29 Agosto 2020
"Thomas Merton é considerado o autor católico norte-americano mais influente do século XX e uma grande referência para a mística cristã. Suas temáticas são variadas e abrangem temas da vida contemplativa à abertura ao mundo da diferença. Evidenciar sua trajetória de vida, seu legado e sua atualidade é o que pretende o livro organizado por Maria Clara Bingemer. Estamos, sem dúvida, diante de uma obra fundamental para compreendê-lo. Os capítulos que compõe este livro - escrito por pesquisadores distintos, oferece excelentes reflexões para quem desejar conhecê-lo e aprofundar temáticas a seu respeito", escreve Eliseu Wisniewski ao comentar o livro organizado por Maria Clara Bingemer, Thomas Merton. A clausura no centro do mundo. Petrópolis: Vozes, 2018.
Wisniewski é Presbítero da Congregação da Missão Província do Sul (padres vicentinos), mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e Professor na Faculdade Vicentina (FAVIC).
Maria Clara Bingemer é professora titular do Departamento de Teologia da PUC-RJ e coordenadora da Cátedra Carlo Maria Martini da mesma universidade. Seus interesses de pesquisa nos últimos anos têm sido a questão de Deus, a mística contemporânea e a categoria de testemunho na teologia latino-americana. Também tem trabalhado com bastante intensidade na interface entre teologia e literatura.
A obra organizada por Maria Clara Bingemer é fruto do colóquio em homenagem ao centenário de Thomas Merton (1915-1968), organizado pela Cátedra Carlos Maria Martini e reúne pesquisadores e pensadores brasileiros e estadunidenses que trazem várias facetas dessa personalidade extraordinária. Thomas Merton é considerado “um dos místicos mais importantes do século XX” (p. 7) e, diante disso, o livro traz “para os leitores uma importante contribuição no conhecimento daquele que é sem dúvida uma das figuras mais luminosas de nossa época” (p. 10).
A obra está estruturada em sete capítulos precedida pela cronologia da vida de Thomas Merton.
Os dois primeiros capítulos através de uma análise biográfica e teológica expõem o legado de Thomas Merton:
1) Dra. Francilaine de Queiroz Rossi - Um itinerário de vida de ação e contemplação: a autora descreve o itinerário humano e espiritual de Thomas Merton desde sua infância até o momento de sua morte aos 53 anos de idade. Esse itinerário mostra a diversidade de facetas que integram sua personalidade. Em meio a tropeços e quedas, percorreu seu caminho deixando marcas de uma personalidade forte e terna por onde passou. Merton foi um homem que desfrutou uma vida intelectual brilhante, desde sua juventude, quando percorria um caminho de desilusão e conflitos, até que, encontrando-se consigo mesmo em Deus, assumiu-se como um escritor apaixonado. Buscou encontrar um equilíbrio entre ação, temporalidade e eternidade e conciliou ação e contemplação. Destino que ele perseguiu com paixão e sofrimento, alegria e desespero.
2) Dr. Robert Inchausti - O legado radical de Thomas Merton: o autor apresenta Merton como um homem de muitas contradições um místico que defendia a revolução, um poeta que acreditava que o silêncio era a eloquência definitiva, um crítico social que desconfiava das políticas sociais, e um eremita mundialmente famoso. Merton buscou explicar e superar as limitações espirituais construídas pelo projeto Modernista, clamando por um reconhecimento da não modernidade do cristianismo contemplativo como um antídoto ao niilismo contemporâneo, fanatismo político e idolatria tecnológica. A autobiografia de Merton era a história de sua descoberta de um Deus desconhecido à ciência moderna e filosofia contemporânea. O autor destaca ser impressionante que há cinquenta anos Merton foi tão amplamente admirado como crítico social e, ainda assim, foi, ao mesmo tempo, tão profundamente mal compreendido como pensador religioso. Muitos leitores simplesmente confundiram sua perspectiva contemplativa híbrida não moderna como uma espécie de retorno à escolástica medieval – quando ele era na verdade, um pensador muito mais radical, questionando as próprias premissas da modernidade.
No terceiro capítulo intitulado: Thomas Merton e uma parceria fascinante com os Padres da Igreja de autoria de Dr. Scott D. Moringiello – analisando os livros de Merton apresenta um estudo comparativo do monge com os Padres da Igreja: em primeiro lugar discutindo a introdução à sua tradução parcial de Protreptikos, de Clemente de Alexandria; b) análise da introdução à Encíclica Doctor Mellifluus, sobre São Bernardo de Claraval; c) apreciação das introduções a suas traduções dos dizeres dos Padres do Deserto. Desta forma o autor defende três teses: 1) em Clemente de Alexandria, Merton enfatiza a importância do conhecimento; 2) em Bernardo de Claraval, ele nos ajuda a ver a economia do amor de Deus; 3) nos Padres do Deserto, Merton enfatiza o que implica a salvação.
A quarta reflexão traz a contribuição de Sibélius Cefas Pereira. O título deste capítulo: Thomas Merton e os sentidos e percursos da contemplação. Trata especificamente da mística de Merton. Ressaltando a multidimensionalidade de sua vida e da obra – constatam-se dois momentos na vida de Merton: uma vida contemplativa encarnada no tempo e na história, já estava presente naquilo que pode se denominar a experiência contemplativa propriamente dita, como o mergulho no absoluto; e ao mesmo acontece no sentido inverso: a experiência da solidão e do silencio, da oração e da contemplação, a qual contornava e irradiava por toda a sua inserção social, não apenas a impulsionando, como também lhe proporcionando uma vigorosa espessura existencial. O mesmo ocorre em relação a todos os diferentes interesses. Há uma inevitável inter-recorrência entre os temas, no próprio texto de Merton. Ao escrever sobre solidão acabava sempre tocar no tema do silêncio; o trabalho de cela também implicava uma experiência do silêncio, mas também da oração e assim por diante. O mesmo se dava em relação aos temas sociais quando, seja qual for o assunto em específico, sobre a violência, por exemplo, sempre voltava à tona, e o mesmo ocorrendo com relação a outros assuntos.
Foto: Divulgação/ Capa do livro
Na quinta reflexão: Tapeçarias: a escrita de si nos diários mertonianos - Dr. Marcelo Timotheo da Costa analisa o perfil de Merton como escritor. Perguntando-se sobre qual seria uma possível senha de acesso para seus escritos destaca dois trechos que sugerem interessante porta de entrada para o conjunto deles:
1) no primeiro destes fragmentos, de setembro de 1939, Merton, passados dez meses de seu batismo na fé católica, compara as obras autobiográficas de Santo Agostinho e Jean Jacques Rousseau. Merton declara que a “diferença é que Santo Agostinho confessa Deus, Rousseau proclama a si mesmo. Confissões só são válidas se confessam a Deus”. O autor mostra que neste gênero de literatura confessional encontra-se a justificação do passado anterior à conversão pela fé recém-adquirida. Os erros pretéritos são interpretados a partir da mudança de rumo que haveria de chegar no futuro, com a conversão. O passado é exposto ao público pela autobiografia do novo crente passado redimido e feito público, as preocupações do neoconverso deslocam-se para o futuro. Em outras palavras: o convertido deve perseverar, deve confirmar sua conversão no devir, no passar dos dias. Pela narração do cotidiano, o fiel procura seguir adiante no aprimoramento espiritual;
2) A segunda anotação de Merton é datada em 1º de outubro de 1939 na qual Merton se pergunta sobre o valor da memória: “que impressionante importância é essa que a memória parece ter para mim?”. Essa resposta ele a deu dois meses depois: “se não houver mudança importante em nossas vidas à medida que seguimos nossos cursos, não há sentido manter diários”. Dai, segue novo relato, iniciado em maio de 1939; são os journals que conhecemos; escritos à luz da fé adquirida.
A relação de Merton com o budismo é apresentado na sexta reflexão de autoria de Dr. James Wiseman. Tecendo comentários introdutórios sobre a vida de Buda, o budismo Theravada, o budismo Mahayana e o budismo Vajrayana e, esclarecendo o que estas linhagens budistas tem em comum, o autor descreve como Merton se interessou pelo Zen budismo, a relação de Merton com o budismo Theravada e com o budismo tibetano (Vajrayana). Conclui com breves reflexões sobre o que Merton recebeu ao longo de sua vida por sua familiaridade com o budismo Zen, Theravada e Vajrayana: como influenciaram seu pensamento e comportamento e o que ele pode aprender ou não com cada uma dessas tradições.
A sétima reflexão é também de autoria e Dr. James Wiseman. Aqui ele analisa a experiência de amor humano que Thomas Merton, monge celibatário, teve com uma mulher mais jovem, e como isso repercutiu em sua vocação. Merton se apaixonou profundamente por uma enfermeira de vinte e quatro anos de idade, que cuidou dele após uma cirurgia em um hospital de Louisville. A reflexão consta de três momentos:
1) Qual foi a natureza deste relacionamento de Merton com M.? (apesar do nome completo da enfermeira ter sido fornecido em pelo menos um livro sobre Merton, em respeito á sua privacidade o autor segue a convenção do editor dos diários usando apenas a abreviação “M”);
2) Quais eram seus próprios julgamentos a respeito desse comportamento, tanto durante o período mais intenso do relacionamento quanto depois que terminou?;
3) O que outros podem aprender sobre essa parte da vida de Merton, especialmente pessoas que tratam de seguir uma vida de celibato?
Thomas Merton é considerado o autor católico norte-americano mais influente do século XX e uma grande referência para a mística cristã. Suas temáticas são variadas e abrangem temas da vida contemplativa à abertura ao mundo da diferença. Evidenciar sua trajetória de vida, seu legado e sua atualidade é o que pretende o livro organizado por Maria Clara Bingemer. Estamos, sem dúvida, diante de uma obra fundamental para compreendê-lo. Os capítulos que compõe este livro - escrito por pesquisadores distintos, oferece excelentes reflexões para quem desejar conhecê-lo e aprofundar temáticas a seu respeito. Enfim, o leitor tem a oportunidade de compreender a riqueza de uma personalidade que fez da clausura o centro do mundo.
BINGEMER, Maria Clara (Org.). Thomas Merton. A clausura no centro do mundo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Petrópolis: Vozes, 2018, 136 p., 135 x 21mm – ISBN 97885432659576
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Thomas Merton. A clausura no centro do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU