22 Abril 2020
Pôr em circulação na China uma revista católica de autoridade questiona os fiéis chineses e a sociedade chinesa. E permitirá que se abra um duplo canal de transmissão.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 20-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A revista La Civiltà Cattolica também está sendo publicada na China e em chinês, com direito a site e perfil social. A pompa diplomática com a qual o secretário de Estado, cardeal Parolin, agradeceu ao diretor da revista jesuíta pelo lançamento dessa edição permite entender que a publicação da revista no “país do meio” é muito mais do que um fato editorial.
Até aqui, o ponto nodal da discussão entre Roma e Pequim havia sido o da escolha dos bispos. O partido queria selecioná-los na Associação Patriótica, mesmo às custas de criar uma divisão entre bispos que tinham uma comunhão pública com a Sé Apostólica e bispos que não podiam ou não queriam demonstrá-la.
O acordo sobre os procedimentos de escolha e nomeação do episcopado, que expira em alguns meses, permitiu escolher bispos reconhecidos pelo governo e em comunhão com o bispo de Roma, além de sanar a situação daqueles que não tinham como expressar essa comunhão.
O papa pôde assim exercer o ministério da unidade do sucessor de Pedro: que importa muito mais do que qualquer poder de legitimação das consagrações ou de administração das excomunhões. Obviamente, houve quem imputasse ao Papa Francisco e ao cardeal Parolin o fato de terem apertado as mãos do perseguidor: uma acusação nada nova (a mesma feita contra a Ostpolitik vaticana, que, porém, permitiu que Wojtyla estivesse livre para ir aos conclaves de 1978...), que obscurece mais o desejo de perseguição, com um masoquismo sobre a pele dos outros que é estranho ao cristianismo e demonstra um escassíssimo conhecimento da história tanto da China quanto da diplomacia vaticana.
A publicação da Civiltà Cattolica em chinês, no entanto, vai além da questão dos bispos (embora se diga que a renovação do acordo está garantida). De fato, pôr em circulação na China uma revista católica de autoridade questiona os fiéis chineses e a sociedade chinesa. Assinaturas e consultas permitirão que o Estado tenha um censo automático de todos os fiéis “cultos” da comunidade católica, provavelmente já conhecidos pelas autoridades. Mas, acima de tudo, permitirá que se abra um duplo canal de transmissão.
Desde sempre, a Civiltà Cattolica expressa a posição oficiosa da Secretaria de Estado, que a relê e corrige seus rascunhos. Sua edição chinesa puxa o tapete debaixo dos pés de todos aqueles sujeitos católicos que sonhavam em plantar a sua bandeira na impossível “mediação” entre Roma e Pequim, financiando alguns padrezinhos ou implantando algumas obras. E, acima de tudo, permite que cada funcionário entenda com exatidão a posição de Roma sem poder instrumentalizar as vozes contrárias a um diálogo diplomático que todos sabem que nunca será fácil, mas que o cardeal Parolin demonstrou que não é impossível.
Além disso, a revista jesuíta permitirá que os fiéis e a intelligentsia católica chinesa se abram a uma renovação intelectual até agora freada pela mentalidade de quem pensava que a China deveria se destacar em muitos campos, mas não nesse. A compressão dos estudos históricos, exegéticos, teológicos, filosóficos, de fato, impediu uma originalidade do pensamento cristão de que toda a Igreja precisa, seja a do “país do meio”, seja a universal: acreditando que “chinizava a religião”, ela permitiu a infiltração de uma religiosidade ultraconservadora (a de Bannon, por exemplo), que o catolicismo rejeita porque polui a sua alma.
Até agora, a coleção da Civiltà Cattolica era indispensável para os historiadores que queriam datar e acompanhar as obsessões eclesiásticas da Igreja (do modernismo ao Pe. Milani); nos próximos 150 anos, também servirá para quem fizer a história da fé cristã na China.
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La Civiltà Cattolica: histórica revista jesuíta desembarca na China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU