28 Abril 2017
“Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles” (Lc 24,15). O relato dos discípulos de Emaús revela-nos que o conhecimento de Jesus Cristo, a amizade com Ele, a inserção na comunidade dos seus seguidores(as) e o testemunho de sua ressurreição são progressivos.
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 3° Domingo de Páscoa (28/04/2017) que corresponde a Lucas 24,13-35.
Para conhecer o Senhor, é necessário caminhar com Ele, escutar longa e atentamente sua Palavra, deixar-se cativar por Ele, sentar-se à mesa com Ele e deixar que Ele parta e reparta o pão da vida.
E, depois de reconhecê-lo, é necessário realizar imediatamente o “caminho de volta” para a comunidade, para partilhar com os outros a experiência do encontro com o Senhor, professar juntos a fé comum e realizar as obras do Reino.
Lucas gosta de apresentar Jesus a caminho. No relato do Evangelho deste domingo, os termos “caminhar, caminho” aparecem no início, no meio e no fim. No livro dos Atos, a palavra “caminho” designará a identidade e o modo de vida das comunidades cristãs.
É essa experiência que, em última instância, muda nosso modo de pensar, de sentir e de agir. É essa experiência que nos converte em seus (suas) discípulos(as) e seguidores(as).
A graça de Deus pode nos atingir nos caminhos mais variados e inesperados: passando pelas fendas de nossa existência, pelas brechas abertas em nós pelas grandes decepções, ou soprando as últimas brasas que, sob as cinzas da desilusão, ainda permanecem acesas.
Os caminhos que levam ao encontro com Jesus podem ser os mais diversos e mais ou menos longos, mas a experiência do encontro pessoal com Ele é imprescindível para conhecê-Lo.
Fazer o caminho com os discípulos de Emaús é uma privilegiada oportunidade para recuperar o lugar e o sentido da conversação nas nossas diferentes relações pessoais.
De fato, vivemos num mundo hiper-conectado; o uso dos aplicativos de mensagens cresceu assustadoramente. O mundo, nossa vida, se converteu num “chat” contínuo.
Na verdade, não é coerente traduzir a expressão “chat” por conversação, porque estamos assistindo a um preocupante paradoxo: em meio a este “chat universal”, a conversação emudeceu; nem é tumulto nem é sussurro. Grande parte de nossas “conversações” fica prisioneira das telas (celulares, tablets, computadores, smarts...). Corremos o risco de reduzir a comunicação à conexão. Banalizam-se os conteúdos, mas também são amputadas dimensões fundamentais da experiência humana da comunicação, sobretudo a presença física.
Sem essa presença, sem o encontro pessoal, há um empobrecimento da verdadeira comunicação dialógica cara a cara, diante do olhar do outro; fora desta comunicação vivente com o outro, já não é possível autentificar a experiência do nosso próprio eu pois nos falta a relação primordial com um tu.
O processo mesmo da conversação produz mudanças em nós: uma determinada frase, dita ou escutada, uma experiência de vida que tocou nosso coração, uma pergunta que nos tirou de nossa maneira habitual de pensar… são sementes para transformações posteriores.
No caminho de Emaús, Jesus, como mestre sábio na arte da conversão, parte da situação existencial em que os dois discípulos se encontravam naquele momento: provoca-os para que falem à vontade das causas de sua tristeza. No fundo do coração dos discípulos há um grande vazio que, inconscientemente, querem preencher “conversando e discutindo entre si”.
A pergunta de Jesus sobre o problema que causava tamanho sofrimento neles foi o ponto de partida para encontrar a resposta que, no fim do itinerário, iria esclarecê-los, iluminá-los e devolver-lhes a alegria e a esperança perdidas.
A pergunta de Jesus (“o que ides conversando pelo caminho?”) faz com que os discípulos levantem os olhos do chão e olhem para o rosto do peregrino desconhecido. Sem perceber começam a sair de seu fechamento e a alegrar-se porque alguém está interessado em saber quais são as causas de sua tristeza e quer escutá-los.
A pedagogia amorosa de Jesus deu certo: eles abrem o coração e contam “o que aconteceu a Jesus de Nazaré”. No entanto, o que aconteceu com Jesus não é contado por um coração ardente e exultante, mas por um coração ferido, desiludido e triste. A resposta dos discípulos é um resumo do querigma cristão; mas esse conteúdo é relatado como uma tragédia irreparável.
Depois de um longo diálogo com o peregrino, os discípulos não discutem mais entre si, mas unânimes, insistem para que ele permaneça com eles naquela noite. O pedido “permanece conosco”, em Lucas, expressa o desejo de ser discípulo de Jesus.
Depois que Jesus aceitou o convite, a casa de Emaús, em vez de tornar-se um lugar de fuga e fechamento, como os discípulos pretendiam, tornou-se um lugar de acolhida e de partilha, de iluminação e ponto de partida para a retomada da comunhão com a comunidade dos demais companheiros.
Foi durante a “fração do pão”, que os olhos dos discípulos se abriram e reconheceram Jesus.
A fração do pão continua a ser para os discípulos de Jesus de todos os tempos o “sinal por excelência da presença do Ressuscitado, o lugar onde eles podem e devem descobrir essa presença e a partir do qual poderão dar testemunho da Ressurreição” (J. Dupont).
O diálogo é consubstancial ao cristianismo. Deus é Palavra criadora e geradora de vida, mas em Jesus ela se manifesta como uma grande conversação. Sua presença junto aos discípulos de Emaús, é que possibilita a passagem de uma “conversa e discussão” marcada pela tristeza, dor e fuga a uma nova conversação, cheia de sentido e alegria. Os dois discípulos viveram uma verdadeira “páscoa”, isto é, passaram da discussão ao reconhecimento, do fechamento à abertura, do lamento ao agradecimento, do desânimo ao entusiasmo. Em resumo, a “passagem” do coração vazio e duro para o coração transbordante e abrasado.
A nova conversação os arranca da solidão e os faz retornar à comunidade para relatar a boa nova da experiência que fizeram. Conversação expansiva, desencadeadora de outros relatos vitais. E assim, os laços são reatados.
Sabemos que, a partir de uma posição conservadora, estática, rígida, é muito difícil que haja uma verdadeira conversação. É preciso sair de si mesmo, colocar-se em marcha. Só nesse deslocamento é onde podemos nos abrir às novas experiências e reconhecer a presença do outro.
O modo eminente de conversação entre as pessoas é aquele no qual se dá uma mútua atualidade da presença, e, portanto, um modo de comunicação no qual toda a pessoa se expressa, com gestos e palavras, e tem um caráter pascal, ou seja, a passagem para a comunhão, a paz, a iluminação...
Em um mundo permanentemente conectado, com um medo cada vez mais difuso de perder/esquecer seu celular, ou de “ficar sem bateria”, o aprender a “desconectar”, a gerir a solidão, o encontro consigo mesmo, é um dos grandes desafios, sobretudo para os chamados “nomofóbicos digitais”.
- Reservar tempos de deserto para viver a experiência de uma conexão interior é altamente humanizador; somente esta conexão profunda possibilita ter acesso à reservas interiores de compaixão, bondade, amor.
- O “ofício da palavra”, para além de designar isto ou aquilo, é um ato de amor: criar presença.
- Suas conversas cotidianas: são carregadas de calor humano ou marcadas pela frieza das telas digitais?
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Caminho de Emaús: conversação que transforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU