22 Novembro 2019
Em 1942, um incêndio em um salão de festas em Boston matou 492 pessoas. Para tratar dos traumas psicológicos dos sobreviventes e das famílias das vítimas, inventou-se a terapia de crise. Os especialistas identificaram uma dúzia de fatores que influenciam a resolução desses problemas pessoais, muitas vezes, paralisantes, como a identificação da crise, a tomada de responsabilidade, a obtenção de ajuda, a paciência, o fortalecimento do ego e a flexibilidade.
O conhecido ensaísta Jared Diamond (Boston, 1937) estabeleceu um paralelo entre crises pessoais e aquelas que afetam nações inteiras e, como resultado, publica o livro Crisis. Cómo reaccionan los países en los momentos decisivos (Debate).
Diamond, com uma eclética carreira acadêmica, que começou em fisiologia e depois transitou pela biologia evolutiva para, finalmente, chegar à geografia, há décadas, escreve livros que explicam a evolução humana com uma ampla lente grande-angular, como a que lhe valeu o Prêmio Pulitzer, em 1998, “Armas, germes e aço”, que resumia 13.000 anos de história em um único volume, o “Colapso. Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso”.
Em seu novo livro, Diamond faz um estudo comparativo de sete países à luz desses 12 pontos empregados pela psicoterapia para a resolução de crises: a Finlândia, que conseguiu manter sua independência da União Soviética; a modernização do Japão durante a Era Meiji; a evolução do Chile, de Allende até hoje, passando pela ditadura de Pinochet; a sangrenta história recente da Indonésia; a reconstrução da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial; a redefinição da identidade nacional da Austrália, a partir dos anos 1960; e as atuais crises enfrentadas pelos Estados Unidos.
Finalmente, o professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, aborda os problemas mais importantes que o mundo, em seu conjunto, deve enfrentar nas próximas décadas. Um assunto que também tratará, nesta quarta-feira, no Fórum Telos, da Fundação Telefónica, com uma conferência intitulada Futuro 2050.
A entrevista é de Fernando Díaz de Quijano, publicada por El Cultural, 20-11-2019. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
‘Crisis’ é um livro de autoajuda para os países?
Alguns críticos intitularam suas resenhas do livro como “autoajuda de Jared Diamond” ou “Jared Diamond, o psiquiatra dos países”, mas não vejo dessa maneira. Escrevi o livro porque o assunto me interessa e pensei que entender as crises pode ser útil tanto para pessoas, como para os países.
Você fornece uma lista de 12 fatores que influenciam na resolução de uma crise nacional. Em que pontos o conflito entre a Catalunha e o resto da Espanha está falhando?
A primeira coisa que devo dizer é que conheço a situação apenas através dos jornais, não em primeira mão. O que me chama a atenção é que a Espanha não é o único país do mundo com problemas de separatismo, mas tenho a impressão de que a Espanha não aprendeu com outros países, com problemas semelhantes, como resolver o problema catalão.
O caso mais parecido talvez seja o do Canadá com Quebec, porque Quebec é grande e rica, assim como a Catalunha. O governo do Canadá fez evidentes esforços para resolver o problema. Se você ligar para qualquer escritório do governo, em qualquer lugar do país, poderão atendê-lo em inglês ou em francês. É como se na Andaluzia você telefonasse para um organismo oficial e tivesse a oportunidade de ser atendido em catalão. Acredito que seria fácil para a Espanha evitar os políticos catalães e se dirigir diretamente ao povo catalão, demonstrar-lhes que a Espanha recebe a Catalunha de braços abertos, mas isso não está acontecendo.
Em sua lista de fatores que favorecem a resolução de uma crise, equipara a força do ego dos indivíduos à identidade nacional dos países. Você não acha que o nacionalismo pode ser uma faca de dois gumes, quando se trata de resolver crises nacionais?
Isso é muito certo, é uma excelente observação. Hoje, muitas pessoas dizem que o nacionalismo é muito ruim, mas não é assim. Pode ser bom ou ruim. Dos 47 milhões de espanhóis, você só conhece pessoalmente mil, por exemplo. Mas, o nacionalismo faz você se identificar com os outros espanhóis. Se você se cruza com eles na rua, não os agride, nem eles a você, porque compartilham o fato de ser espanhóis. Esse é um nacionalismo bom. Torna-se ruim quando, por exemplo, na Alemanha dos anos 1930 se olhava os tchecos e poloneses de cima. Agora, em alguns países, como na Hungria, parece que esse tipo de nacionalismo está retornando. Na questão catalã, eu diria que há um problema de excesso de nacionalismo.
Amanhã, participa do Fórum Telos, com uma conferência intitulada ‘Futuro 2050’. Como será o mundo, então?
Nós não sabemos. Depende das decisões que tomarmos, em quem votarmos em cada país e das políticas, em nível global. Muitos países se comportam de maneira egoísta. Por exemplo - digo com todo o respeito -, na Espanha, vocês comem muito peixe e possuem uma frota pesqueira que, como a de Portugal e de outros países da Europa, circula pelo mundo todo pescando sem permissão. Isso é ruim para os pesqueiros de outros países. Além disso, essas são uma riqueza mundial e a única maneira de manter esses bancos de peixes é com o gerenciamento global, e isso não está sendo feito.
Precisamente, o esgotamento dos recursos naturais é, para você, um dos quatro problemas fundamentais do mundo, juntamente com a ameaça nuclear, a mudança climática e a desigualdade. Quais países estão mais comprometidos em encontrar soluções para esses desafios?
Alguns países estão indo bem, como os europeus ocidentais em geral, e especialmente os Países Baixos, Alemanha e os países escandinavos. Entre os que estão sendo mais egoístas, destaca-se o Japão, um país rico e industrializado que, ao longo de sua história, tentou monopolizar os recursos mundiais, em vez de gerenciá-los com uma visão global. A China também está agindo pior do que a Europa, embora esteja começando a acordar para a realidade, sobretudo porque os problemas decorrentes da mudança climática estão lhe afetando muito, e também a Índia. E os Estados Unidos, com Trump, está tornando isso fatal.
Qual a sua opinião a respeito da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre a mudança climática?
Estou certo de que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, deseja a destruição do Ocidente, e seus desejos estão se tornando realidade pelas políticas de nosso entupidíssimo presidente.
Em seu livro, diz que para alcançar a igualdade no mundo, é impossível que os países mais pobres se coloquem no mesmo nível de consumo dos países mais ricos, mas, ao contrário, estes é que teriam que moderar seu estilo de vida, algo, como você diz, inegociável para os estadunidenses. O que é preciso para convencê-los?
É uma pergunta muito importante. Primeiro, devemos distinguir entre qualidade de vida e taxa de consumo. Nos Estados Unidos, tínhamos um carro chamado Humvee que consumia um galão de gasolina a cada 6 milhas [39 litros a cada 100 km, aprox...]. Por acaso, dirigir um Humvee oferece a você uma melhor qualidade de vida? Significa que viverá mais tempo, que terá uma educação melhor para seus filhos? Não. É um exemplo de consumo que não produz benefício algum em termos de qualidade de vida. Para mim, a Europa ocidental é um exemplo muito bom. As taxas de consumo de água, combustível, etc., são mais baixas do que nos Estados Unidos, mas sua qualidade de vida é maior.
Vocês vivem mais do que nós, com mais saúde, melhor assistência à saúde, um maior apoio quando envelhecem e uma melhor educação pública que a nossa. Isso ilustra que é possível reduzir as taxas de consumo e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida. É o que a Europa ocidental fez e o que os Estados Unidos e o resto do mundo precisam fazer.
Disse que os problemas do mundo e a busca de soluções são como dois cavalos competindo em uma corrida. Inicialmente, iam devagar, mas cada vez galopam mais rápido e que, nas próximas décadas, saberemos quem vencerá a corrida. Estamos, portanto, no momento mais decisivo para o destino da humanidade?
Sim, claro. No passado, antes da globalização, não era possível destruir o mundo inteiro. Quando civilizações avançadas como os maias entraram em colapso, ninguém ficou sabendo em outras partes do mundo. Ao passo que agora, pela primeira vez, existe a possibilidade de que o mundo inteiro entre em colapso ao mesmo tempo. Então, sim, o século XXI será o mais crucial na história da humanidade.
Nesse futuro da humanidade, outras questões muito discutidas agora, como inteligência artificial, big data e o futuro do emprego trazem preocupação para você?
São questões de importância secundária. Se sobrevivermos até 2050, então, teremos tempo de sobra para nos preocupar com tudo isso. Nesse momento, são bagatelas.
Qual dos sete países que você analisa é o maior exemplo de inspiração para outros países?
Todos são, mas particularmente gosto da Finlândia, porque teve sucesso contra todas os prognósticos. Com uma população de apenas 6 milhões de pessoas, conseguiu manter sua independência frente a um imenso país, a União Soviética, com 170 milhões de habitantes. A Finlândia aprendeu que ninguém iria lhe proteger da URSS e que era obrigada a ter boas relações com os russos, e agora os líderes finlandeses falam constantemente com os russos, portanto, esses confiam na Finlândia.
Além disso, os finlandeses conseguiram se antecipar às crises no passado e continuam fazendo o mesmo. Tenho um amigo que trabalha em um comitê governamental que se reúne todos os meses para estudar as crises que poderiam ocorrer no futuro e como reagir a elas. A criação da União Europeia também responde a esse objetivo de se antecipar aos problemas. Quando surgiu a ideia da união, nos anos 1950, não foi porque tivesse sido declarada uma terceira guerra mundial, mas porque se queria impedir que algo tão horrível se repetisse.
Você antepõe a ameaça nuclear à mudança climática na lista de perigos que espreitam o mundo. Considera que com o fim da Guerra Fria esquecemos que esse perigo continua existindo?
A ameaça nuclear é o maior problema do mundo atual, porque é o que pode matar mais pessoas em menos tempo. A mudança climática pode matar todos nós em 100 anos, mas a ameaça nuclear poderia matar todos nós em três semanas. Se a Índia e o Paquistão entrassem em guerra, poderiam usar todas as bombas nucleares que quisessem para se matar entre eles. Morreriam um bilhão de pessoas e na Espanha e nos Estados Unidos diríamos: “Que pena! ..., mas isso não nos afeta”. Isso não é verdade, porque essas bombas produziriam um inverno nuclear que afetaria a atmosfera de todos os países e acabaria nos matando. Existe o risco da Coreia do Norte, do Irã.
Além disso, durante a Guerra Fria, após a crise dos mísseis de Cuba, os Estados Unidos e a URSS aprenderam a manter um diálogo constante, mas agora não. Paradoxalmente, o risco de uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a Rússia é agora maior do que em 1989. Por tudo isso, a ameaça nuclear ocupa o primeiro lugar em minha lista.
Os livros que você escreve, assim como os de Yuval Noah Harari ou Steven Pinker, conquistam muito êxito. Acredita que hoje as pessoas precisam que o mundo lhes seja explicado dentro de um enfoque global?
Claro. Há 60 anos, para um estadunidense, o Afeganistão era um país perdido no centro da Ásia. Quem se importava? Contudo, hoje, os Estados Unidos possuem tropas no Afeganistão. Isso ilustra que, com a globalização, cada país precisa saber o que acontece em outros países. É essencial que todos nos eduquemos na compreensão do mundo atual, em seu conjunto.
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“A ameaça nuclear é o maior problema do mundo atual”. Entrevista com Jared Diamond - Instituto Humanitas Unisinos - IHU