03 Março 2013
Agora que o papado de Bento XVI acabou, e a Sede Vacante começou, o período antes que a fumaça branca se levante sobre a Capela Sistina será preenchido com comentários e especulações sobre o iminente conclave, em grande parte baseados na antiga sabedoria convencional sobre como essas coisas funcionam.
O reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 01-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aqui estão três lugares-comuns que você provavelmente vai ouvir uma e outra vez nos próximos dias:
"Quem entra papa sai cardeal". A ideia é que uma atenção muito grande antes do fato pode prejudicar mais do que ajudar, e que os resultados reais do conclaves sempre são uma surpresa em comparação com o que as pessoas esperavam.
"Depois de um papa gordo, segue-se um magro". O ponto é que, depois que um determinado estilo teve o seu espaço por um tempo, os cardeais irão querer algo diferente, de modo que irão eleger um papa que contraste com o anterior.
"Esse é o processo mais sigiloso do mundo". Esta afirmação geralmente vem embrulhada por explicações sobre a etimologia da palavra "conclave", de dois termos em latim que significam "com chave", assim como referências obrigatórias aos juramentos que os cardeais são obrigados a fazer.
Assim como toda sabedoria convencional, essas frases de efeito são confortáveis, familiares e parecem ser o resultado de uma experiência acumulada. Assim também como a maior parte da sabedoria convencional, no entanto, na metade dos casos trata-se de bobagens.
Tomemos uma de cada vez.
Com relação ao fato de o resultado dos conclaves sempre serem uma surpresa, isso simplesmente não é bem assim. Os últimos seis conclaves exemplificam o ponto:
• Em 1939, ninguém entrou no conclave como papa de forma mais óbvia do que o cardeal Eugenio Pacelli, ex-núncio para a Alemanha e, desde 1930, secretário de Estado e também camerlengo. Ele era a escolha óbvia e, de fato, foi eleito em apenas três votações, o conclave mais curto do século XX.
• Em 1958, o cardeal Angelo Roncalli, de Veneza, era mais um galã, mas estava no topo de muitas listas de candidatos na preparação para o evento.
• Em 1963, o grande favorito era o cardeal Giovanni Battista Montini, de Milão, outro veterano da Secretaria de Estado. Muitos observadores viam Montini como o único cardeal italiano em posição de terminar o trabalho do Concílio Vaticano II que João XXIII havia começado e, no fim, ele prevaleceu.
• Antes do primeiro conclave de 1978, a eleição do cardeal Albino Luciani, de Veneza, foi corretamente prevista pela revista Time, pelos jornais L'Espresso e Le Monde, dentre outros, e ele foi eleito em apenas quatro votações.
• O segundo conclave de 1978 produziu a coisa mais próxima de uma verdadeira surpresa com João Paulo II, o primeiro não italiano em 500 anos. Contudo, mesmo assim, nem todo mundo foi pego de surpresa. A revista Blanco y Negro, de Barcelona, publicou uma análise do conhecido vaticanista José Luis Martín Descalzo pouco antes do conclave. Ele citou o cardeal Antonio Samorè que previa a eleição do cardeal Karol Wojtyla, de Cracóvia.
• Na preparação para o conclave de 2005, todos concordavam que o cardeal Joseph Ratzinger era o favorito e que o conclave só começaria a ficar interessante se a sua candidatura entrasse em um impasse. Ela não entrou, e ele foi eleito como Papa Bento XVI em apenas quatro votações.
O falecido cardeal Franz König, de Viena, me disse uma vez que, longe de ser o beijo da morte, algum tipo de proeminência midiática é quase um pré-requisito.
"Se um nome nunca aparece nos jornais, na TV ou no rádio, então ele pode ser um bom bispo, um bom cardeal, mas provavelmente não tem nada de especial", disse. "Mas quando o nome aparece – por quê? Por que ele está sendo mencionado?".
Moral da história: às vezes, alguém entra no conclave como papa e sai como papa também.
Quanto à teoria do papa gordo/magro, ela ou é tão obviamente verdadeira que praticamente é uma tautologia ou, na sua forma mais forte, apenas metade dela é correta.
A versão banal da sabedoria papa gordo/magro é que todo papa é diferente de alguma forma do homem que ele segue. É claro que dois papas, assim como dois flocos de neve, nunca são idênticos. Se isso é tudo o que o ditado significa, então ele é factualmente verdadeiro, mas inútil como um guia para as preferências do conclave.
Se ele significa, no entanto, que os cardeais sempre querem eleger alguém que seja uma ruptura com as políticas e a abordagem do papado anterior, então é apenas simplesmente falso. Os cardeais elegeram Montini em 1963 não para revogar o Concílio que João XXIII havia lançado, mas sim para protegê-lo. Da mesma forma, eles elegeram Bento XVI não como uma ruptura com as políticas de João Paulo II, mas para cimentá-las.
Se a ideia do papa gordo/magro realmente funcionasse, seria difícil imaginar que os cardeais em 2005 escolheriam o arquiteto intelectual do papado de João Paulo II para substituí-lo. Na verdade, a prioridade absoluta naquele conclave não era uma nova direção, mas sim continuidade.
Finalmente, o suposto sigilo do conclave é muitas vezes mais honrado na sua violação do que na sua observância.
Certamente, antes que os cardeais realmente entrem na Capela Sistina, o sigilo não faz parte da agenda. Antes de serem trancados, muitos deles dão entrevistas e muitas vezes, sutilmente, dão dicas sobre o tipo de papa que querem. Se você entende "cardinalês", geralmente você consegue descobrir o que está sendo dito.
Por exemplo, um cardeal que expressa o desejo de um papa "pastoral" muitas vezes não se refere a burocratas de carreira ou autoridades vaticanas. Dependendo do contexto, ele também pode estar se referindo a um moderado, em vez de um linha-dura. Dizer que você quer um papa "forte", em geral, significa tanto um administrador quanto um conservador doutrinal.
Durante o conclave em si, os cardeais são desconectados do mundo exterior, talvez a única janela de verdadeiro sigilo.
Embora seus juramentos proíbam os cardeais de jamais falarem sobre o que aconteceu assim que saírem, os cardeais parecem ter interpretações diferentes do significado disso. Muitos estão dispostos a falar em termos gerais sobre por que escolheram o papa que escolheram. Outros serão mais específicos, falando sobre como o processo se desdobrou e o que parecia cristalizar essa conclusão. Outros vão ainda mais longe, ao menos sobre os bastidores.
Em geral, não leva muito tempo até que os totais das votações sejam reconstruídos rodada a rodada, ou que outros sérios candidatos sejam identificados, e os principais "fazedores de reis" que influenciaram no processo sejam conhecidos. Da última vez, um suposto "diário secreto" mantido por um cardeal apareceu na imprensa italiana, e, embora seja difícil saber o quão autêntico ele era, as suas principais afirmações coincidiam com o que os repórteres coletaram de outras fontes.
O único sentido significativo pelo qual um conclave pode ser descrito como "secreto" é que aquilo que acontece dentro da Capela Sistina, assim como da Casa Santa Marta, onde os cardeais ficam, não é transmitido ao vivo na internet. Contudo, mais cedo ou mais tarde, praticamente tudo acaba vazando.
É claro, nada do que eu destaquei aqui irá impedir que esses três pedacinhos de sabedoria convencional sejam reciclados ad nauseam durante a próxima semana ou mais. Como sempre, a regra de ouro sobre a verborragia pré-conclave é caveat emptor – tome cuidado, comprador.
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Desmascarando a sabedoria "convencional" sobre o conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU