"Que a gente use essa pandemia para voltarmos diferentes e aprenda que cada vida humana é valiosa com os povos indígenas que estiveram aqui nesse Brasil antes de nós e possuem ensinamentos para toda a humanidade. Vamos precisar de cada um e de todos. Não podemos chegar ao extermínio dessa experiência humana por causa de sua predação capitalista. Solidariedade é a escolha que fazemos no seguimento de Jesus Cristo", escreve Aloir Pacini, padre jesuíta, antropólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
Dias melhores virão, essa é a nossa fé, nossa esperança e caridade. A aurora é uma percepção que vem da minha tradição familiar e depois do convívio com os Rikbaktsa: o amanhecer é a parte mais importante do dia, pois Deus ajuda quem cedo madruga. Trata-se do momento em que Deus diz: "Levanta-te, tenho um novo dia cheiro de pelejas e vitórias, segue sem medo, pois estou contigo." Essa é uma das certezas que meu pai me ensinou quando tomava o chimarrão ainda de madrugada, antes do nascer do sol. Algo que encontrei também no mykyry, quando os Rikbaktsa se juntavam para contar os sonhos e planejar o dia pautados pelas orientações recebidas nesses sonhos. Uma certeza que carrego comigo é que Deus está conosco, e que esse nosso dia será escrito com o seu auxílio, por isso também a pandemia do corongo[1] será uma bênção para a humanidade.
A bênção Urbi et orbi do Papa Francisco convidou de forma magistral toda a humanidade a presenciar e escutar de forma tão inclusiva para implementar como o fez na Laudato Si' em 2015: “Quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta” e, em fevereiro de 2020, na Querida Amazônia, quando falou “ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade”. Mas o que o Papa Francisco não conseguiu, dadas as críticas da extrema direita no Brasil que ganhou o poder político no Brasil, a pandemia chegou e realizou nossa conversão.
Diante de situações estremas de falta de cuidado com os corpos dos falecidos na pandemia (tanto na Europa, como nos EUA, em São Paulo e Manaus) brota uma santa indignação. A Cerimônia de encantamento em homenagem e respeito aos indígenas falecidos em tempos de pandemia no dia 25/05[2] despertou-me para uma percepção que já encontrei aqui em Cuiabá no trabalho da Pastoral da Esperança: as pessoas não aceitam que seus falecidos sejam “jogados fora”, sem passar pelo ritual de exéquias.
Lembrei-me que as Ligas Camponesas associaram-se e iniciaram-se para fins de sepultamento dos seus sócios, a “Sociedade Beneficente dos Defuntos”. Quando transformaram-se em organização sindical “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores [de Pernambuco]”, começaram as perseguições e seu grande líder João Pedro foi assassinado. O movimento de reforma agrária conseguiu a desapropriação da Galiléia (PE) e Sapé (PB). Mais detalhes descobri no filme Cabra Marcado Para Morrer, direção de Eduardo Coutinho (1984).[3]
“O meu vizinho espirra e eu digo-lhe delicadamente: ‘Santinho!’ É religião lato sensu. Se eu acredito verdadeiramente na gravidade do efeito, no perigo que representa o espirro (que exprimiria a partida da alma) dizer-lhe essa palavra equivale a um insulto: religião stricto sensu. A diferença poderá comparar-se com a que separa o claro do claro-escuro.” (Mauss, 1972 p. 221)
A alegria[4] de termos recebido a visita de Deus na terra, a “verdade do Cristo” que guardamos em vasos de argila faz parte do “querigma” que deve ser Boa Nova e processo de educação humana para o cuidado da casa comum, não para a destruição nem o acúmulo de riquezas egoísta porque aqui a traça e a ferrugem trabalham. Por isso os paradigmas do diálogo, da interdisciplinaridade, da confecção de redes de solidariedade e a sinergia são necessários para cumprir a Missão da Companhia de Jesus. Concretizando mais as virtudes, combinamos nossa liberdade com a quarentena, na SJ a obediência a Deus e ao Papa devem ser colocados em diálogo, pois descobrimos que os opostos são porosos. Não nos movemos mais em setores ou plataformas apostólicas compartimentadas... mas como frentes e preferências, articulados em núcleos apostólicos, com a dinâmica de trabalhos interativos e discernidos para serem multi e trans-disciplinares.
Conforme Jesus nos ensinou, o poder deve ser vivido como serviço, não como imposição sobre os demais, por isso exige grupos de diálogo-discernimento para desprendermo-nos dos neo-colonialismos, para pensar e rezar a Missão mais urgente, mais necessária e com maiores[5] frutos de bem viver para o próximo.
Padre João Dornstauder carregando um menino
Rikbakta que perdeu os pais nas epidemias de gripe,
sarampo e varicela que assolavam os povos indígenas
(1959). (Foto: Enviada pelo autor)
Os relatos do Padre João Dornstauder que mostravam os Rikbaktsa em colapso na sua dinâmica cultural, por causa das epidemias causadas pelo avanço dos seringueiros, garimpeiros e colonos sobre o seu território tradicional, teve a lucidez desse jesuíta que soube iniciar uma missão volante, em 1957 na bacia do rio Arinos, do Sangue e Juruena. Esse jesuíta marcou profundamente a história dos indígenas na região e minha adesão ao indigenismo (Pacini, 2015; 2019). Na etnografia dessa catástrofe, o missionário chegava nas aldeias e encontrava quase todos mortos em suas redes, e os que ainda estavam vivos, doentes, sem condições de fazer o sepultamento. A primeira providência era aplicar injeção de penicilina e fazer comida para alimentar o corpo. Somente depois é que procedia ao ritual do sepultamento dos falecidos.
Vivemos um apelo à conversão pessoal (espiritual)[6] e comunitária, como SJ e como Igreja, como humanidade que sente-se parte da natureza, do planeta terra. O testemunho mais adequado para o nosso tempo é nos desapegar, deixar muitas coisas para abraçar o Reino de Deus, e viver uma vida simples que traz mais alegria. Avançar para águas mais profundas é estar atento aos demais, não cabe mais centrar-se em nós mesmos, egoisticamente, nem mesmo antropocenamente[7], mas equilibrar-nos no cuidado do outro (ser humano, natureza e Deus).
Um outro elemento nesse processo de metamorfose pessoal e institucional é o altruísmo. Viver o mandamento fundamental de amar a Deus e ao próximo como a si mesmo tem que engajar profundamente as pessoas e levar suas instituições na mesma dinâmica. Somente esta motivação nos permite adentrar na busca de um olhar diferenciado para o outro, o que permite que cada ser humano seja um ser livre e autêntico pela ação do Espírito Santo. Assim deixemos a singularidade de seus dons gerar a pluralidade criativa nessa Casa Comum, numa convivência aberta ao Espírito que faça com que nossas diferenças sejam oportunidade de tornar mais bela a maior glória de Deus no meio de nós. Somente essa postura nos deixa livres para amar de forma evangélica como Jesus Cristo amou, um amor que se expressa mais em obras do que palavras, um amor concreto, visível, com atitudes e ações que rompam preconceitos e fronteiras, especialmente onde foi possível a sobrevivência dos indígenas.
E aqui vem o sentido desse texto: a preferência apostólica da Companhia de Jesus na escuta dos sonhos e esperanças dos diferentes povos e etnias da Amazônia, que possuem direito de existir, dando cada um o melhor de si... os dons que Deus nos deu são oportunidade de bem viver a liberdade espiritual com os demais, ou seja, com pouca coisa, trabalhando em equipe, sabendo perceber o outro nas suas necessidades mais profundas. A eficácia da gratuidade é mais profunda que os critérios econômicos, mesmo social ou agronômico... sem medir resultados quantitativos, é possível priorizar o qualitativo e ser feliz com os demais.
A inclusão dos afetos, ainda que desordenados, na dinâmica do Espírito Santificador, quando colocados ao serviço da Missão de Cristo auxilia a dar testemunho de conversão do nosso discipulado e da nossa opção jesuítica para um mundo marcado pelas exclusões e marginalizações. Dilatar o nosso coração para incluir na nossa ação missionária aqueles que não possuíam visibilidade nesta casa comum, criada com tanto amor, pelo Pai, se faz urgente, porque no Coração do Pai existem muitas moradas: por meio do Imaculado Coração de Maria, podemos ir confiantes a Jesus Cristo, que é manso e humilde de coração.
Ter conhecimento da realidade dos últimos, dos marginalizados faz parte da nossa opção pelo próximo sofredor... precisamos conhecer localmente as dores e alegrias do próximo para atuar universalmente. O que acontece aqui no Mato Grosso (metáfora do Brasil ou da Amazônia) também está acontecendo na Bolívia, na Europa ou na China, pois o capitalismo globalizado possui tentáculos em todos os cantos, e o mesmo ar que leva o corongo por toda parte pode nos levar como corpo apostólico, com ações concretas a todos os lugares, diferentes segundo pessoas e lugares, mas que refletem atitudes interiores de criatividade e de cuidado.
Que fiz, faço e farei para cuidar melhor da nossa casa comum é o GPS para perceber-se na Missão, onde estamos para poder converter nosso trabalho em rede de colaboração com os demais... para ser compaixão pelos membros sofredores do Corpo de Cristo: critérios da maior fragilidade e da maior necessidade são jesuíticos. E sentir empatia com a Missão do outro, como amigos no Senhor, entrar em comunhão com o trabalho feito pelos demais faz com que nós sejamos corpo, pois nunca demos conta de realizar tudo sozinhos. Chegou o momento propício para repensar o voto de pobreza como simplicidade de vida que cultiva o paradigma da complexidade dos mundos virtuais que exploram o mínimo da natureza dado que tudo está interligado, e os elementos da natureza também são sagrados:
“Do mesmo modo que a estética se define pela noção de belo, que as técnicas se definem pela eficiência técnica, a mesma forma que a economia se define pela noção de valor, o direito pela noção de bens, os fenómenos religiosos ou mágico-religiosos definem-se pela noção de sagrado.” (Mauss, 1972 p. 221)
Na fotografia o Irmão Vicente Cañas com crianças Enawenenawe (martirizado em 6/04/1987). (Foto: Portal Jesuítas Brasil)
Nessa Amazônia, o Irmão Vicente Cañas SJ viveu plenamente essa espiritualidade jesuíta de encontrar Deus em todas as coisas. Mas falta ainda na casa comum compreender que no Altiplano a matéria orgânica é tão escassa que o valor maior é um galho de eucalipto, não o metal... na Amazônia, uma pedra ou o sal são elementos valiosos para a vida que é abundante na Serra do Mar, enquanto a árvore é abundante e pode ser disponibilizado de forma solidária para o mundo, porque “sobra” num lugar e falta noutro. Nestes casos podemos ser ponte, ser instrumento para que seja partilhado o que temos em abundância num lugar e falta noutro. Esse desequilíbrio nos afeta e, por vezes, nos distancia de uma postura mais comprometida, mesmo nos tempos de escassez dessa pandemia.
A sabedoria cristã sabe que existem interesses egoístas pautadas no pecado original, cheios de vaidades próprias do capitalismo (Weber, 1967), mas entre os inacianos temos os princípios evangélicos deixados por Jesus Cristo, a solidariedade, a igualdade e a liberdade que as repúblicas democráticas teriam o dever de criar, para mais amar e servir. Contudo, o capital sequestra os Estados nacionais, entre eles o Brasil, e estamos num processo de concentração de renda e de privilégios para os bancos, militares, políticos e o judiciário sem precedentes.
Viver acomodado é escandaloso porque fere a dignidade dos mais pobres, por isso urgente é procurar a vontade de Deus sempre, diante de todas as ações. Salutar é perguntar sempre: E nós? Comprar isso é necessário, eu preciso, ou eu quero por vaidade? Como podemos gastar fortunas com armas, com tráfico de drogas etc, quando tantos passam fome, enquanto venezuelanos, haitianos, etc, estão sem casa?
Por outro lado, os lixos que produzimos enquanto humanidade, poluem o mundo e impedem o bem viver porque colocam tanta coisa fora do lugar. Por isso, o cuidado com as coisas e as pessoas exige de nós evitar o desperdício, mas não só isso, exige de nós viver com simplicidade, esse parece ser o sinal dos tempos que urge para a vida da Igreja. Mas vamos ter que pensar para além da reciclagem: evitar produzir lixo. E o mais desafiante é reciclar as pessoas, curar os abusados, os viciados nas drogas do nosso tempo, com beleza e Amor profundo, o que nos inspira o Espírito Santo.
“À volta da religião stricto sensu, à volta dos seus dois grandes satélites, magia e divinação, flutua uma imensa massa informe, uma nebulosa, que é o sistema da religião popular, das superstições populares. [...] São noções muito vagas: sobre a excelência de determinado alimento, tomado em determinada hora; sobre as fórmulas que acompanham um espirro (‘Santinho!’) ou uma cuspidela. Ao lado da medicina conhecedora, medicina no homem-médico, a medicina popular ocupa um lugar respeitável.” (Mauss, 1972 p. 268)
Na primeira foto: Soilo Chue, Mestre Alois, o motorista Vando e Aloir Pacini, organizaram-se para arrumar o poço d´água na Vila Nova Barbecho e levar doações (05/05/2020). Na segunda foto: João Felipe em solidariedade com os Warao. (Fotos: Enviadas pelo autor)
Nesse tempo de corongo os desafios são enormes, não podemos voltar ao que era antes, uma sociedade que exclui, discrimina, onde milhões morrem de fome enquanto alguns esbanjam a maior parte dos bens do planeta terra[8]. Precisamos multiplicar de forma criativa os espaços de solidariedade e de superação do capitalismo e do clericalismo. Somente assim conseguiremos ser uma Igreja em saída, uma igreja sinodal e ministerial. O Papa Francisco faz isso ressoar discernidamente, e nos convida a repensar os nossos esquemas mentais e a nossa intervenção missionária e apostólica neste tempo de urgência profética, sempre atentos ao clamor dos pobres de Yahweh (anawin)[9]. Na carta de 25 de março de 2020 à Companhia de Jesus, o Padre Arturo Sosa, sJ enquanto Superior Geral, fala dos instrumentos para o cuidado da missão-vida:
“... a conversação espiritual e o discernimento em comum. Deles devem participar todos os atores da missão. A conversação espiritual, na medida em que se converte em nosso modo habitual de intercâmbio nas comunidades e obras apostólicas, prepara para o discernimento em comum, como modo habitual de tomada de decisões na vida-missão da Companhia. A conversação espiritual supõe escuta atenta de si mesmo e dos demais. É uma escuta do Espírito, que nos fala em nossa experiência de partilha [...]”
Esse apelo para a solidariedade no nosso tempo tem que ser pensado primeiro para dentro da Igreja para depois se proposto para a sociedade como um todo, pois temos uma parte da igreja que gostou dos privilégios, não se importa em gastar fortunas com paramentos litúrgicos enquanto o irmão(ã) está passando fome, ao lado. Uma sociedade como a nossa precisa do testemunho dos consagrados, profundamente proféticos também no cuidado da casa comum, pois o que acontece comigo, com a árvore, com o rio também acontece com os filhos da terra. Temos esperança que muitos de nós vamos sair deste tempo de quarentena e isolamento social, convertidos, diferentes, mais humanizados, mais solidários com a dor do outro, do planeta terra, por isso mais divinizados também.
Xavantes recebendo auxílio. Vanderlei com a camiseta
da FEPOIMT, Wellington Meritoro (Boe, casado com
a Chiquitana Terezinha Ramos) e o cacique Mariano.
(Foto: Enviada pelo autor)
No dia 07/05/2020 foram entregues para a aldeia Aldeia Nossa senhora das Graças em Barra do Garças do cacique Mariano 59 cestas básicas com mais 1 litro de leite cada a partir do projeto #sejamosluz intermediado por Wellington Meritoro, casado com a Chiquitana Terezinha, filha de seu Ito e Lucinda: Como são belas as mãos que oferecem cestas...
A situação dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, favelados e outras populações são as mais desassistidas e as que mais morrem nesse país[10]. De acordo com dados do Comitê Nacional Pela Vida e Memória Indígena, formado pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB), que atualiza todos os dias os casos de contágio e falecimento dos indígenas, os números crescem dia a dia. E a morte de índios disparou no Brasil, pois o corongo está se disseminando rapidamente entre as populações indígenas do Brasil, e as mortes causadas aumentaram mais de cinco vezes no último mês: começamos maio com 28 mortes entre indígenas e 236 mortes e 2.390 infectados de 93 etnias, no dia 6 de junho. O corongo já chegou às aldeias indígenas mais afastadas que estão com os serviços de saúde básicos mais precários. As cifras oficiais do governo brasileiro (através da Sesai) estimam o número de indígenas mortos somente as ocorridas em terras indígenas, mas não daqueles que estão nas cidades[11].
Mas os indígenas também morrem nas cidades e no interior das florestas para onde buscaram fugir desse mal. Por exemplo, Manaus tem 30 mil índios de diferentes povos, com 91 mortos nos 29 povoados atingidos. Esta e outras capitais ou cidades maiores recebem de todo o Estado os doentes mais graves.
O governo atual tem flexibilizado todo tipo de invasões das terras por fazendeiros, garimpeiros, madeireiros, usinas hidrelétricas etc. e o corongo vem junto, e a fragilidade dos povos indígenas no bioma amazônico já está aparecendo com o drama do contágio. O corongo conseguiu parar tantas atividades, mas não conseguiu parar o desmatamento na Amazônia. Os dados mostram que chegou até a avançar, os garimpos e invasões das terras indígenas, especialmente os que matam os Yanomami, ou seja, mais de 20 mil garimpeiros ali levam para a floresta a xawara, como os Yanomami chamam a pandemia. E, das 58 pessoas que morreram em Tabatinga, no Alto Solimões, treze eram indígenas Kokama e Tikuna. Na maioria das vezes, doentes e mortos na floresta não sejam incluídos nas estatísticas porque não há como saber a causa das mortes[12]. Assim, um dos povos mais afetados é o Kokama, do Amazonas, que já perdeu 51 pessoas, entre eles, nove lideranças[13].
Não é de se duvidar dos cálculos que o governo faz para tornar rentável a morte dos idosos, dos enfermos, indígenas, negros e pobres... A desigualdade social entre ricos e pobres é a maior corrupção que nós temos que combater insistentemente, o casamento perverso de um governo com as elites para tirar o direito e a vida dos pobres. Apesar da morte ser o objetivo desse tipo de governo, uma corrupção moral que está na forma de olhar para o seu povo que gera um fanatismo que incentiva o uso de cloroquina como mágica, mesmo que esteja comprovado que não cura, mas tem mais contraindicação, os indígenas insistem na humanização da morte com a exigência de cumprirem com os rituais prescritos culturalmente e patrocina a morte.
E a morte com a pandemia do corongo está recolhendo de forma mais dramática as pessoas maiores, os troncos que sustentam as árvores e são os sábios das comunidades, guardiões dos conhecimentos tradicionais que precisam ser reconhecidos como pessoas de grande importância para suas etnias, algo diametralmente oposto que vemos na política genocida do governo que observa essas epidemias como uma forma de “reduzir” o suposto déficit previdenciário, como mencionou a assessora do Ministro da Economia que “comemora mortes de idosos por coronavírus” em 26 de maio de 2020[14]. Outro exemplo são os Xikrin no Pará que estão sofrendo, porque o chefe Bep Karoti, de 64 anos, morreu de Covid-19 no dia 31/05 no vilarejo de Cateté, que fica a oito horas de carro da cidade mais próxima com UTIs. Ali vivem 900 indígenas e tem mais 54 casos confirmados de Covid-19 e cinco mortes até agora. A mais recente é de uma criança que morreu na manhã do dia 3/06[15]. Tudo começou com um corpo de uma mulher que foi devolvida para a sua aldeia ensacada no plástico, mas dentro do caixão lacrado com indicação do corongo. Mesmo que houvesse indicação para não tirar o corpo dali, os Xikrim tiraram a mulher daquele plástico e fizeram o ritual fúnebre próprio. As informações não oficiais indicam que os Xikrin já possuem 200 infectados. Por isso, o cacique Raoni Metuktire, que também é da grande família Kayapó (Jês), percebe que o presidente Jair Bolsonaro se aproveita da pandemia para "eliminar” os indígenas[16].
Infectado pela Covid-19, o cacique Ninawa, da tribo Huni Kui (Acre), também teme o avanço da doença entre seu povo. Isso não é progresso nenhum, mas uma corrupção na alma humana, uma incapacidade de sentir a dor do outro[17]. E daí? O tempo da burocracia leva as pessoas a morrerem na mingua, nas filas dos hospitais, nos processos de distribuição de cestas básicas que levam mais de mês até que cheguem aos famintos. As lideranças indígenas falam que a Funai e o Ministério do Meio Ambiente são instituições de Estado[18], não podem ser reféns de um governo e muito menos podem ser utilizados para fins contrários aos quais foram criados. Estes órgãos dentro do governo devem defender os indígenas e o meio ambiente, não o contrário.
Por isso, aqui procurarei mostrar a complexidade do contágio do corongo entre os indígenas a partir de detalhes relacionados ao viés dos ritos funerários, pois cruel demais é a morte que não permite a despedida, morrer sozinho numa UTI e depois a família ficar sem poder velar. Como vemos nos noticiários é triste ver os corpos jogados em valas comuns. Isso tem assustado de modo muito particular aos indígenas, mais que o medo de serem infectados.
Talvez por causa de traumas com outras epidemias[19], eles possuem verdadeira aversão a essa possibilidade. Se acaso falecerem, não querem dispensar os rituais. E fazem seus protestos pelo direito de enterrar seus mortos, como no Copiô, Parente Episódio 147[20]. Quando os parentes são sepultados sem identificação étnica na cidade, os caixões seguem lacrados para as aldeias a fim evitar a contaminação na aldeia, uma vez que o corpo falecido continua transmitindo o corongo vive-se um drama. Faz-se necessário estabelecer longos diálogos entre os agentes de saúde (Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI e Distrito de Saúde Especial Indígena - DSEI) e as lideranças das comunidades para a negociação a respeito da manutenção dos costumes e tradições que devem ser cumpridos da melhor forma possível para o sepultamento, mas de maneira adequada para não contaminar a comunidade. Quando o diálogo é difícil, pede-se a intermediação do Ministério Público ou outras pessoas de confiança das comunidades indígenas. A adesão aos protocolos de segurança para que sejam usadas medidas técnicas possíveis a fim de garantir os procedimentos por parte da SESAI tem que levar em consideração o alto índice de emoção envolvido no caso de falecimento.
As concepções indígenas sobre saúde e doença e os procedimentos recomendados pelos serviços de saúde e a prática da quarentena são diferenciados em cada etnia, mas não pode ser “meia-boca”! Por outro lado, o uso de equipamentos de proteção individual, o envolvimento de menor quantidade de pessoas nesse momento de dor e outros protocolos que devem ser observados, parecem de difícil observância dadas as tradições indígenas que são intensamente comunitárias, apesar de variar em cada etnia, pois cada uma tem seu próprio rito.
Um dado que é importante considerar é que a mortalidade pelo corongo entre os indígenas chega a ser o dobro em comparação com a restante da população. O fator determinante é a curta memória imunológica destes, mas também por causa das precárias condições em que vivem, especialmente nas periferias das cidades. Nas aldeias, apesar das barreiras sanitárias feitas pelos indígenas, os invasores aproveitam a pandemia para avançar no território, vendedores ambulantes entram e a disseminação do corongo avança implacavelmente.
Existem, por outro lado, no meio dessa pandemia, um esforço dos pajés para criar novamente o equilíbrio. A morte tende a ser domada ou domesticada culturalmente, mesmo quando chega traiçoeiramente por acidentes, ou de forma selvagem, como no caso do corongo. As culturas lidam de forma diferente com a morte, mas zombar da morte dos outros como faz o governo Bolsonaro, é próprio de quem trata o índio, o negro, o pobre (em síntese, o povo) como um inimigo a ser eliminado.
Quando pode-se preparar a morte com certo tempo maior, parece que a aceitação chega. Entre os Bóe (Bororos) e Apiakás daqui do Mato Grosso que possuem sepultamento provisório e depois de um tempo o ritual definitivo, pode-se pensar etapas adequadas para os rituais. Contudo, não apaga a compreensão que a morte é fruto da ação do inimigo, o bope (Novaes, 2006)[21]. Algo que deve ser vingado com a morte de uma onça, para restabelecer o equilíbrio e reconfigurar o mundo. Sem pensar na teoria da conspiração, foi por ali que o governo iniciou a distribuição das cestas básicas, pois os Bóe (Bororos) são inimigos dos Xavante.
Queremos refletir a respeito do primeiro caso de óbito entre indígenas em Mato Grosso em Água Boa (nordeste do Mato Grosso) no dia 11/05, um menino com 8 meses de idade. Esse caso ficou polemizado, pois a própria comunidade fez um documento para afirmar que não foi acometido de corongo, e uma motivação aparece para justificar: queriam fazer os rituais pertinentes. Contudo, as notícias confirmam essa causa mortis[22]. Depois surgem as alternativas de contaminação, como um jogo estratégico no caso de preparar uma guerra. Uma possibilidade de contágio foi o torneio de futebol que aconteceu entre os Xavantes, a maior etnia do Mato Grosso com uma população de cerca de 22 mil pessoas, e que teve muita gente envolvida das prefeituras[23].
Outra notícia é que um tio pode ter infectado a criança[24]. Elídio Tsorone Paridzane, filho do Cacique Damião Paridzane fez um áudio, enviado no dia 20/05/20 afirmando que a morte não era culpa dos pais da criança, mas das enfermeiras que levaram para o hospital, pois sangrou muito, quando colocou sonda, entubou. “Eu estou informando e, em cada aldeia de manhã nós fizemos reza, reza. Fizemos oração, essa é a nossa protegida, essa é a nossa ajuda, de Deus. Muito obrigado. Eu já recuperei também.” (transcrição minha de parte do áudio).
Depois, no dia 26/05/20, o jornal online Água Boa News, fez uma matéria longa com o Cacique Damião Paridzané sobre o mesmo tema. E foi possível captar informações importantes. O bebê morava na mesma casa com os pais, a irmã de um ano meio, os avós maternos e seis tias, na aldeia Marãiwatsédé, que deu o nome à terra indígena[25]. Antes de ser levado ao médico, o bebê foi tratado com medicamentos tradicionais e feitos os rituais de cura para ele. Damião contou que o pai do seu neto, não permitiu que ele fosse retirado da aldeia, em diferentes ocasiões. Então o avô interveio para deixar levar ao hospital: “A avó dele disse que ia tratar com medicamento natural. Isso é muito popular em nossa cultura, de tratar os doentes com remédio natural; tanto que o meu neto ficou bom por um tempo. Ele curou, mas logo depois adoeceu de novo com febre”[26].
Essa reportagem no dia 26/05/20, “Líder do território Marãiwatsédé relata dor e desespero sobre a morte do neto pela Covid-19, no Mato Grosso”, acaba confirmando o ocorrido com o bebê. Damião Paridzané, o cacique geral da Terra Indígena Marãiwatsédé (território com 1057 pessoas em nove aldeias), contou que nos últimos anos perdeu seis netos por várias doenças como diarreia e desnutrição, por isso diz: “Isso foi uma gripe. Estava tossindo, com febre, desnutrição e diarreia.” Segundo a SESAI, do Ministério da Saúde, que informou, através de uma nota, que faz uma investigação para saber como o bebê foi infectado pelo coronavírus: “foi identificado sinais de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e amostra nas orofaríngeo, por método RT- PCR, foi coletada e encaminhada ao Laboratório Central de Saúde Pública de Mato Grosso (LACEN), em Cuiabá, que apresentou resultado positivo para Covid-19, no dia 18 de maio”. Assim, o bebê possuía quadro de desnutrição e desidratação moderada e os exames confirmaram os sinais da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e foi entubado[27]. Essa foi a primeira morte pelo corongo entre indígenas no Mato Grosso. O cacique que é avô paterno destacou que o funeral do bebê foi realizado conforme a tradição Xavante. “Recebi o corpo dele só a noite, umas 19 horas. Abri o caixão pra ver a cara do meu neto e vi que tinha sangue seco no nariz e na boca dele. Fiquei muito chateado, pois a sonda eu acho que não precisava colocar. Falam que é para alimentar ou para a respiração, mas ele era muito pequeno pra isso”[28].
Existem alguns fatores de risco que devem ser levados em consideração: alto índice de diabetes e hipertensão, o modo como os Xavantes organizam-se nas aldeias, com as casas muito próximas umas das outras, somada à quantidade elevada de pessoas em cada unidade residencial, o que facilitaria a propagação do coronavírus. Mas o mais importante é a índole guerreira dessa etnia, pois os Xavantes possuem uma confiança impressionante de que se se pintarem com o urucum e praticarem seus rituais de cura tradicionais, não pegarão o corongo. Os rituais para incentivar a pessoa a entrar numa guerra funcionariam como uma espécie de vacina, pois foram estes rituais que permitiram a sobrevivência dos que não morreram com o sarampo, gripes, catapora, malária etc. Por outro lado, existe um verdadeiro desprezo pela saúde ocidental que não foi capaz de evitar epidemias no passado dessa etnia e o erro foi entubar o menino.
No dia 29/05/2020 nova notícia de COVID-19 na Terra Indígena Marãiwatsédé, agora o avô materno (Rogério), com 61 anos, foi atendido na no dia 27/05/2020 no Hospital Regional de São Felix do Araguaia. A Secretaria de Saúde informou que o quadro de saúde do paciente é estável, apresentando tosse e leve cansaço no momento da avaliação, não necessitando de internação hospitalar, foi realizado “exame de imagem e exames laboratoriais”, disponibilizado medicação para uso domiciliar e orientado o acompanhamento aos profissionais de saúde do DSEI/Xavante, que atuam dentro da aldeia. Como o próprio cacique Damião Paridzané também encontra-se com a saúde debilitada devido a problemas respiratórios, parece que os avós do falecido são casos confirmados de contágio, mas estão vencendo a doença, pois estão sendo assistidos na aldeia central, onde existe um polo base que atende cerca de 600 pessoas. E a criança que foi para a cidade e foi entubado sem o consentimento da família, perdeu o contato vital com sua comunidade, por isso teria morrido.
Até o dia 29 de maio de 2020, todos os casos que testaram positivo para Covid-19 entre indígenas de Mato Grosso são Xavante, três da Terra Indígena Marãiwatsédé e parecem ter relação com o óbito do bebê, que foi sepultado na aldeia sem que equipe de saúde indígena ou parentes tenham sido informados adequadamente sobre a causa da morte, pois só fora confirmada depois do enterro. O fato de indicar ser uma “suspeita do corongo” ou o “caixão ser lacrado” é provocar a índole guerreira do cacique ao desafio. E o documento que os Xavante fizeram para mostrar a sua forma de ver o caso, a análise que fizeram indica que a criança não morreu por causa do corongo. Com isso parece também que conta o presidente do Brasil para levar mais indígenas e os idosos para os cemitérios, e assim liberar suas terras para a colonização e melhorar o desempenho da Previdência: os casos em geral não são testados e quando são testados, o resultado somente sai depois que a pessoa foi sepultada. O outro caso é de uma mulher Xavante infectada que tratou-se em Barra do Garças e passa bem. Cada história pode ser pesquisada e contada aos detalhes e vai se enraizando e ganhando corpo na vida de suas etnias nessas terras do Mato Grosso e do Brasil.
Crisanto Rudzö Tseremey’wá, Xavante, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) desde 2018, critica a falta de articulação entre os poderes nas estruturas do Estado e a falta de um plano de enfrentamento da Covid-19 nas terras indígenas. Contudo, vimos acima que muitas iniciativas estão acontecendo em favor dos povos indígenas. Um grande mutirão para o Mato Grosso foi montado[29] e a ideia de entregar as 24 mil cestas básicas, álcool em gel e máscaras seria para que os indígenas não precisem sair das aldeias. As doações serão feitas em parceria com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), a Funai, o Cimi e a OPAN, com os procedimentos adequados de desinfecção. A distribuição começou por Rondonópolis como um palanque de campanha política, com os caminhões enfileirados para aparecer nos noticiários em vez de disponibilizar nas redes de abastecimento locais que são mais eficientes. A dificuldade está que esses caminhões não conseguem chegar na maioria das aldeias e depois saber como distribuir. 340 núcleos familiares entre os Bóe (Bororos) já receberam as cestas básicas.
“Para mim, a Covid-19 não é diferente da varíola, do sarampo, da gripe e da caxumba, que mataram muitos dos meus irmãos. Não queremos outro genocídio” diz Crisanto Rudzö Tseremey’wá[30]. A Operação Amazônia Nativa (OPAN) publicou um estudo com recomendações ao poder público e alerta para a grave situação na atenção à saúde dos Xavante: cada polo base de saúde indígena que atende os Xavante é responsável por 3.572 pessoas e a disponibilidade de cada Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), no DSEI Xavante atende 2.167 indígenas. “Os funerais tradicionais também são, conforme aponta o estudo, um aspecto sensível da cultura Xavante no contexto de pandemia, que deve ser levado em consideração na construção de estratégias de conscientização e prevenção ao coronavírus”[31].
Melhor é evitar que o corongo chegue nas aldeias, nas nossas casas e cidades, pois os dramas são enormes em cada pessoa que parte. Mas também para muitos casos de tratamento com êxito, existe uma luta pela vida que deve ser contada. Hoje são 5 casos de corongo confirmados em Marãiwatsédé. Em Campinápolis e outros municípios os Xavante são grande parte da população dos municípios e os mais fragilizados com a pandemia. Existem dois casos notificados dessa etnia no Hospital Regional e, segundo informações, tem 3 profissionais da equipe que atende em área que também foram infectados e 2 profissionais de saúde testaram positivo. A doença se espalha de forma invisível sem ser rastreado pela maneira como estamos tratando essa pandemia. A contar pelas manifestações da reunião ministerial (22/04/2020) e outras do atual presidente, não há nenhum interesse de conter a epidemia; a ideia seria contaminar o mais rápido possível de pessoas para ver se criamos imunidade, uma escolha que custa milhares de vidas humanas, mas sub-repticiamente libera as terras indígenas para a invasão e exime a Previdência do pagamento de aposentadorias para todos os que faleceram. Quem faz apologia das armas, tem no coração o ódio e deseja a morte dos outros, não quer adiar o fim do mundo, mas o precipita.
Por outro lado, o fato de viver na cidade não significa abrir mão de ser indígena, mas em geral a assistência à saúde dos indígenas somente reconhece os que estão nas aldeias rurais. Afirmam as dificuldades para o atendimento diferenciado aos indígenas na cidade por não ter como reconhecer quem é indígena na cidade. Contudo, as lideranças os conhecem e sabem exatamente quem são essas pessoas, por isso incluem a todos na lista dos falecidos e exigem que sejam tratados e sepultados, quando vierem a óbito, com essa identificação.
O direito de enterrar seus mortos parece que ficou como a forma dos indígenas conseguirem dizer algo para a nossa sociedade. Mas eles têm dificuldade de compreender os casos graves que exigem UTI e as formas do isolamento dos infectados etc. Os costumes indígenas de viverem de forma intensamente comunitária nas suas aldeias e outras circunstâncias encontram soluções por vezes muito complexas. Por exemplo, existem casos das pessoas se isolarem mais para dentro das florestas. Quando possuem território demarcado parecem mais seguros ali, mas em muitas circunstâncias ficam mais vulneráveis, sem notícias. Contudo, claro que os casos mais graves são os que vivem expostos ao extremo aos contágios como as aldeias de Dourados muito próximos da cidade, e grande concentração de pessoas, 3 mil Guarani em 300 hectares, por isso exigem ação intensa dos órgãos públicos nesse momento de crise epidemiológica. Ali os casos de coronga tiveram na casa de retiro da Diocese um lugar isolado para se tratarem.
Finalmente, um alerta do Papa Francisco: aprendemos que não vamos nos salvar sozinho. Que a gente use essa pandemia para voltarmos diferentes e aprenda que cada vida humana é valiosa com os povos indígenas que estiveram aqui nesse Brasil antes de nós e possuem ensinamentos para toda a humanidade. Vamos precisar de cada um e de todos. Não podemos chegar ao extermínio dessa experiência humana por causa de sua predação capitalista. Solidariedade é a escolha que fazemos no seguimento de Jesus Cristo. O momento dessa publicação, é urgente, pois estamos numa calamidade pública no Brasil que parece não parar como uma tempestade, e não podemos ficar calados.
Notas:
[1] Esse texto é fruto da partilha pastoral na equipe de solidariedade Chiquitana e na paróquia do Rosário e São Benedito que pensa ações para auxílio nesse tempo do “corongo” para os indígenas, venezuelanos (Warao também), haitianos etc. Usarei esse jeito popular de falar que ficou popularizado depois que uma pessoa em situação de rua assim se expressou e viralizou na internet, ou “mamonavírus” como expressou-se Jandira, com humor, como se tivéssemos dado um apelido para o “bicho” que nos assola. Essa mentalidade que atribui uma agência também aos vírus é própria dos indígenas. Para mais informações acessar aqui.
[2] Disponível aqui.
[3] Em 1962, o líder da liga camponesa de Sapé (PB), João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem de latifundiários. Um filme sobre sua vida começa a ser rodado em 1964, com a reconstituição ficcional da ação política que levou ao assassinato e direção de Eduardo Coutinho. As filmagens são interrompidas pelo Golpe Militar de 1964. Dezessete anos depois, em 1981, Eduardo Coutinho retoma o projeto e procura Elizabeth Teixeira e outros participantes do filme interrompido. Disponível aqui.
[4] Constituição Apostólica Veritatis Gaudium.
[5] Não por acaso que Santo Inácio de Loyola tenha como lema de vida que deixou para os jesuítas: tudo para a maior glória de Deus. Na língua espanhola ou mesmo nas culturas indígenas, os idosos não são velhos, são os maiores, possuem o máximo de respeito e consideração pelo bem que já realizaram, pela herança que nos deixaram. Não existe enraizamento a postura do governo brasileiro pensar que morrer os idosos ou já enfermos nessa pandemia pela qual passamos, seja algo de somenos importância.
[6] “Mana quer dizer autoridade, ao mesmo tempo que coisa espiritual: é mana a coisa ou o espírito que exerce um poder sobre o indivíduo, esse espírito é considerado um pouco material. Ideia que nos parece contraditória porque chegamos à noção de contradição entre o espírito e a matéria; mas é preciso pensar que o conceito de matéria nem sempre existiu.” (Mauss, 1972 p. 221).
[7] Nessa visão do mundo ou do meio ambiente, o corpo do antropoceno que nos cerca sofreu enorme impacto pela maneira depredadora da espécie humana, ou seja, o mundo que criamos está mudando a nós mesmos, somos um processo de interações intensas sem que tenhamos a total consciência disso, algo que se torna mais visível no contexto da pandemia sem precedentes pela era das tecnologias e da cibercultura, como já nos alertava o filme Matrix.
[8] Uma outra ação concreta é conseguir que Pedro Tomichá cumpra sua pena no sistema semi-aberto, no caso, o mais adequado, na sua própria aldeia pois o sistema carcerário é a criminalização da pobreza, dos negros e indígenas e estes, quando presos são os mais vulneráveis nas cadeias públicas.
[9] O Deus revelado por Jesus Cristo é comunhão e Amor trinitário: Deus Pai, Filho e Espírito Santo, sempre atentos ao clamor dos pobres de Yahweh (anawin), por isso não comunga com o Deus da morte (moloc) propagado por Bolsonaro, uma idolatria que exige o sacrifício de vidas dos índios, negros etc. (o holocausto). Disponível aqui.
[10] Também temos a maior taxa de profissionais de saúde que vão a óbito nessa pandemia. Vimos pelos meios de comunicação como eles trabalhavam no hospital de Manaus com pacientes vivos que passavam ao lado de mortos. Quando vamos para as casas mortuárias ou aos cemitérios encomendando as pessoas a Deus para que seus corpos descansem em paz, percebemos também o serviço ariscado dos coveiros, trabalhadores da limpeza, domésticas, guardas etc. que vivem com mais estresse por causa da multiplicação de sepultamentos e pelo fator de risco que estes serviços proporcionam.
[11] Na região Pan Amazônica são mais de 5 mil indígenas contaminados por Covid-19 e 548 parentes mortos de 93 etnias até o início de junho de 2020. Acesse o boletim completo da @Coica sobre o impacto da Covid-19 nos povos indígenas da bacia amazônica aqui. #COICA #PovosIndigenas #Amazonia #coronavirus #QuarentenaIndigena
[12] A subnotificação tem que ser levada em consideração em todos os ambientes. “Em meio à pandemia do novo coronavírus, a quantidade de mortes por doenças respiratórias explodiu no Brasil. O número de óbitos em decorrência de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) no Brasil cresceu 20 vezes em relação ao ano passado, de acordo com as declarações de óbito registradas nos cartórios do país [...]. A comparação foi realizada no período de 16 de março —quando houve a primeira morte por covid-19 no Brasil— e 3 de junho. Em 2019, foram 349 óbitos que tiveram SRAG como causa registrada. Neste ano, já são mais de 20 vezes essa quantidade: 6.994 mortes” Disponível aqui.
[13] Existe subnotificação dos casos e o sistema imunológico não é adaptado para Covid-19.
[14] Disponível aqui.
[15] Disponível aqui.
[16] Disponível aqui.
[17] A morte é uma dor que demora para curar, não é estatística, tem história para cada pessoa e etnia. Antigamente as pessoas morriam em casa e tinham a possibilidade de se despedir de seus parentes e a família percebia a grandeza do encontro com o Criador e a finitude da existência aqui na terra. Isso no mundo indígena continua como exigência vital para as pessoas.
[18] O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou na reunião ministerial (22/04/2020) o que é a visão do governo atual: "Odeio esse termo, odeio, não tem existir esse negócio de povos, tem que ser só um, povo brasileiro, tem que acabar com esse negócio de povos de privilégios". Para isso, eliminar as diferenças aparecem como solução do problema, um etnocídio anunciado dado que são 305 etnias no Brasil. As falas dessa fatídica reunião mostram que o governo arma os fazendeiros para terem como invadir e tomar as terras dos pequenos, dos indígenas, mesmo que indiretamente, pois o ministro do meio ambiente estrategicamente busca formas de burlar a legislação ambiental para devastar os biomas no Brasil, especialmente a Amazônia.
[19] Os dados etnográficos indicam que os povos indígenas já passaram por várias epidemias nos últimos 500 anos, o que dizimava grande parte de suas etnias em diferentes momentos da nossa história e deixava traumas que reaparecem. Quando compreendem a forma como são transmitidas as doenças, são capazes de deixar de proceder as tradições em vista de não contaminar os que ainda estão vivos. Em geral, as comunidades esforçam-se para observar seus costumes e tradições agora combinada com a interdição dos órgãos de saúde, para que sejam pensadas algumas soluções e assim fazer um rito seguro para todos.
[20] Disponível aqui.
[21] Os conhecimentos encorporados pelas tradições indígenas são diversos e vão mudando somente lentamente, com o tempo. “No Credo, ou antigo cânone romano, o inferno designa a morada tradicional dos mortos, antes lugar de espera do que de suplício. Os justos ou os resgatados do Antigo Testamento ali esperaram que Cristo viesse depois da morte libertá-los ou despertá-los. Foi mais tarde, quando a ideia de Julgamento prevaleceu, que os infernos se tornaram para toda uma cultura o que tinham sido exclusivamente para casos isolados, o reino de Satanás e a morada dos danados.” (Ariès, 1989[1977] p. 28).
[22] Disponível aqui.
[23] Disponível aqui.
[24] Disponível aqui.
[25] Marãiwatsédé é uma das terras indígenas mais desmatadas da Amazônia Legal, com a devastação de quase toda a vegetação nativa para transformar em pasto no período em que os Xavante foram expulsos, depois de sucessivas epidemias, em 1966. Isso compromete a saúde e as atividades tradicionais de agricultura, caça, pesca e coleta. Também trata-se de cruzamento das rodovias BR-158 e MT-424/BR-242 sem nenhum tipo de barreira sanitária, o que expõe os indígenas ao contágio.
[26] Disponível aqui.
[27] Após sete dias do sepultamento, a SESAI comunicou que as amostras naso orofaringe enviadas ao LACEN, “apresentaram resultado positivo para Covid-19”. O teste foi confirmado positivo pelo método RT-CR, que identifica o corongo no organismo através de secreções respiratória.
[28] Disponível aqui.
[29] Disponível aqui.
[30] Disponível aqui.
[31] Disponível aqui.
Referências:
ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte. Francisco Alves. Vol. I. 1989[1977].
PACINI, Aloir. Chiquitanos e a busca pelo território. 2012. IHU ON Line – Entrevista periódico Famaliá. Disponível aqui. Acessado em 04 de Abr. de 2013 (ISSN 1981-8769).
PACINI, Aloir. Um artífice da paz entre seringueiros e índios. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2015.
PACINI, Aloir. Um artífice da paz entre os Rikbaktsa. EdUFMT, Cuiabá: 2019.
PACINI, Aloir. Kaimen. O bem-viver Wapichana. Tellus ano 19, n. 38, jan./abr. 2019 p. 181-211. Disponível aqui.
NOVAES, Sylvia Caiuby Funerais entre os Bororo. Imagens da refiguração do mundo Rev. Antropol. vol.49 no.1 São Paulo Jan./June. 2006. Disponível aqui.
MAUSS, Marcel. Manual de etnografia. Tradução Maria Luísa Maia. Editorial Pórtico. Lisboa: 1972.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Pioneira. São Paulo: 1967[1905].
Vídeos (Youtube): Manoel Chiquitano Brasileiro; Kiwxi: Memória, Martírio e Missão de Vicente Cañas; Curar com os Espíritos (Bem viver); Disponível aqui.