23 Julho 2019
“Estamos na presença de um Estado extrativista, racista e de mercado, que tem a desfaçatez de organizar a próxima COP25, apesar de ser o epicentro mundial da privatização da água e de produzir múltiplas áreas de sacrifício, em diferentes territórios, com suas práticas etnocidas e ecocidas, em nome do progresso, desenvolvimento e luta contra a pobreza”, denuncia Andrés Kogan Valderrama, sociólogo e editor do Observatório Plurinacional de Águas no Chile, em artigo publicado por Rebelión, 22-07-2019. A tradução é do Cepat.
Durante o mês de dezembro deste ano, será realizada em Santiago a 25ª versão da Conferência das Partes (COP25), que desde sua primeira versão, em Berlim, no ano de 1995, tentou dar respostas globais ao que diz respeito à redução da concentração de Gases do Efeito Estufa na atmosfera.
Assim, neste quarto de século de conferências, realizadas em diferentes países do mundo, pouco ou nada se conseguiu nesse sentido em termos de políticas climáticas concretas dos Estados, que freiem o extrativismo existente. Muito pelo contrário, foram instâncias que deixaram em evidência a falta de compromisso em materializar grandes acordos globais, não se responsabilizando por uma crise que tem alcances não somente econômicos e políticos, como também civilizacionais.
Os fracassos na concretização do Protocolo de Kyoto (1997), do Acordo de Copenhague (2009) e do Acordo de Paris (2015) ilustram como, a partir dos Estados mais poluidores do planeta, não há vontade e uma total indolência com a crise civilizacional atual, sintetizada com a noção de Antropoceno, cunhada pelo Prêmio Nobel de química Paul Crutzen, onde os efeitos do capitalismo chegaram a níveis extremos de mudar os ciclos do planeta e sua composição geológica de milhares de anos.
Frente a este cenário atual, chega a ser muito simbólico que o Chile seja seu novo anfitrião, considerando que foi o primeiro país do mundo a implementar políticas neoliberais em todos os âmbitos durante a ditadura e, portanto, a impor um modelo de vida onde lucro e consumo são seus pilares mais importantes. Daí a particularidade de ser o único capaz de privatizar as fontes e a gestão de suas águas em nível constitucional.
Ou seja, foi capaz de construir um mercado legal de água, onde é possível separá-la da terra para sua compra e venda, como explicitamente está declarada na Constituição de 1980: "Os direitos dos particulares sobre as águas, reconhecidos ou constituídos de acordo com a lei, outorgarão a seus titulares a propriedade sobre elas".
Isso se soma ao fato de que o Chile é um dos poucos países da América Latina que ainda não tem qualquer tipo de reconhecimento constitucional para os povos indígenas, o que corresponde justamente a um modelo extrativista de caráter mineiro-florestal-agroexportador-salmoneiro que nega a existência das comunidades Mapuche, Aymara, Diaguita, Atacameño, Rapa Nui, Quechua, Kolla, Yagán e Kawésqar nos diferentes territórios, enquadradas dentro de um Estado monocultural que exclui o que não é considerado chileno.
Em outras palavras, estamos na presença de um Estado extrativista, racista e de mercado, que tem a desfaçatez de organizar a próxima COP25, apesar de ser o epicentro mundial da privatização da água e de produzir múltiplas áreas de sacrifício, em diferentes territórios, com suas práticas etnocidas e ecocidas, em nome do progresso, desenvolvimento e luta contra a pobreza.
Além de ser um Estado que tem sido cúmplice dos assassinatos de ativistas socioambientais, como o caso de Alejandro Castro, Macarena Valdés e Camilo Catrillanca, como também a prisão de Alberto Curamil, recentemente escolhido para o Prêmio Goldman 2019.
Em consequentemente, o Chile poderia ser apresentado nos grandes veículos de comunicação como um exemplo do que não fazer em termos socioambientais, onde a poluição, o lucro e até mesmo o roubo de água, como acontece na Província de Petorca, têm sido constantes nestes últimos 30 anos, como denunciado pelo Movimento de Defesa pelo acesso à Água, Terra e proteção do Meio Ambiente (Modatima).
Por sorte, existem várias organizações socioambientais no Chile resistindo e propondo outras formas de relação com os territórios, das quais muitas estarão presentes na Cúpula dos Povos 2019 a ser realizada paralelamente à COP25, que buscará congregar e articular diferentes atores de diferentes lugares do mundo, para lidar coletivamente com o extrativismo não apenas no Chile, mas também em nível plurinacional, já que o que acontece com as águas transcende as fronteiras dos Estados-Nação.
O aprofundamento do extrativismo de países como Bolívia e Equador, apesar de ter Constituições Plurinacionais que contêm os Direitos da Mãe Terra e da Natureza, respectivamente, deve nos fazer refletir até que ponto os Estados podem acabar cooptando as demandas dos movimentos socioambientais e recolonizando os territórios, no marco de uma guerra civilizacional entre os Estados Unidos e a China pelo controle dos bens comuns em nível mundial.
Por isso mesmo, a próxima Cúpula dos Povos de 2019 pode ser uma ótima oportunidade para pensar de forma plurinacional e buscar alternativas para a vida sustentável em todos os territórios.
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Chile. A COP25 no país que privatizou até as águas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU