06 Agosto 2018
O padre jesuíta, promotor do recente Congresso Internacional de Teologia Moral, aponta o caminho para resolver os dois problemas mais prementes do mundo: a questão da migração e sustentabilidade ambiental.
Um balanço extremamente positivo é aquele que James Keenan SJ faz da conferência do Catholic Theological Ethics in the World Church (Ctewc), que recentemente concluiu-se em Sarajevo, do qual foi promotor e coordenador. O evento contou com a participação de cerca de 500 teólogos morais de mais de 70 países para discutir a moral católica no mundo de hoje, em um clima intercultural e intergeracional, em sintonia com o tema "construir pontes, não muros".
Keenan, teve aulas na Universidade Gregoriana com Klaus Demmer e fez doutorado com Josef Fuchs, atualmente é professor de teologia moral no Boston College, ganhou o "Catholic Press Award" de 2000 pelo melhor trabalho em teologia pastoral e ética católica sobre a prevenção do HIV. Como professor da Gregoriana e da Loyola School of Theology em Manila e no Dharmaram Vidya Kshetram de Bangalore, na qualidade de presidente do Ctewc em julho de 2006, organizou a primeira conferência em Pádua, e em 2010, em Trento.
A entrevista é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada por Vatican Insider, 04-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre Keenan pode explicar por que este congresso internacional em Sarajevo foi capaz de despertar tanta atenção e levou o Papa Francisco a enviar uma carta tão significativa para os participantes?
Em março 2017 alguns membros do Comitê de planejamento da Catholic Theological Ethics in the World Church tiveram a oportunidade de se reunir com o papa Francisco e falar com ele por quase uma hora. Contamos para ele sobre o Congresso em Sarajevo, que estávamos preparando um evento onde eram esperadas mais de 450 pessoas de quase 80 países. Ele imediatamente viu a importância de tal encontro, especialmente no sentido de "construir pontes". Ele teve oportunidade de ver que o estilo do nosso congresso não era apenas voltado a ouvir os discursos de especialistas de renome, mas sim para habilitar os participantes a intervir no discurso público, a fim de promover processos de reconciliação e aprofundar as relações com outras redes internacionais, como, para citar algumas, os Médicos sem fronteiras, CELAM, Achtus e outras. O Papa Bergoglio estava ciente de que a nossa intenção de organizar um congresso para mudar a abordagem dos teólogos moralistas para determinadas questões era importante e necessária: não mais meras investigações teológicas, mas para ter condições de compartilhar reflexões com todos os membros da Igreja e da sociedade.
A sua rede é conhecida por sua vontade de abordar questões e temas da atualidade, onde a ética é chamado para refletir a fim de oferecer a sua própria contribuição para a construção de um mundo melhor. Como vocês chegaram à escolha do tema desta edição?
O tema foi amadurecido em duas fases. A primeira: após a reunião mundial em Trento, em 2010, tivemos congressos regionais nos vários continentes, em Berlim e Cracóvia, em Bangalore, em Nairobi e Bogotá. Em todos os locais, descobrimos que em todo o mundo estavam sendo discutidos principalmente dois temas considerados urgentes: migração e sustentabilidade. Quando, em março de 2017 visitamos os seis dicastérios vaticanos e conhecemos seus cardeais, também tivemos a oportunidade maravilhosa de conhecer o próprio Papa, e verificamos que esses dois temas eram realmente muito urgentes no mundo e estavam no centro dos interesses não só do papa pessoalmente, mas da Igreja universal. Então também refletimos sobre o fato de que nos últimos anos têm aparecido alguns desdobramentos políticos globais que consideramos muito preocupantes: Putin na Rússia e Trump nos EUA, Duterte nas Filipinas, Orban na Hungria, Modi na Índia são apenas alguns nomes que representam as novas formas do nacionalismo e do populismo. O Brexit também se enquadra nesta nova realidade. Todos esses fenômenos têm em comum a característica de se colocar contra os migrantes, são políticos de matriz xenófoba que nem sequer se preocupam com um desenvolvimento sustentável global, mas se encerram sobre si mesmos: colocando os seus próprios interesses em primeiro lugar, nem se preocupam com o bem comum em nível global. Portanto, numa segunda fase, refletimos sobre como dar um forte contrapeso para conter tais desdobramentos, colocando no centro a vontade de unir e não dividir, criar pontes e não muros.
A necessidade de construir pontes e não muros é uma urgência manifestada por várias camadas da sociedade civil. Em sua reflexão vocês já se perguntaram como é possível que mais de 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial a humanidade tenha chegado a esse ponto? Quais são as causas desses fechamentos sobre si mesmos e seus próprios privilégios especialmente no mundo rico do norte?
Vemos isso como formas de reação negativas entendidas como ‘contra’ alguém ou algo: Trump é uma resposta contrária a Obama, o Brexit é uma resposta contrária à Comunidade Europeia, o nacionalismo é uma resposta contrária à globalização, o populismo é uma resposta contrária à complexidade das situações, Putin é uma resposta contrária à queda do muro de Berlim. É por isso que acreditamos que devemos responder justamente para realçar os valores positivos que estamos agora seriamente colocando em perigo. As respostas negativas e contrárias mencionadas acima não representam de fato uma solução para os problemas atuais: por isso precisamos tentar oferecer uma mensagem positiva e não apenas crítica para os fenômenos de hoje. Devemos encontrar a coragem de enfrentar os verdadeiros problemas que fomentaram o surgimento desses fechamentos sobre si mesmos. E lembrar também que essa situação não é meramente o resultado de problemas, mas também alimenta a criação de outros novos problemas.
A questão da migração continua a dividir ao meio as sociedades ocidentais do um lado ao outro do Atlântico. Como seria possível ajudar a política para sair da lógica da emergência e da vontade de atender os temores dos cidadãos eleitores em vez de direcionar as energias para a construção de um mundo voltado para as relações, para o diálogo e o encontro?
O congresso teve como objetivo o de ajudar estudantes de teologia moral a entrar no discurso público. Até agora demasiadas vezes, como teólogos, discutimos só entre nós, mas desta vez o nosso objetivo era justamente aquele de preparar os moralistas para intervir na discussão pública. O estilo de fazer teologia e pensar eticamente deve ser muito mais direto para todos os católicos. Devemos entrar em um diálogo direto com os eleitores e os fiéis a compreender as suas preocupações, mas também oferecer uma resposta de esperança. Para esse propósito, foi realmente interessante o encontro dos teólogos de todo o mundo, tanto de países africanos, asiáticos e latino-americanos de onde partem os migrantes, como de países ricos do norte, especialmente dos EUA e da Europa. Enquanto no Norte muitas vezes usam o paradigma da "hospitalidade", os países do Sul falam de "solidariedade", porque, justamente nos lembram que a Terra é o lugar da convivência de todas as pessoas, e que os bens da terra são destinados ao bem comum de todos os povos. Porém, hoje, podemos ver que não é assim. E as migrações provam isso.
Em linha com a orientação básica da Laudato Sí', vocês enfatizaram a estreita relação entre a degradação ambiental e a degradação das relações humanas. Em 2008, um documento COMECE indicava a questão ecológica como um dos principais problemas da ética pública. Não parece que hoje em dia é uma afirmação ainda longe de ser atendida não só pelos decisores políticos, mas também por muitos cidadãos, que ainda assim se dizem cristãos?
Esta é uma pergunta interessante porque é tema de preocupação: por que muitos políticos e até mesmo cidadãos cristãos não são capazes de compreender a urgência da questão ecológica? Estou convencido de que muitos conseguem ver a urgência da questão, mas ainda não são capazes de conectá-la ao próprio estilo de vida e, portanto, não conseguem realizar as escolhas necessárias para implementar uma profunda mudança em seus estilos de vida. É uma questão de educação para a própria responsabilidade. Mas também devemos reconhecer que somos nós que demos capacitar as pessoas para serem capazes de realizar essa conversão: em muitos casos, talvez nem se trate de uma questão de falta de vontade, mas simplesmente um déficit de conhecimento sobre como e o que fazer. Aqueles que falam de mudança climática muitas vezes dão a impressão de ter no bolso as respostas para todos os problemas e como resultado muitos simplesmente não querem ouvi-los. Temos de aprender a comunicar melhor: por exemplo, não podemos falar através de conceitos abstratos, mas devemos usar modelos narrativos e histórias concretas de pessoas que hoje já estão severamente afetadas por problemas ecológicos.
Falar de ambiente, migração dos povos, acolhimento e integração das pessoas significa preocupar-se com a vida autêntica 360°: por que no nível da comunidade eclesial ainda se assiste a um descolamento entre aqueles que dizem defender a vida (ou seja, a luta contra o aborto e a eutanásia), e aqueles que se ocupam com uma defesa global que diz respeito à sobrevivência de migrantes, das populações de países empobrecidos, de um ambiente degradado?
É verdade: a atitude para com os migrantes e os problemas globais de desenvolvimento que ameaçam a vida de muitas pessoas pobres revela quem é verdadeiramente ‘pró-vida’, isto é, a favor da vida, no verdadeiro sentido da palavra. Nossa defesa da vida humana começa no ventre materno sim, mas não termina aí. Já vimos vinte anos atrás, quando João Paulo II pediu a suspensão da pena de morte, muitas das vozes ‘pró-vida’ permanecerem em silêncio. Ao contrário, a vida humana continua mesmo após a gravidez e o parto e, portanto, o compromisso com a vida inclui certamente o feto, mas também aqueles condenados à morte, os pobres, os migrantes etc. É interessante ver como novamente algumas vozes que se declaram "pró-vida" agora se calem. Mas devemos reconhecer que, felizmente, há também alguns defensores dos movimentos pela vida que defendem os direitos humanos, não só do feto, mas também dos migrantes e de todos os outros pobres às margens da sociedade.
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"Em Sarajevo respostas positivas para os desafios de hoje." Entrevista com James Keenan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU