28 Agosto 2020
Este artigo poderia intitular-se: "Papa Francisco visto de perto". Nesse caso, visto através do olhar privilegiado de pe. Antonio Spadaro, jesuíta, definido pela imprensa como confidente e "sussurrante" do Papa Francisco. Desde 2013 encontra-se regularmente com ele como diretor da Civiltà Cattolica e em várias outras ocasiões. O conteúdo de suas conversas foi publicado em forma de entrevista e amplamente divulgado pela imprensa internacional.
Nesta entrevista concedida a Lucas Wiegelmann, e tornada pública pela publicação mensal alemã Herder Korrespondenz na edição de agosto, o Padre Spadaro delineou a figura do Papa Francisco e seu estilo de governo, valendo-se de sua experiência, por assim dizer, única.
Lucas Wiegelmann, 37, é o correspondente chefe no Vaticano da mesma revista, em Roma desde 2019. Anteriormente, trabalhou como jornalista em Berlim para o grupo editorial Axel Springer e é responsável pelo Feuilleton do periódico Welt e Welt am Sonntag.
A entrevista é editada por Antonio Dall'Osto, publicada por Settimana News, 27-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tema da entrevista: o estilo de governo do Papa Francisco; um tema amplo e articulado, fruto da proximidade do entrevistado com o papa e de seus inúmeros encontros, muitas vezes ocasionais, como, por exemplo, na missa diária no Santa Marta, embora agora, devido ao lockdown por causa do coronavírus, outros encontros mais profundos tornaram-se mais difíceis.
Na entrevista pe. Spadaro começou desmentindo que o Papa Francisco esteja cansado. No programa de rádio da manhã ele dá essa impressão. É apenas uma aparência que depende de seu tom pacato, absorto e meditativo. Mas é sempre assim. Muitos o confundem com cansaço, mas, terminada a celebração, o pontífice parece muito relaxado e animado. "É o seu estilo", ressaltou Spadaro.
"Como Francisco mudou durante esses sete anos de pontificado?" – perguntou Wiegelmann.
De acordo com o pe. Spadaro, o Papa Francisco não segue uma visão teórica e abstrata. Ele não elaborou um plano de governo para seu pontificado. Na verdade, seu comportamento nunca desconsidera a realidade. Em vez disso, ele sempre tenta escutar a história e reagir de maneira adequada. “Nesse sentido ele mudou naturalmente, porque a história nem sempre se desenrola da mesma forma. Ele teve que enfrentar dificuldades e superar obstáculos. Os eventos com os quais ele lida mudam, fundamentalmente, eu diria; no que diz respeito à sua personalidade, não vi nenhuma mudança desde 2013”.
Na entrevista de 2013, pe. Spadaro lembrou do que Francisco lhe dissera, ou seja, que, como jovem provincial dos jesuítas, havia tomado algumas decisões de maneira "áspera e arbitrária". Ainda existe algo – perguntou Wiegelmann – que lembra esse estilo hoje? Ouve-se dizer que, às vezes, a portas fechadas, ele ainda se comporta assim.
“Vejo nele – respondeu Spadaro – uma grande força, um caráter enérgico, uma personalidade não esmaecida, mas com cores fortes. É alguém que sabe se controlar: sabe esperar, refletir, deixa espaço: é como se estivesse sempre imerso em Deus”. Mas “nunca ouvi tons ásperos dele.”
Na Alemanha – afirmou Wiegelmann – muitos se perguntam: mas o Papa Francisco é um reformador da Igreja ou não?
A mesma pergunta – respondeu Spadaro – eu também fiz a ele: “Santo Padre, quer reformar a Igreja?”. “Não, respondeu ele, quero que Cristo esteja sempre no centro da sua Igreja. Na verdade, será ele mesmo que a reformará”.
Outros se perguntam – continuou Spadaro – “se Francisco é um reformador teológico com um plano específico em mente; eu diria que não. Ele não é um Dom Quixote da reforma da Igreja. Para ele, a verdadeira reforma consiste no discernimento à luz do Espírito Santo. Nesse sentido, ele segue em frente ouvindo e meditando. O lugar onde ele toma decisões não é sua escrivaninha, mas a capela. A sua oração matinal”.
Discernimento, portanto – afirmou Wiegelmann – é uma palavra-chave de seu pontificado. Mas – respondeu Spadaro – existem diferentes maneiras de tomar decisões. Estamos acostumados a formular ideias de maneira racional, a refletir para escolher, no final, o melhor e traduzi-lo em ação: “mas não é assim que Francisco decide. O discernimento para ele requer uma atitude pessoal de escuta do Espírito Santo.
No centro não está a pessoa e suas capacidades, mas a vontade de Deus. Quando ele tem uma ideia brilhante de reforma, não a traduz imediatamente em ação, mas primeiro a torna objeto de oração. De acordo com o melhor método inaciano, ele ouve o que diz internamente. Mesmo que essa ideia lhe pareça brilhante, ele primeiro se senta, espera uma confirmação espiritual e ora. Mas se, no final, essa ideia o deixa vazio, ele chega à conclusão de que não é a vontade de Deus”. Portanto, “trata-se de um percurso em que no centro não está o fato de uma proposta ser inteligente, mas a espiritualidade e a vontade de Deus”.
É típico, por exemplo, o caso do documento Amoris laetitia, que amadureceu após um profundo discernimento interior. Há situações em que ele percebeu que, embora houvesse uma boa discussão sobre algumas ideias no sínodo, o discernimento não havia sido suficiente. “Nesses casos – disse Spadaro – não bloqueia nada e nada exclui, mas diz: vamos em frente e continuamos a refletir!
Mas ele não toma nenhuma decisão definitiva. Precisamente porque sente que o discernimento ainda não está maduro. Ou seja, o sínodo não lhe permitiu discernir e compreender a vontade de Deus naquela circunstância específica”.
Esse foi, por exemplo, o caso dos viri probati. Às vezes, pensa-se que celebrar um sínodo significa aprovar essa ou aquela reforma. Essa atitude é ideológica. Por exemplo, no Sínodo para a Amazônia: “havia dois partidos: um queria os padres casados, o outro era contra. Houve uma grande discussão. Mas nenhum discernimento. Para o papa, isso é muito pouco.”
Mas esse estilo do papa – insistiu Wiegelmann – também não foi decepcionante para o senhor?
Spadaro admitiu que precisou de tempo para entender isso e confessou que experimentou uma tripla reação. A primeira, a constatação de que era algo que também lhe era familiar pessoalmente, ou seja, a espiritualidade que também é sua como jesuíta. A segunda, derivada do que o Papa disse diante de um discernimento ainda não suficientemente maduro: “Devemos continuar avançando e levar as coisas a bom termo”. A terceira, o fato de ter reconhecido que a posição do papa é espiritualmente a mais sábia. “A impaciência – a segunda reação – é uma tentação.”
Nesse ponto, a entrevista abarcou outros assuntos, tais como: as relações entre a Santa Sé e a China, a relação de Francisco com o Papa Emérito Bento XVI, sua eventual renúncia, se a situação fosse tal para aconselhá-lo, e o suposto sucessor que os jornalistas já indicam no card. Luis Antonio Tagle.
A situação política na China – ressaltou Wiegelmann – está se tornando cada vez mais difícil. Os cristãos da chamada Igreja clandestina são perseguidos e até mesmo os membros da Igreja oficialmente reconhecida discutem com as autoridades, são ameaçados e obstaculizados.
Como é bem sabido – recordou Spadaro – foi assinado um acordo entre a Santa Sé e a China em setembro de 2018 (que deverá ser discutido novamente em setembro próximo). É evidente – como também foi escrito no La Civiltà Cattolica em chinês – que, com o acordo, nem todos os problemas foram resolvidos. Há dúvidas sobre a Igreja do governo chinês e há dúvidas sobre o governo chinês por parte da Igreja.
Mas o acordo permite trabalhar sobre essas dúvidas e aumentar a confiança mútua. Progressos também foram feitos. “Para mim, é um passo importante que La Civiltà Cattolica possa ser publicada tão abertamente em chinês – além do mais, uma revista aprovada pela Secretaria de Estado. Da mesma forma, o fato de que nos últimos tempos, na consagração dos bispos, o nome do papa seja mencionado. E, claro, um passo particularmente importante é que hoje todos os bispos diocesanos em função na China são reconhecidos tanto pelo Estado chinês quanto pela Santa Sé. Eles estão, portanto, em plena comunhão com Roma. É a primeira vez na história da República Popular”.
Nesse ínterim, no entanto – Wiegelmann insistiu – as violações dos direitos humanos continuam na China. Por que o papa não fala sobre isso?
O Papa – respondeu Spadaro – pediu várias vezes para orar pelo povo chinês, a última vez em 24 de maio. Porém, tem consciência de que se trata de resolver problemas, não de denunciá-los e colocar em primeiro plano a si mesmo. O diálogo já está em andamento. Mas quem disse que o papa deveria falar pessoalmente sobre todos os problemas que existem no mundo?
As questões cruciais são levantadas pelos dicastérios relevantes do Vaticano – e estão realmente sendo tratadas! Seria um centralismo exagerado entregar tudo ao Papa, como se ele fosse o solucionador supremo dos problemas do mundo. Também seria algo absurdo e egocêntrico para ele.
Quanto às relações com Bento XVI, na Alemanha – afirmou Wiegelmann – muitos acreditam que Bento XVI faça parte de uma oposição clerical contra o Papa Francisco. Daí a pergunta: “Como o senhor acha que são essas relações?”
Francisco e Bento XVI sempre mostraram um grande respeito mútuo e solidariedade. Olhando de fora – disse Spadaro –, noto que a figura de Bento é infelizmente instrumentalizada. Não consigo imaginar um homem tão espiritual e um grande teólogo iniciando uma disputa com o papa. A mídia tradicionalista ou hiperconservadora distorce seu ensinamento. Deve ser um grande sofrimento para ele porque, dessa forma, a sua reputação fica manchada, principalmente em idade tão avançada”.
Wiegelmann perguntou novamente se ele consegue imaginar que chegará o dia em que Francisco se aposentará. Spadaro foi muito explícito: “Se, na oração, percebesse que tinha de se aposentar hoje, faria isso imediatamente. Mas eu nunca perguntei a ele. Não faz sentido pensar que ele diga: amanhã vou me demitir, ou daqui a cinco anos ou com essa ou aquela idade. Não, ele pensa dia a dia”.
Sucessão. A imaginação da mídia acredita que, tendo o papa indicado o card. Tagle – cardeal de origem filipina, mas filho de uma chinesa – como prefeito da Congregação para a Evangelização e elevado à ordem episcopal cardinalícia, quis indicá-lo como seu sucessor. Mas são puras fantasias jornalísticas!
Concluindo, a observação do padre Spadaro nos parece muito apropriada para entender o estilo de Francisco: “O pontificado atual – a meu ver – é mais um pontificado de semeadura, não de colheita. Não poderia ser diferente, dada a idade de Francisco. Afinal, as sementes já estão aqui. O Papa semeou muito nos últimos anos”.
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O estilo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU