30 Abril 2020
A proibição de rezar a missa e frequentar as igrejas parece ter lançado luz sobre a coexistência de duas Igrejas diferentes: uma ligada às altas hierarquias eclesiais, que coloca no centro a liturgia e exige a retomada da atividade pastoral; a outra, guiada pelo papa Francisco, que aplica a virtude da prudência, entendida como discernimento, e está aproxima daqueles que sofrem, com modalidades diferentes. O padre Alberto Maggi, teólogo, biblista, frade da Ordem dos Servos de Maria, pertence a esta última. No meio da pandemia, na cidade de Montefano, Província de Macerata, Itália, onde fundou o Centro Studi Biblici Vaniciucci, fez badalar os sinos.
A entrevista com Alberto Maggi é de Daniela Ranieri, publicada por Il Fatto Quotidiano, 29-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre Alberto, você disse que seria oportuno que os bispos dessem uma volta pelas enfermarias para ver as pessoas intubadas. Não compartilha, portanto, a nota da CEI contra o governo.
Entre a opinião dos bispos e a dos políticos, sem hesitação escolho aquela dos médicos especialistas em reanimação. A situação ainda é grave e devem ser mantidas regras severas que impeçam a propagação da pandemia. Deus se manifesta na vida não apenas no culto, ele se preocupa mais com a saúde de seus filhos do que com a participação nos ritos.
Os bispos querem expor sacerdotes e fiéis ao perigo?
As celebrações litúrgicas são uma expressão da vida e querem manifestá-la. Não se pode correr o risco de transmitir junto um vírus mortal. A fé não isenta de inteligência, mas a exige, a fé não pode ser confundida com fanatismo. Muitos padres e muitos fiéis já morreram.
Jesus disse: Quando você orar, entre no seu quarto, tranque a porta, e dirija a oração ao seu Pai que está ali, no segredo. Para que serve a missa?
A Eucaristia é o momento precioso e indispensável para o crescimento de quem tem fé e da comunidade. Nele, o Senhor se faz pão, alimento da vida, de modo que aqueles que o comem e o assimilam são capazes de se transformar em alimento para os outros. Se por determinadas circunstâncias não se pode celebrar, existem outras alternativas para se fazer pão.
Você é muito seguido nas mídias sociais. Não existe o risco do meio digital se tornar um substituto das relações humanas, se não do humanismo?
Bendita seja a Internet! Santa imediatamente! As distâncias são anuladas e você pode estar perto de muitas pessoas. Nosso site é seguido por 145 países. Onde quer que as boas novas de Jesus cheguem, a vida floresce. A tecnologia não substitui as relações humanas: pode potencializá-las. Muitos perderam tudo: saúde, trabalho, pais. A tragédia de Jó se repete. Como Deus pode permitir isso? Jesus nos libertou dessa imagem de Deus e nos faz conhecer um Pai que é apenas amor; cabe a nós acolhê-lo. Não somos nós que devemos perguntar a Deus por que tudo isso, mas é Ele quem nos pergunta. Ele nos chamou para sermos guardiões da criação e não os devastadores, para fazer as formas de vida florescerem e não as ver murcharem.
Você teve uma experiência que foi relatada no livro "Chi non muore si rivede", e depois no filme "Un eretico in corsia". Você pode dizer algo?
Vivi três meses em terapia intensiva entre a vida e a morte, uma experiência que me enriqueceu e que depois ajudou muitas pessoas a enfrentar os momentos mais difíceis da vida com serenidade e confiança, na certeza de que está ali, ao nosso lado, o Senhor que diz: "Não se preocupe ... Confie em mim!".
Você realmente teve visões de mortos?
Quando alguém está a um passo da morte, no limiar, a vida e a morte se confundem e é possível experimentar a presença daqueles que nos precederam na nova dimensão e vêm nos acolher. Não há necessidade de palavras, é comunhão vibrante, troca enriquecedora de afetos.
Muitos morreram sozinhos, sem o conforto dos familiares. A morte não nos separa de nossos entes queridos, mas nos une ainda mais. A deles não é uma ausência, mas uma presença ainda mais intensa, eles não estão distantes, mas próximos, e tentam continuamente fazer-nos perceber que estão ao nosso lado com um amor ainda maior. Para que a felicidade deles seja plena, precisam apenas do nosso sorriso, e isso nenhuma emergência pode impedir.
Que significado você dá à imagem do Papa sozinho na Praça São Pedro vazia?
Desde os tempos dos papas com o trirregno e a cadeira gestatória até Francisco com o passo incerto, mas ao mesmo tempo seguro, já percorremos um longo caminho e é necessário continuar em frente. Na Igreja havia muitos galhos secos aos quais estávamos acostumados, a queda deles pode preocupar, mas apenas seu desaparecimento permitirá que os novos brotos nasçam.
Foto: Vatican Media
Conseguiremos renascer?
Tenho uma vantagem de registro: nasci em 1945. Vivi minha infância nos escombros da minha cidade, Ancona. Faltava tudo, mas havia uma energia e um desejo de reconstruir, viver, se alegrar, e o empenho de todos produziu o "milagre econômico". Dos escombros florescerá o novo milagre, não mais econômico, mas humanitário.
Como você consegue ser tão otimista? De onde vem a alegria de viver?
É o dinamismo da própria vida, mais forte e mais tenaz do que qualquer pulsão de morte. Então, se você acrescenta fé no Pai que deseja a sua felicidade e, por esse motivo tudo se transforma em bem, você experimenta que toda situação, mesmo a mais dolorosa, pode se tornar uma oportunidade de crescimento e uma oportunidade de riqueza.
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“Bispos e políticos falam, mas eu prefiro os médicos especialistas”. Entrevista com Alberto Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU