Bolívia. O vácuo de poder, a guerra e uma presidente autoproclamada

Jeanine Áñez, presidente autoproclamada da Bolívia, com a Bíblia em mãos. Foto: Senado Boliviano

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Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 13 Novembro 2019

A pressão que começou com o candidato opositor nas eleições presidenciais, Carlos Mesa, e se intensificou com a violência de manifestantes, chamados “cívicos”, levou não apenas Evo Morales à renúncia, mas toda a sucessão presidencial e uma ampla parcela de aliados governistas em toda a Bolívia. Na terça-feira, 12-11, Evo embarcou para o México, acompanhado de Alvaro García Linera, seu ex-vice-presidente, para asilo político. O país ficou em uma condição, por uma intepretação hobbesiana, de quase “estado de natureza”: sem governo e sem comando do Estado, em cenário de guerra, de todos contra todos.

A convulsão social, que começou com as suspeitas de fraude nas eleições de 20 de outubro, foi se transformando de “marchas cívicas” a “mutirões de violência”, com casas de militantes do MAS e edifícios do governo queimados e humilhação pública de agentes políticos – como no caso de Patricia Arce, prefeita de Vinto, que teve os cabelos cortados à força, o corpo pintado, foi arrastada pelas ruas da cidade e seu escritório foi incendiado. A Bolívia com um governo contestável estava em caos, a Bolívia sem governo, e sem previsão de quando terá um governo legítimo, pode entrar em guerra total.

As grandes cidades, como La Paz e El Alto, amanheceram, nos dois dias depois da renúncia do governo, sem comércios e com barricadas pelas ruas. Na segunda-feira, escritórios da polícia foram saqueados e incendiados em El Alto e Cochabamba, enquanto em alguns bairros de La Paz dinamites foram detonadas.

Luis Fernando Camacho, líder do Comitê Cívico de Santa Cruz de la Sierra, convocou seus manifestantes para manter a greve e a mobilização até quarta-feira, 13-11. 

Do outro lado, os aliados de Evo prometem não sair das ruas. Em La Paz, durante toda terça-feira, levaram as bandeiras indígenas, wiphalas símbolo oficial do Estado Plurinacional da Bolívia, para os protestos, exigindo respeito e acusando Mesa e Camacho como os perpetradores da violência no país. Os indígenas de El Alto denunciaram o golpe de Estado e gritando que agora haveria guerra civil.

O poder não permite vácuo

 

Toda a linha sucessória da presidência, prevista na Constituição – vice-presidente, presidente do Senado, presidente da Câmara e primeiro vice-presidente do Senado, respectivamente – renunciaram ao cargo. O comandante-chefe da Polícia Yuri Calderón, a pedido do Exército, também renunciou.

A segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, da Unidad Democrática, oposição, reivindicou a presidência na Bolívia e convocou o Congresso para votar a admissibilidade na terça-feira à tarde. Añez, no entanto, sem contar com o quórum mínimo e, consequentemente, sem os votos do Movimiento al Socialismo – MAS, que representam mais de dois terços do parlamento, se autodeclarou presidente. O MAS não reconheceu a presidente autodeclarada. Evo escreveu nas redes sociais que foi um “golpe nefasto e mal-intencionado”

Añez adentrou ao palácio de governo com uma Bíblia em mãos – como Camacho já reivindicava nos protestos. “A Bíblia voltou ao palácio”, afirmou a presidente autodeclarada que, visivelmente, deixou a Constituição de lado.

A instabilidade política na Bolívia tende a continuar. A nova presidente prometeu convocar eleições em breve.

A Igreja Católica aceitou os pedidos de ambos os lados polarizados para mediar a transição. Antes da sessão fantasma, a Conferência Episcopal Boliviana se reuniu com Jeanine Añez e pediu que sejam dadas garantias de segurança para os parlamentares e servidores ligados ao MAS. Do mesmo modo, pediu ao partido de Evo para que apoie uma transição com base na Constituição.

E o apoio será necessário, pois o partido ocupava, até a onda de renúncias do último final de semana, com quase 70% dos principais cargos eletivos (125 de 181, contando a presidência, parlamento andino, câmara dos deputados, senados e governadores).

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