28 Abril 2020
É necessário voltar à discussão sobre os DICOs (direitos e deveres das pessoas que coabitam de modo estável, na sigla em italiano) de 2007-2008 para se encontrar uma posição tão antigovernamental como a registrada na nota da Secretaria da Conferência Episcopal Italiana (CEI) do dia 26 de abril: “Os bispos italianos não podem aceitar que o exercício da liberdade de culto seja comprometido”.
O comentário é publicado por Settimana News, 27-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas, há 13 anos, a referência era aos “princípios inegociáveis”, isto é, à pretensão da Igreja de condicionar as leis e o legislador. Hoje, a referência é à Constituição e à liberdade religiosa. Com uma evidente menção também à forma concordatária da presença da Igreja Católica na Itália.
A Conferência Episcopal mostrou resistências desde o início às disposições relativas ao fechamento devido à pandemia. No dia 8 de março, ela afirmava: “A acolhida do decreto é mediada unicamente pela vontade de fazer, também neste caso, a própria parte para contribuir com a proteção da saúde pública”.
E, no comunicado do dia 16 de abril, “o Conselho Permanente compartilhou o compromisso da Secretaria Geral, no diálogo com instituições governamentais, para definir um caminho menos condicionado ao acesso e às celebrações litúrgicas para os fiéis, em vista também da nova fase que se abrirá depois do dia 3 de maio”.
No comunicado do dia 26 de abril, recordam-se as garantias governamentais para um exercício mais amplo do culto e a urgência de retomar a ação pastoral. A falta de abertura registrada no decreto do Conselho dos Ministros mostra, na opinião dos bispos, uma não clara distinção de responsabilidade entre a presidência do Conselho e o Comitê Técnico, por um lado, e a Igreja, por outro, que, no respeito das medidas estabelecidas, deve ser reconhecida na “plenitude da própria autonomia”.
Um protesto legítimo, mas que não pode ignorar uma história recente de afasia substancial. O presidencialismo de Ruini havia centralizado nas suas mãos todas as formas de relação eclesial com a política e a cultura do país. Com Francisco, a CEI teria tido a oportunidade de inverter essa tendência, que pensava a relação com as instituições políticas do país na lógica da troca e do cuidado dos seus próprios interesses corporativos. Fez-se isso apenas na forma de não oposição ao discurso do papa, mas sem uma real “tradução ao italiano” de Francisco.
Certamente não faltaram momentos positivos e criativos, como o Congresso de Florença em 2015 ou a resistência aos discursos populistas, soberanistas, antieuropeus e pró-racistas do governo anterior. Nada comparável ao pró-berlusconismo dos anos 1980.
Assim, a iniciativa do Congresso dos Bispos em Bari (em fevereiro de 2020) poderia se tornar uma eficaz assunção de responsabilidade não apenas em relação às Igrejas no Sul do Mediterrâneo, mas também uma proposta para ampliar a míope política italiana, tanto em relação à Europa quanto à África e ao Oriente Médio. Até a recente defesa das escolas paritárias tem um fôlego mais amplo do que os simples interesses partidários.
Mas não se pode ignorar a impressão de uma apatia que deixou sem frutos significativos o discurso de Francisco em Florença, que rapidamente arquivou a proposta de um sínodo para a Igreja italiana, que não acordou diante de uma política sem fôlego e pouco atenta às instituições.
Deve-se registrar o silêncio da CEI diante da pandemia, que ficou sem uma interpretação autorizada e compartilhada. Embora não tenham faltado de vozes eficazes de prelados individuais.
Embora descontando todos os limites relacionados com a surpreendente e repentina pandemia que vale para a Igreja assim como para todas as instituições, existem limites de longa duração. Entre estes, uma drástica contração de pessoal, de competências e de relevo dos escritórios da CEI, compreensível como reação ao centralismo anterior, mas que desguarneceu a capacidade de reação do organismo.
O protagonismo solitário do ex-secretário, Dom Nunzio Galantino, tem o seu paralelo na defesa das escolas paritárias confiadas ao subsecretário, Mons. Ivan Maffeis. A ausência de uma interlocução com as forças políticas e com o governo, que seja sistemática e cultivada, muito além das estreitas fronteiras dos interesses imediatos, fez-se sentir em um momento tão crítico quanto o atual.
A ideia de confiar às periferias aquele impulso que não se queria que viesse mais unicamente do centro revelou-se dispersiva e substancialmente não interpretada.
“A coragem de uma nova imaginação do possível, com o realismo que só o Evangelho pode nos oferecer” (Francisco) é aquilo ao qual a CEI não esteve à altura. O risco de prosseguir em uma ordem aleatória, não só entre os bispos, mas também entre os padres de uma mesma diocese, seria o passo a mais rumo à completa irrelevância pública do catolicismo instituído na Itália.
E hoje o cuidado das almas passa unicamente pela capacidade de contribuir ativamente para a configuração de um novo ordenamento constitucional da casa comum em que todos habitamos. Já estão em circulação rumores de possíveis correções do decreto, mas a fragilidade paralela e convergente da margem política e eclesial contribui não para construir e fortalecer o consenso comum dos próximos meses e anos, mas sim para alimentar a fragilidade das instituições públicas e a afasia das eclesiais.
A inútil agressividade exigida pelos tradicionalistas italianos não habita o pensamento da CEI, que, ao invés disso, deveria interpretar os germes de uma nova pastoral e de novas aberturas que a prática das Igrejas locais soube pôr em campo nestes dias difíceis.
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Pandemia: a polêmica e o impasse dos bispos italianos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU