Um sínodo sobre os jovens feito por homens velhos

Foto: Vatican Media

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14 Outubro 2018

A crise da Igreja Católica envolvendo a juventude, o clero celibatário e falta de cargos de liderança para as mulheres.

A reportagem é de Myron J. Pereira, S.J., consultor de mídia que vive em Mumbai, publicada por La Croix International, 12-10-2018.

A assembleia do sínodo sobre a juventude está sendo preparada e discutida por homens velhos e senis. Cômico, porém trágico.

Tem-se dito que a Igreja Católica atualmente enfrenta três crises, todas criadas por si mesma.

A primeira é a crise do clero celibatário, que culminou na crise dos padres pedófilos e numa hierarquia corrupta que foi conivente com eles.

Costumava-se a tratar disso como um problema “americano” — até nos darmos conta de que se trata de um problema global — existem padres predadores na América Latina, na Europa, na África e até mesmo na Índia.

A segunda crise está relacionada com a falta de cargos de liderança na Igreja destinados às mulheres. Atualmente, esse é um problema mais recorrente no ocidente, porém, a exemplo de movimentos recentes como o #Metoo, as mídias sociais fizeram com que essa causa se estendesse pela Igreja universal.

As mulheres — educadas, competentes e dedicadas — não serão mais destinadas somente a colocar as flores no altar e a cantar no coral. Também não serão excluídas por argumentos teológicos falaciosos e referências ao direito canônico. Elas querem papéis que realmente importem na administração da Igreja, e os querem agora.

A terceira crise passa pelo tratamento da Igreja em relação à juventude. Foi por isso que esse sínodo, o décimo quinto da história desde o Concílio Vaticano II, foi convocado: ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’.

O Papa está preocupado com o fato de que, não importa o número de jovens que querem tirar uma selfie com ele, eles não estão realmente interessados em ir à igreja. A verdade é que igreja católicas vazias estão sendo compradas na Europa e em várias partes dos Estados Unidos por pessoas de outras crenças!

Desse modo, o sínodo — que acontece do dia 3 até o dia 25 de outubro — é uma deliberação de três semanas sobre o que os jovens esperam da Igreja. Note que, no entanto, todas essas deliberações serão feitas por homens velhos, de 55 anos ou mais.

Não obstante, o Papa Francisco nomeou cerca de trinta mulheres e alguns jovens adultos como “colaboradores” e “espectadores” do sínodo. Eles participarão das discussões, embora não terão um voto final nas propostas que serão entregues ao Papa.

Sendo assim, a primeira coisa que os bispos precisam admitir é que eles não sabem como evangelizar seus contemporâneos.

A segunda coisa que precisam fazer é ouvir as pessoas, ouvir a juventude — especialmente a juventude que não vai à igreja.

O que os jovens querem de fato?

Muitos dizem que eles não querem religião: querem espiritualidade. Isso é mais que uma questão semântica. Entende-se por religião uma série de práticas cultuais, códigos éticos e definições de crença, elementos os quais os líderes religiosos reiteram para seus membros, geralmente sob forma de ameaça.

A ‘espiritualidade’, por contraste, é vista como uma experiência mais libertadora. Se refere a uma atitude, uma disciplina interior que é aberta, abrangente e que satisfaz.

Os jovens são atraídos pelas espiritualidades orientais como o yoga, o zen, o dao; e, agora, cada vez mais por uma espiritualidade ‘universal’ que traz conservação, austeridade e compreensão.

Pegue, por exemplo, o problema mais grave para os jovens indianos hoje: o desemprego. Moços e moças jovens estão revoltados por não poderem ter o emprego que querem e, consequentemente, sentem que não têm futuro. O que a Igreja diria para jovens como estes?

A fé católica, da forma pela qual se desenvolveu nessas últimas décadas, é vista como um sistema de controle moral e ainda um pouco mais: ela requer obediência à doutrina e, no entanto, não oferece jeitos novos e criativos de ser, de se relacionar. É triste, mas é verdade.

Ainda, outra inquietude entre os jovens hoje é relacionada à comunidade, ao companheirismo e às conexões. A Igreja encoraja a comunidade — mas de um jeito estratificado, segmentado. Cada membro da igreja desempenha cargos e funções (com os padres estando sempre no topo), e eles todos têm o dever de serem “devotos a Deus”.

Mas, os jovens se perguntam “por que as mulheres não podem fazer parte do sacerdócio?”. E por que a Igreja católica é tão contra o casamento dentro do clero?

Alguns anos atrás, o Papa São João Paulo II cunhou o termo “nova evangelização”, e o Papa Bento XVI a seguiu. Foi um reconhecimento tardio de que o mundo havia mudado e de que as velhas maneiras de proclamar o Evangelho não surtiam mais efeito. Infelizmente, tudo o que resultou da nova evangelização foi o catecismo da igreja católica, e nada muito além disso.

Porém, ninguém nunca foi evangelizado por um livro. São as pessoas, os indivíduos que, de fato, proclamam o Evangelho.

Sobrou para Francisco o dever de mostrar, por meio das palavras e do exemplo, que o centro da nova evangelização está baseado na compaixão e na piedade. E, por meio de suas ações — beijar o pé de mulheres presas, abraçar homens desfigurados, deixar que crianças corram ao seu redor — ele criou uma nova imagem da igreja e do Evangelho.

Quais são os principais problemas que movem a juventude, hoje? A injustiça persistente. A desigualdade crescente. Os conflitos entre crenças, especialmente quando se trata de casamento e tolerância religiosa. Trabalhar pela reconciliação das pessoas que têm um histórico de violência. E, quase por toda parte, o cuidado com o meio ambiente surgiu como um grande desafio não somente para os jovens mas, também, para os mais velhos.

Como todos os psicólogos sabem, uma crise (‘juízo’ em grego) é tanto um desastre como uma oportunidade. O ‘velho jeito’ de fazer as coisas entrou em colapso.

Nos damos conta de que alguma coisa não pode mais continuar do jeito que está. Desse modo, a crise é uma época de grande vulnerabilidade. A Igreja pode estar ferida, e ferida gravemente. Mas uma crise também é uma oportunidade. Poderia alguém utilizar do momento para tornar as coisas diferentes e, não só sobreviver, mas prevalecer? Uma crise também pode ser o início para de uma coisa boa e bonita.

As três crises da Igreja moderna têm a capacidade de a reconstruir por meio da semelhança dos Evangelhos. Que o sínodo (outra palavra de raiz grega, que significa “caminhar junto”) nos leve juntos para onde Deus quer que vamos.

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