de adolescentes do País – 9,1 milhões (32,9% do total de habitantes da região estimados em 27,7 milhões). A média nacional de crianças e adolescentes até 17 anos é de 26,2% (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD-2015-IBGE). A PNAD-2016 projetou que 64 mil crianças e adolescentes do Amazonas vivem situação de trabalho infantil, uma condição que de imediato retira o direito à escola. O Amazonas, nessa amostra, aparece com o segundo pior resultado da Região Norte. É possível que a realidade tenha sido agravada nos últimos anos e é perceptível vê-la nas ruas de Manaus, onde a presença de meninos e meninas na condição de pedintes, vendedores, performistas se intensificou.
Na Amazônia, crianças são o segmento de maior risco de morte antes de completar um ano de vida, e de não conseguirem cumprir o ciclo do ensino fundamental. É elevada a taxa de gravidez na adolescência e, com ela, uma sequência de dificuldades e impedimentos que mães e filhos irão enfrentar. Meninas e meninos, na região, estão mais suscetíveis a diferentes formas de violência que vão do abuso sexual, da exploração sexual, trabalho infantil e homicídios.
É de 43% o porcentual de crianças e adolescentes que vivem em domicílios com renda per capita insuficiente para a aquisição da cesta básica. A média nacional, considerada ruim, é de 34,3%. No mês de janeiro de 2020, o valor médio da cesta básica em Manaus era de R$ 370, 00 (DIEESE).
Quando se inclui na relação direitos e condições de vida das crianças e adolescentes amazônicas o saneamento o quadro é igualmente crítico. Cinquenta por cento dessa população não tem acesso a saneamento adequado. É a taxa mais elevado do Brasil. A média nacional é estimada em 24,8%. Esses indicadores integram a publicação Agenda pela Infância e Adolescência na Amazônia, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef-Brasil), edição de 2018.
A palavra encarnada anda na floresta e no asfalto, no barro e na lama. Nada nos rios, sobe nos galhos das árvores, voa nos saltos de curumins e cunhantãs. Clama para se fazer vida em abundância como o é a Amazônia agonizada.
As profetas e os profetas estão sendo convocados a novo desafio. Despir-se da vaidade que cega e centraliza, decidir se permanece no palácio dos templos ou segue com as crianças e adolescentes na corrente que enuncia e ergue o tempo de mudança em nós, na nossa espiritualidade para, renovadas e renovados, exercitar a ruptura que destrói e mata todo dia no Amazonas, na Amazônia.
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Olhar tópico da vida. No Amazonas, a palavra vida está anêmica, frágil, doente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU