23 Julho 2020
O suicídio de um padre acusado de estupro voltou a colocar sobre a mesa as denúncias de abusos que pesam sobre numerosos membros da Igreja Católica no Chile. Vítimas acusam lentidão nas investigações.
A reportagem é de Diego Zúñiga, publicada por Deutsche Welle, 21-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Os elementos indicam que se trata de uma ferida auto infligida”. Com a frieza típica deste tipo de relatório, a Polícia de Investigações do Chile (PDI) confirmou no domingo, 19-07, ter encontrado sem vida o corpo do padre Tito Rivera Muñoz, de 68 anos, que estava em prisão domiciliar enquanto eram realizadas investigações por denúncia de estupro de um homem de 43 anos. O seu caso era um dos mais recentes e midiáticos que vinculavam a um membro da Igreja Católica com acusações por abusos sexuais.
O caso de Rivera, cuja morte mereceu um comunicado de um parágrafo do Arcebispado de Santiago, é icônico, porque a Igreja realizou uma pesquisa interna, da qual nunca teria sido noticiada se não fosse pelas pesquisas do procurador Emiliano Arias. Rivera, no entanto, pediu a dispensa sacerdotal ao papa Francisco em 2019. A sua suposta vítima, Daniel Rojas, tentou ser desacreditado pela defesa do sacerdote diante da justiça, quando Rojas apresentou o caso diante dos tribunais.
Esse foi precisamente o comportamento que a Igreja Católica sempre manteve quando confrontada com alegações de abuso, dizem vítimas e especialistas: ocultação, descrédito, sanções menores. A soma de casos conseguiu abalar uma instituição outrora poderosa na sociedade chilena, mas atualmente existem dezenas de queixas da promotoria. O problema é que as investigações parecem ter parado, como denunciou Helmut Kramer, porta-voz da Rede de Sobreviventes de Abusos Eclesiásticos.
“Quando os casos passam do procurador Arias para o procurador Xavier Armendáriz, eles se perdem no radar. Com Arias, houve notícias de números de padres denunciados, por exemplo, ou quando uma nova vítima chegou ao nosso escritório, fazemos o vínculo com os assessores do De Armendáriz e a única coisa que vemos é o rosto dele nas fotos que aparecem na imprensa”, explica Kramer, que afirma que esse problema vem antes das revoltas sociais de outubro de 2019.
“Muitos casos estão sendo investigados no nível eclesiástico e muitos outros no aparato público, que foi deixado de lado pela atual realidade chilena”, diz o médico da história, Marcial Sánchez. “Muitos desses casos estão nas prateleiras dos diferentes promotores”, acrescenta. Adicionado à complexidade das investigações, há algo que Kramer descreve como “esquecimento”. “Os escritórios da igreja foram invadidos por Arias, mas nada disso acontece hoje. O sentimento que temos é que, com a entrega dos casos a Armendáriz, a Justiça se esqueceu de nós”.
Kramer diz que na época eles conseguiram se encontrar com o promotor nacional, Jorge Abott. “Ele mostrou vontade de seguir em frente, falou em nos convidar para alguma atividade... apenas palavras de boa educação, na prática, nada. Eu diria que, em geral, sentimos que os órgãos do Estado são indolentes com relação a essas questões. Se você me perguntar como a justiça está progredindo, não sabemos, tenho que dizer que não temos ideia. Não vimos nada”.
“A Igreja Católica, até os anos 90, possuía fortes raízes sociais, com grande aceitação e uma Conferência Episcopal de grande credibilidade. Era uma instituição capaz de se integrar nos assuntos da vida dos paroquianos. A isso se acrescentou poder econômico. Imagine: poder econômico, político e social... era uma instituição que poderia constituir e romper a sociedade chilena”, explica Sánchez. Juan Guillermo Prado, escritor e pesquisador de questões eclesiásticas, concorda com ele, que sustenta que as queixas por abuso sexual ajudaram a destruir essa imagem. “A Igreja era respeitada em tempos de ditadura, mas hoje falta prestígio. Antes, a Conferência Episcopal falou sobre questões contingentes, mas agora passa despercebida”, explica o autor de "Maria dentro e fora da Igreja".
“Depois do fim da ditadura, o cardeal Francisco Javier Errázuriz chega ao topo da Igreja, que impõe um selo conservador e pomposo do Vaticano que afasta a Igreja do povo. E, afastando-se do povo, torna-se uma Igreja de encobrimento”, explica Sánchez, para quem a Igreja Católica atualmente não desempenha nenhum papel na sociedade. “É social e politicamente nulo. As pessoas veem a hierarquia como parte do problema. Antes do início da pandemia, ninguém foi à missa no Chile, porque a Igreja fez sua própria anulação pelos atos ilegais que cometeu contra crianças e adultos vulneráveis”, diz o historiador.
“A reação às alegações de abuso não foi adequada. Os denunciantes foram ocultados, subestimados, desacreditados. A Igreja perdida no tribunal e o clero não são credíveis. Não tenho dúvidas de que as alegações continuarão e a Igreja ela ficará cada vez mais sozinha”, estima Prado. Kramer compartilha da opinião: “A Conferência Episcopal fez duas declarações após a revolta social e ninguém percebeu, porque ninguém se importa. Se olharmos para os templos, veremos que todos estão repletos de insultos à Igreja. A Igreja Católica estava em uma situação de absoluta desvantagem. E não foi por causa dos outros, mas devido a suas próprias falhas”.
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Chile. Igreja Católica, irrelevante e sob o escrutínio público - Instituto Humanitas Unisinos - IHU