08 Mai 2011
"A decisão do Papa Bento XVI de acelerar o processo de canonização parece ter mais a ver com sua devoção pessoal ao seu antecessor e com o seu desejo de transmitir um sentimento de que as políticas do Papa João Paulo II foram divinamente abençoadas ou mesmo divinamente sancionadas. Isso pode parecer uma tentativa de encurtar ou até mesmo de prejulgar o processo de avaliação histórica."
Publicamos aqui o editorial da revista inglesa The Tablet, 07-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Logo após a eleição do Papa João Paulo I, em 1978, o cardeal Basil Hume declarou sua completa convicção de que o conclave no qual ele havia recém-acabado de tomar parte havia discernido a vontade de Deus. Pouco tempo depois, ele estava de volta a Roma, depois de um dos reinados papais mais curtos da história, participando da eleição de João Paulo II.
Os caminhos do Espírito Santo são, às vezes, inescrutáveis, e o cardeal deve ter desejado que não tivesse chegado a conclusões precipitadas. Essa é a razão pela qual alguns comentaristas, de modo algum hostis às importantes conquistas do Papa João Paulo II, tem sido críticos com relação à decisão de levar adiante o processo de sua canonização tão logo após sua morte.
Sua beatificação no final de semana passado foi autorizada depois que o Vaticano declarou que a cura de uma freira francesa que sofria da doença de Parkinson havia sido milagrosa. Não teria sido mais sábio, por exemplo, ver se a cura resiste ao teste do tempo?
Isso não é para questionar a santidade de João Paulo II, que era manifesta, nem para negar que ele está no céu – assim como estão os milhões de almas (incluindo papas) que a Igreja nunca viu a necessidade de canonizar –, nem mesmo que ele era de fato " grande" em qualquer sentido que as pessoas queiram usar o termo.
As canonizações são atos oficiais da Igreja Católica, por razões que têm mais a ver com os vivos do que com os mortos. O próprio João Paulo II, por exemplo, canonizou mais santos do que qualquer papa anterior, porque ele sentiu que os fiéis precisavam de modelos e heróis exemplares modernos. Mas sua própria vida foi tão extraordinária que a ideia dela como modelo exemplar é pouco relevante.
A decisão do papa Bento XVI de acelerar o processo de canonização parece ter mais a ver com sua devoção pessoal ao seu antecessor e com o seu desejo de transmitir um sentimento de que as políticas do Papa João Paulo II foram divinamente abençoadas ou mesmo divinamente sancionadas. Isso pode parecer uma tentativa de encurtar ou até mesmo de prejulgar o processo de avaliação histórica.
Se João Paulo II cometeu erros, a Igreja precisa saber quais foram e aprender com eles. Parece ter sido durante o seu papado, por exemplo, que os casos de abuso de menores por membros do clero aumentaram em graves proporções, causando um dano imensurável para os indivíduos e para a Igreja que vai durar por décadas.
As questões que isso levanta sobre o legado de João Paulo II ainda têm sido pouco feitas e muito menos respondidas. Da mesma forma, ele dirigiu a Igreja para longe de algumas das interpretações mais progressistas que o Concílio Vaticano II em diante ofereceu. Isso foi um resgate em boa hora ou uma oportunidade perdida? Seria um erro nocivo para a Igreja considerar a beatificação e a eventual canonização do Papa João Paulo II como uma forma de colocar seu papado para além da crítica. Nenhum desses fatores diminui a admiração e a gratidão que são devidas ao Papa João Paulo II, por um papado notável e até mesmo surpreendente.
Ao contrário de um Estado democrático, a Igreja não tem um governo alternativo à espera, livre para criticar. Ao invés disso, cabe a cada papa avaliar as prioridades do seu antecessor e, se necessário, deslocar a ênfase. De forma sutil, o Papa Bento XVI indicou que ele entende isso. Mas ele pode ter tornado a sua tarefa mais difícil ao enviar o sinal oposto.
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O legado de João Paulo II, segundo a revista The Tablet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU