09 Agosto 2017
O cardeal italiano Dionigi Tettamanzi, de Milão, durante grande parte do seu mandato, foi considerado um óbvio candidato a papa. No fim, ele não teve nenhuma força real, o que ilustra uma intuição-chave sobre os conclaves papais: assim como a maioria dos outros exercícios eleitorais, às vezes, os que lideram as pesquisas ganham, outras vezes, desaparecem diante dos seus próprios olhos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 08-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal italiano Dionigi Tettamanzi, que morreu no sábado passado aos 83 anos, foi uma figura importante no catolicismo durante a maior parte da sua vida adulta, por várias razões.
Para aqueles que são periodicamente chamados a prever as eleições papais, no entanto, Tettamanzi é significativo em outro sentido, contudo: ele é um lembrete permanente de que os candidatos que parecem óbvios, que correspondem a todas as expectativas e cumprem todos os critérios convencionais, no entanto, podem basicamente desaparecer das perspectivas quando chega a hora.
Em muitos aspectos, por muito tempo, eu pensei em Tettamanzi como o John Glenn da Igreja Católica.
Você se lembra do breve frisson em torno Glenn ainda em 1984, quando ele concorreu para presidente? Ele era um autêntico herói estadunidense, um ex-astronauta e um democrata moderado que parecia idealmente preparado para assumir o lugar do presidente Ronald Reagan. Para melhorar a situação, o popular filme The Right Stuff estreou durante as primárias, celebrando o seu heroísmo e fornecendo incontáveis milhões de dólares em propaganda gratuita.
No fim, no entanto, a campanha de Glenn não chegou a lugar algum, os democratas nomearam Walter Mondale, e acabaram errando o caminho no beco sem saída da maior avalanche eleitoral da história estadunidense.
Da mesma forma, lembro-me de ter perguntado ao falecido cardeal Francis George, de Chicago, após o conclave de 2005, que elegeu o Papa Emérito Bento XVI, qual foi a sua maior surpresa. Ele disse que foi o fato de os supostos candidatos que obtiveram muita atenção na imprensa, especialmente Tettamanzi, terem mostrado pouca força quando os cardeais realmente votaram.
Muitos italianos, naturalmente, veem Tettamanzi como a confirmação de um dos seus ditados mais queridos sobre as eleições papais: Chi entra papa in conclave, ne esce cardinale, o que significa: “Em um conclave, quem entra papa sai cardeal”.
O problema é que, assim como grande parte da sabedoria convencional italiana, essa é uma meia verdade. Vejamos as últimas sete eleições papais para ilustrar o ponto.
1939 – o consenso quase universal era de que o cardeal secretário de Estado, o italiano Eugenio Pacelli, era o favorito esmagador. Se a agência de apostas Paddy Power da Irlanda tivesse guardado o livro de apostas daquela época, as chances de Pacelli provavelmente seriam de 2-1. De fato, Pacelli foi eleito e reinou como Papa Pio XII por 19 anos, liderando a Igreja durante os obscuros tempos da Segunda Guerra Mundial.
1958 – Antes das eleições após a morte de Pio XII, os favoritos esmagadores eram o cardeal Giuseppe Siri, um forte conservador, e o cardeal Giacomo Lecaro, um reformista de pensamento progressista. Quando ficou claro que nenhum dos dois poderia gerar uma maioria de dois terços, os cardeais se voltaram para uma escolha surpresa, Angelo Roncalli, de Veneza, que, como Papa João XXIII, convocou o Concílio Vaticano II.
1963 – após a morte do “Papa Bom”, a escolha óbvia para levar adiante o seu Concílio e o seu legado pareceu ser o cardeal Giovanni Battista Montini, de Milão, que, de fato, foi eleito depois de apenas seis votações e que liderou a Igreja até o encerramento do Concílio e a sua implementação inicial até 1978.
1978 – no famoso “Ano dos Três Papas”, o primeiro conclave de 1978, em agosto, elegeu o cardeal Albino Luciani, de Veneza, que havia sido considerado favorito. O cardeal Jaime Sin, das Filipinas, na realidade, disse a Luciani antes que a eleição acontecesse: “Você será o próximo papa”. Quando João Paulo I morreu, depois de apenas 33 dias no cargo, os cardeais se reuniram novamente e, desta vez, escolheram um curinga: o cardeal Karol Wojtyla, de Cracóvia, Polônia, que, como Papa João Paulo II, reinou por quase 27 anos.
2005 – para assumir o cargo de João Paulo II, o óbvio “voto de continuidade” era o cardeal alemão Joseph Ratzinger, que, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, foi o arquiteto intelectual do papado de João Paulo II. Em muitas análises da imprensa antes da eleição, a escolha foi apelidada de Ratzinger versus Tettamanzi, embora, como observado acima, isso nunca se materializou. Ratzinger foi escolhido e posto em oito anos difíceis como Papa Bento XVI.
2013 – depois de Bento XVI ter se tornado o primeiro papa nos séculos a renunciar voluntariamente ao ofício, o conclave se voltou para o cardeal Jorge Mario Bergoglio, da Argentina. Embora ele não estivesse no topo de muitas listas de previsões, Bergoglio também não era uma “zebra” total, já que, com efeito, ele tinha sido o segundo colocado depois de Ratzinger oito anos antes.
Placar:
Em outras palavras, olhando para a experiência recente, a conclusão parece ser a de que os conclaves realmente não são tão diferentes de outros exercícios eleitorais – às vezes, os favoritos vencem e, às vezes, não.
(Aliás, se você descontar João Paulo I, um papado de 33 dias, improvável de se repetir em breve, a média desses papados modernos foi de 14,8 anos, o que, aparentemente, oferece razões para acreditar que Francisco pode continuar por mais um bom tempo.)
Embora não haja absolutamente nenhum sinal hoje de que uma transição papal seja iminente, é fácil demais identificar quem seriam os candidatos óbvios, caso tal transição se fizesse necessária em breve.
Se você está inclinado a votar pela “continuidade” com o Papa Francisco, você provavelmente deve olhar para:
Se você acha que uma pequena correção de percurso é necessária, em uma direção mais tradicional, você deve olhar para:
Se você acha que um compromisso entre essas duas correntes é exatamente o que o médico receitou, você provavelmente deve se inclinar a olhar para o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, Áustria, que já era o dauphin de Ratzinger e hoje é um crucial defensor intelectual da agenda do Papa Francisco.
A “lição Tettamanzi” é esta: sem dúvida, leve esses nomes a sério, porque, às vezes, a escolha óbvia se concretiza. Por outro lado, também não os leve tão a sério, porque, outras vezes, o óbvio pode se tornar, muito rapidamente, o implausível.
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Reflexões sobre a “lição Tettamanzi” para prever eleições papais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU