03 Novembro 2017
É mais fácil dedicar uma página ao papa em diálogo com os astronautas do que apontar os holofotes para a denúncia aprofundada que o catolicismo italiano, na Semana Social de Cagliari, fez sobre a situação de crescente exploração a que são submetidos os jovens do novo milênio.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no seu blog no sítio do jornal Il Fatto Quotidiano, 30-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma denúncia da destruição do ascensor social (e, portanto, da classe média) que envolve a Itália, mas também, em geral, o Ocidente, atingindo, talvez, a conquista mais relevantes das décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial: a economia social de mercado.
De fato, a grande mídia jogaram um véu de desatenção sobre o congresso de Cagliari, que se concluiu no último domingo e foi organizado pela Conferência Episcopal Italiana (CEI), com o foco na questão do trabalho na Itália.
Uma desatenção que se deveu, talvez, ao fato de que nenhuma das principais forças políticas italianas colocou a questão, séria e radicalmente, como central nos seus programas. Dizer a que se propõem os gigantes da arena política italiana (Partido Democrático, Forza Italia, Lega, 5Stelle) para levantar novamente os destinos de tantas gerações queimadas – destinadas a se aposentar aos 75 anos com um salário de nem mesmo 500 euros – equivale a tatear no escuro.
Então, é melhor ignorar as palavras afiadas do presidente da CEI, cardeal Bassetti: “Devemos ser francos: o tempo da conversa acabou... acabou o tempo dos financiamentos públicos sem projeto. Há uma grande questão antropológica, geracional: os tantos jovens precários e desempregados”, sobre cujos ombros, além da grande crise que eclodiu em 2008, “caiu o custo iníquo de uma política míope, que, nas últimas décadas, desperdiçou recursos importantes do país, porque não teve a clarividência de olhar para o futuro”.
Para enfrentar um problema, é preciso olhar na cara das condições autênticas da cena. Sem enfeites, nem a ladainha cotidiana de que tudo se resolve reduzindo os impostos e estimulando (genericamente) o motor da economia. E, sem adoçantes, Francisco falou na sua videomensagem, reflexo ideal do destino de milhões de jovens italianos. “O trabalho precário é uma ferida aberta. A angústia da pessoa que tem um trabalho de setembro a junho e não sabe se o terá em setembro próximo. Isso mata: mata a dignidade, mata a família, mata a sociedade. Trabalho irregular e trabalho precário matam”.
Levando-se em conta a estreita ligação entre trabalho que falta ou explorado e pobreza, o último relatório da Cáritas lembra que, na Itália, 1,292 milhão de crianças e adolescentes vivem em pobreza absoluta, 2,297 milhões em pobreza relativa; os filhos de 4 em cada 10 famílias não têm aquecimento em casa para o inverno; 1 em cada 20 crianças não tem sequer uma refeição proteica adequada por dia.
Qual partido colocou no centro do seu programa essa autêntica catástrofe social? Pense-se, por exemplo, no tempo parcial involuntário imposto pelas empresas (você trabalho em tempo parcial, com garantias de tempo parcial, mas deve estar disponível a todo o momento), no trabalho servil pulverizado no setor feminino de 35% a 58%.
É dramática a ausência de uma real conscientização operacional por parte da classe política. À parte o desfile em Cagliari de expoentes do governo e as palavras de boa vontade do primeiro-ministro, Paolo Gentiloni: “O precariado sem futuro e sem direitos é uma das ofensas mais terríveis da dignidade do trabalho”.
De fato, a área do pensamento social católico parece ter permanecido como o único espaço em que se quer enfatizar (especialmente a partir de João Paulo II) que o trabalho não pode ser tratado como mero desempenho, mas deve ser considerado como um elemento fundamental da personalidade e da identidade de um indivíduo.
Existe a necessidade de uma “mudança de paradigma”, saindo dos ditames do sistema tecnofinanceiro, como repete o Papa Francisco. Pessoa e ambiente não podem ser “reduzidos a simples objetos de exploração”, enfatizou o cardeal Bassetti.
Trata-se de escolher, disse o sociólogo Mauro Magatti, secretário do comitê das Semanas Sociais, entre “espremer o limão da eficiência empresarial”, ou dar às gerações mais jovens a possibilidade de se tornarem autores e atores de um sistema de desenvolvimento humanizado, orientado ao “bem comum” e, portanto, baseado em “um trabalho digno, não explorado e degradado, razoavelmente remunerado e estável”.
Não são palavras, são critérios para definir uma política. A Igreja não quer dar receitas. Mas, sim, propostas. O presidente da CEI lançou a ideia de um esforço coletivo, um “Plano de Desenvolvimento para a Itália”, centrado na atenção à família e na segurança do território e da paisagem.
Ao primeiro-ministro, Gentiloni, foram transmitidas quatro propostas concretas sobre formação e ocupação juvenil, financiamentos para pequenas e médias empresas, código dos contratos para a administração pública (para controlar as concessões por baixo), remodulação das taxas do IVA [imposto sobre valor agregado].
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Trabalho precário? A Igreja não tem receitas, mas os bispos invocam um esforço coletivo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU