A herança colonial da dívida climática por meio da ideia de raça

Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro no ano de 1500. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1922). Fonte: Wikipédia

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14 Outubro 2019

“Como a evidência histórica nos mostra, países do ocidente, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Austrália e Canadá, são os que nos últimos dois séculos mais impactaram o clima, em nível mundial, com seus sistemas de vida insustentáveis para o planeta. Por isso, do Sul Global, fala-se de uma dívida histórica desses países e da necessidade de garantir justiça climática para todas e todos, que anteponha os direitos dos povos e territórios aos dos estados e empresas”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo e editor do Observatório Plurinacional de Águas no Chile. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

A propósito de uma nova comemoração da equivocada denominação dia da raça ou encontro entre dois mundos, neste dia 12 de outubro, é interessante refletir em que medida a crise socioambiental, na qual como seres humanos estamos envolvidos atualmente, tem uma relação direta com o surgimento de um novo sistema-mundo colonial, que da conquista aos nossos dias segue deixando pegadas nos diferentes territórios em que impôs o seu domínio.

Uma dessas pegadas é o que se conhece como dívida climática, que nada mais é do que o impacto brutal no planeta, nos últimos 200 anos, como resultado da industrialização explosiva de alguns países do Norte Global, a partir do século XIX, que com seus sistemas de vida baseados na produção e consumo ilimitados de bens, geraram efeitos irreversíveis para o planeta em sua totalidade.

Como a evidência histórica nos mostra, países do ocidente, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Austrália e Canadá, são os que nos últimos dois séculos mais impactaram o clima, em nível mundial, com seus sistemas de vida insustentáveis para o planeta. Por isso, do Sul Global, fala-se de uma dívida histórica desses países e da necessidade de garantir justiça climática para todas e todos, que anteponha os direitos dos povos e territórios aos dos estados e empresas.

Não obstante, não é possível entender a expansão industrial desses países sem um processo anterior de colonização, a partir de 1492, que pôde se expandir graças à ideia de raça, que, como bem delineia o pensamento anticolonial, foi usada para classificar mundialmente diferentes grupos de seres humanos em níveis inferiores ou superiores. Consequentemente, a racialização de comunidades indígenas, durante a conquista, só pode ser entendida na medida em que os chamados índios foram vistos como seres selvagens, não civilizados e mais próximos da natureza.

Uma herança colonial mantida até hoje, que se evidencia em cada projeto extrativo aprovado e instalado em cada país da região, seja este mineiro, madeireiro, agroindustrial ou petroleiro, sendo sempre as comunidades indígenas as mais prejudicadas, dado o seu maior apego aos territórios. É por isso que é tão importante ser igualmente crítico tanto com governos conservadores, como com progressistas, já que todos estão presos à lógica do colonialismo interno, funcional ao extrativismo imperante.

No entanto, a dívida não deve ser paga em dinheiro, como argumentam alguns setores da esquerda, mas em decrescimento dos países mais industrializados, também com a inclusão de países não ocidentais, como a China, por exemplo, que é a maior poluidora do planeta. Por essa razão, também é indispensável inclui-la na lista de países ecocidas em nível planetário, independente se alguns setores decoloniais a vejam como uma aliada contra o Ocidente.

A China não terá usado a ideia de raça para expandir seu domínio econômico na atualidade, como aconteceu com os impérios do Ocidente, no entanto, também está assumindo um estilo de vida que tem a sua origem em 1492, baseado na extração de bens comuns da América Latina e África.

Por sua vez, seria bom que a Organização das Nações Unidas entendesse de uma vez que os Direitos Humanos devem ser estendidos aos Direitos dos Territórios, passando de uma perspectiva jurídica antropocêntrica para uma que inclua o restante dos seres vivos, de maneira a exigir dos Estados uma responsabilidade planetária em suas políticas. Não é possível que em cada cúpula pela crise climática, que ocorrem em diferentes países, siga-se pensando com a lógica dual, que separa a cultura da natureza, como se as sociedades pudessem se sustentar sozinhas, fora dos ecossistemas.

Certamente para os pregadores do crescimento econômico sem fim e especialistas em direito internacional, como é o caso de boa parte dos economistas e advogados, sejam de esquerda ou de direita, essas ideias vão parecer uma loucura, mas é a única maneira de construir em conjunto a ideia de uma nova justiça climática, que assuma responsabilidade sobre o aquecimento global e um sistema predatório, que afeta as populações mais empobrecidas, sejam humanas ou não.

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