"No pedido excessivamente insistente da Eucaristia, muitas vezes há uma fé sincera ... mas não madura. Enquanto isso, é necessário lembrar a todos que o Senhor está realmente presente com seu Espírito entre os que estão reunidos em seu Nome", escreve Francesco Cosentino, professor de teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, em artigo publicado por Settimana News, 01-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A história dos dois discípulos de Emaús, que encontramos no terceiro domingo de Páscoa, é uma pincelada extraordinária do evangelista Lucas, uma das mais belas histórias jamais contadas. De qualquer perspectiva que você olhe, é uma página de revelação, que fala à nossa vida.
Aqui se pode fazer um exercício "interdisciplinar", que nos ajuda a não reduzir a integridade da mensagem cristã, reduzindo-a apenas ao espírito ou ao humanismo. Aqui temos apenas o que o Evangelho sabe fazer: manter juntos. Fazer emergir o simbólico, ou seja, habitar o lugar que une o homem e Deus, a rua e a casa, a Palavra e o Pão, a vida e o culto. Um caminho sem a companhia de Jesus torna-se uma trilha de decepção e amargura, assim como uma Eucaristia sem encontro na vida torna-se um rito estéril.
E, no contexto de Emaús, consuma-se uma dialética que, em vez disso, assume outros contornos, outras nuances e outros tons. Aparece uma conferência de imprensa e, ao mesmo tempo, um comunicado de imprensa da Conferência Episcopal Italiana, protestando contra a impossibilidade de poder retomar a missa dominical.
A questão puramente política precisa de competências específicas, ainda mais em uma fase dramática como a que estamos passando e que - também aqui - deve manter juntas perspectivas diferentes: os dados científicos sobre a pandemia, junto com os preocupantes dados da economia, a saúde dos cidadãos e suas condições familiares, sociais e de trabalho.
A questão eclesial, também. Sim, a fé é acima de tudo um encontro pessoal com Deus e, naturalmente, a partir dessa experiência, todos podem refletir, falar, discutir, se posicionar. No entanto, a improvável "ciência" da "tudologia” não ajuda; todos nos tornarmos virologistas, cientistas, economistas, políticos. Mas todos também nos tornamos teólogos, que explicam o que o Evangelho realmente diz, por que o papa é um herege, por que o Concílio Vaticano II vendeu por ninharia a Igreja ao mundo e assim por diante ... Mas as "palavras da fé" não estão todas do mesmo plano, dependendo se quem as pronuncia tem autoridade do ensinamento teológico ou magisterial que pertence aos bispos e ao papa.
Então, vamos parar e buscar a competência teológica. A teologia tem algo a dizer sobre a dialética que se abriu sobre a retomada das celebrações litúrgicas e pode fazê-lo recorrendo ao Evangelho.
Os dois discípulos voltam para casa com o semblante triste e amargura no coração, após os eventos da morte daquele que acreditavam ser o Messias. Jesus simplesmente se coloca ao seu lado e caminha com eles. Como um pedagogo que acompanha os passos lentos de sua história ferida, Ele os coloca na condição de trazer à luz sua angústia; não toma a iniciativa, não os assusta com uma presença intrusiva, mas simplesmente abre seus sentidos e olhos. Somente depois, com a espada de dois gumes das Escrituras, entra nas frestas de seu relato, trazendo luz e explicando seu significado. E somente quando o trecho da estrada já está adiantado, ele parte o pão para eles.
Percebo nisso um ensinamento evangélico e teológico importante em três pontos:
- O culto inclui a vida ou não é culto. Imersos na vida de Cristo e tendo recebido o dom do Espírito, podemos viver a experiência do encontro e fazer amizade com Ele.
Aqui entendemos a diferença substancial da fé cristã: não é uma questão de moral, de ética, de uma filosofia, nem mesmo de uma prática de culto, mas, como Ratzinger afirmava, "do despontar de uma relação".
A relação implica a totalidade da vida: mente e coração, palavras e silêncio, trabalho e contemplação, domingos e dias da semana, oração explícita e aquela que se expressa nas lutas e esperanças de todo dia: o Templo eclesial é a expressão encarnada daquele templo de Deus que, acima de tudo, somos cada um de nós.
Se o encontro não acontece nas amarguras e nas alegrias da vida, como para os discípulos de Emaús, de nada vale multiplicar os ritos. Lucas nos oferece o Deus que caminha conosco, que transforma a vida em liturgia, para que a liturgia se transforme em vida: os discípulos são os primeiros a serem "tomados" em sua amargura, de alguma forma "quebrados" em suas tolice e dureza de coração, abençoados pelo fogo da Palavra e nutridos pelo pão, oferecidos para o anúncio do Evangelho e a causa do Reino.
A liturgia presidida por Jesus parte da vida, reúne a vida, transforma a vida, de modo a permitir que os dois reinterpretem o evento e invertam o curso, retornando a Jerusalém. Portanto, o culto cristão não é sinônimo de "missa dominical". A Eucaristia é fonte e cume, ou seja, gera, nutre e expressa publicamente o culto cristão, mas ser cristão significa adorar o Pai em espírito e verdade, ser um templo vivo de Cristo, colocar o homem no centro, em vez da estéril observância do preceito, viver uma relação com Deus que integre a totalidade da vida. Uma liturgia da vida e para a vida.
- A ação pastoral é maior que a missa: devemos retomar a ação pastoral após a suspensão das liturgias eucarísticas. No entanto, a ação pastoral nunca parou porque não se resume à missa dominical.
Aqui também, a Eucaristia é uma fonte e cume, mas isso significa que produz, compreende e leva a cumprimento uma ampla gama de atividades que correspondem à ação da Igreja, o anúncio da Palavra à catequese, até as obras de caridade.
Essas atividades foram de alguma forma impedidas em relação à sua realização pública; no entanto, não apenas continuaram como antes, mas também foram veiculadas com maior criatividade e por meio de iniciativas que, através das redes sociais, conseguiram criar uma rede de conexão inclusive mais ampla.
- A Igreja não é uma instituição política: quanto à sua dimensão, por assim dizer, terrena entende-se que a Igreja assume o perfil de uma instituição, que deve se estruturar visivelmente e habitar as dinâmicas do mundo em diálogo com as partes civis e políticas. Contudo, às vezes o perfil institucional e político toma o controle sobre aquele espiritual.
Mesmo a primeira catequese do evangelista Lucas à comunidade cristã, que tem o objetivo de apresentar a possibilidade de encontro com o Ressuscitado, não acontece no templo, na cátedra dos escribas e fariseus, mas na estrada. Não dentro de ritos, orações e sacrifícios oficiais, mas na angústia de dois corações em tumulto que experimentam a decepções, isto é, na vida concreta.
O mesmo gesto de partir o pão, que ocorre na casa, é precedido e seguido pelo caminho, fora dos muros de cada templo. Dom Tonino Bello deve ser lembrado quando falava de uma "Igreja que experimenta a dificuldade humaníssima da perplexidade. Que compartilha com os mortais comuns o mais doloroso de seus sofrimentos: o da insegurança ... que na praça do mundo não pede seu próprio espaço para poder se colocar. Não pede áreas para sua visibilidade compacta e ameaçadora ... Mas uma Igreja que compartilha a história do mundo”.
A pedagogia pastoral de Jesus, no caminho de Emaús, ainda hoje é desconsiderada: primeiro deveria haver a relação, o acompanhamento, o relacionamento de confiança, o encontro, a hospitalidade; depois a Palavra que - como o cardeal Martini afirmava - interpreta a vida fazendo arder o coração; somente depois o partir do pão.
Caso contrário, o risco é celebrar Eucaristias sem consciência, sem incluir a humanidade frágil e bela que somos, sem permitir que nossos corpos se encontrem com o Corpo, sem apresentar no altar as dificuldades de nossa vida semanal, do mundo e da história para que sejam transformadas e transfiguradas no pão eucarístico.
D. Libanori, bispo auxiliar de Roma, em uma carta dirigida ao Setor Centro, colocou o foco em uma reflexão que, em minha opinião, pode estimular argumentações interessantes para o debate teológico e pastoral do momento; em primeiro lugar: “Em tempos de emergência como o presente, a fé e a devoção devem encontrar novos caminhos ... As igrejas são importantes, mas no final são apenas ferramentas que esperamos poder ver em breve novamente animadas pelas comunidades em festa. A verdadeira Igreja, aquela feita de homens, agradecendo a Deus, pode viver mesmo sem igrejas, como aconteceu nos primeiros séculos e como ainda acontece em muitas partes do mundo".
Depois, o bispo afirma: “Aqui é necessário considerar de maneira honesta e respeitosa uma questão de significativa importância para nós pastores: isto é, se o protesto, mesmo veemente, contra o fechamento das igrejas é animado pela fé e não por uma religiosidade a ser purificada. Cuidado para não se deixar capturar pelo falso zelo ...
No pedido excessivamente insistente da Eucaristia, muitas vezes há uma fé sincera ... mas não madura. Enquanto isso, é necessário lembrar a todos que o Senhor está realmente presente com seu Espírito entre os que estão reunidos em seu Nome; está presente na Palavra e realmente continua a "nutrir" aqueles que a leem e meditam; o Senhor vivo se faz próximo dos pobres e necessitados. O Senhor está no próprio desejo dos sacramentos. Mas, acima de tudo, tem sua morada naqueles que observam seus mandamentos e compartilham seus sentimentos, sem os quais nem mesmo a comunhão frequente pode dar os frutos da vida eterna”.
Aqui não se admitem "tudologistas", que deem sua opinião. Espera-se que para essa visão teológica e eclesiológica, embora com diferentes sensibilidades, convirjam finalmente todos.