03 Março 2020
O enviado pelo papa Francisco a Santiago do Chile como bispo auxiliar em julho de 2019, dom Alberto Lorenzelli, explica como a Igreja tenta recuperar sua credibilidade depois do terremoto ocasionado pelos escândalos pelos abusos sexuais.
Há quatro meses, o Chile tenta sobreviver à violência desmedida de grupos subversivos que não somente geraram enormes danos materiais, ameaçando destruir o que era a economia mais próspera da América Latina, mas que ademais atacou de forma direta a Igreja Católica.
Em, 26 de janeiro, 57 igrejas católicas e evangélicas foram atacadas com distintos níveis de danos: “desde vidros quebrados, até roubos massivos e profanação do Santíssimo Sacramento. Os ataques se repartem ao longo de todo o país”, segundo o informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Porém, por que esses ataques alcançaram a Igreja Católica? Para obter respostas, o Diario las Américas entrevistou dom Alberto Lorenzelli, padre da ordem dos salesianos, enviado pelo papa Francisco a Santiago do Chile como bispo auxiliar em julho de 2019, depois da sacudida que a Igreja local sofreu pelos escândalos de abusos sexuais contra menores, por parte de membros do clero chileno e que, segundo o Ministério Público, deixou 271 vítimas.
“A Igreja vive um momento de dificuldade, sabemos disso, por várias questões. Como instituição está presente o tema dos abusos e isso tocou fortemente a sociedade”, assegurou e explicou que, ainda que a fé dos chilenos permaneça intacta, “o povo perdeu a confiança que uma vez teve na Igreja e que era muito alta”. No entanto, destacou que, “as pessoas comuns rechaçam a violência. O povo tem o desejo de reencontrar sua estabilidade e a possibilidade de viver bem”.
A entrevista é publicada por Diario las Américas, 01-03-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
De fato, na história chilena a Igreja Católica desempenhou um papel de liderança, era uma voz respeitada. Na atual crise e diante dessa perda de credibilidade, que papel a Igreja tem assumido?
Eu acho que o tempo de uma igreja triunfante já passou. É o momento de uma Igreja próxima ao povo, que vá recuperando seu serviço pastoral e evangelizador. Mas é necessário que seja uma Igreja mais humilde, que saiba falar através de suas ações. Hoje as pessoas não esperam uma igreja que faça belos documentos, as pessoas esperam uma igreja presente, que saiba ouvir. Uma escuta que também é capaz de sofrer com quem sofre. Penso que só assim poderíamos ser uma voz mais significativa e forte.
Especialmente hoje, podemos envolver todas as instituições, empresários, instituições políticas, instituições sociais, para dar atenção aos mais infelizes. Hoje acredito que a palavra que deveria ser mais significativa é dar mais àqueles que tiveram menos.
Em meio à crise no Chile, os bispos lançaram um apelo ao diálogo nacional, pedindo que seja “participativo e sem exclusões”, você poderia descrever as condições para que esse diálogo fosse possível?
É necessária a cultura do encontro, que é o que o papa Francisco prega, um diálogo mais aberto para evitar, por um lado, as formas de violência e, por outro, também para ouvir. No final, o que as pessoas pedem é uma situação melhor. Os problemas mais óbvios que aparecem são salários muito baixos, uma educação mais inclusiva, o problema das aposentadorias. As pessoas trabalham por muitos anos e, em seguida, encontram uma pensão de fome que não lhes permite sobreviver. E, por outro lado, existem outras desigualdades óbvias entre uma Santiago do chamado “barrio alto” e os bairros mais pobres, onde basicamente as pessoas lutam para viver… Portanto, a cultura da reunião significa abrir esse diálogo. O primeiro diálogo deve ser realizado pelos partidos políticos, porque existem muitos individualismos e isso não permite o diálogo. Está na hora de uma união nacional estabelecer leis que proporcionem igualdade a todos. E, em segundo lugar, neste diálogo todas as classes sociais devem participar, também com instituições sociais, para construir o que for necessário para reduzir ainda mais as desigualdades. Um diálogo em que a Igreja deve estar presente, porque todos os dias nas paróquias se ouve o clamor do povo, dos mais necessitados.
Os ataques evidenciam uma fratura social, também em relação à Igreja. Como a Igreja Católica pode recuperar essa credibilidade?
Antes de tudo, devemos ser crentes, homens e mulheres de fé, uma fé real, uma fé concreta. Uma fé assim torna-se crível, autêntica. Isso atinge o coração das pessoas. Talvez, nesse sentido, tenhamos pecado fortemente e as pessoas tenham nos visto colocar peso muitas vezes sobre os seus ombros, mostrando a eles quais eram seus defeitos, esquecendo de olhar para dentro. Conversamos bem, mas agimos mal.
Qual o maior desafio que enfrentam?
O maior desafio é responder aos nossos jovens. Creio que perdemos contato com eles e temos a necessidade de abrir um diálogo com todos, devemos até conversar com jovens dissidentes, porque para a Igreja nossos jovens não são apenas aqueles que participam, nossos jovens são todos. Portanto, devemos abrir um diálogo com eles, se não correremos o risco de ser uma Igreja com uma fratura muito forte com as novas gerações. Creio que os jovens estão procurando uma Igreja que, em vez de julgá-los, saiba amá-los pelo que são e, por sua vez, amarão o que lhes oferecemos. Eu acho que a Igreja chilena está se tornando mais consciente de seus erros. Deve ser mais profética... E o que isso significa? Significa estudar uma maneira diferente de ser Igreja.
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No entanto, as tentativas da Igreja Católica de recuperar sua credibilidade no Chile parecem não ser suficientes, porque após dois anos da reunião entre os líderes da Rede de Sobreviventes de Abuso Sexual de Eclesiásticos e o enviado do Papa, dom Charles Scicluna, a Rede publicou uma carta no último 17 de fevereiro, na qual expressam sua decepção com a “procrastinação” e o “silêncio” da Santa Sé antes dos processos canônicos ainda não concluídos.
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“Os chilenos perderam a confiança que se tinha na Igreja”, afirma dom Lorenzelli, bispo-auxiliar de Santiago - Instituto Humanitas Unisinos - IHU