12 Março 2014
"Um ano depois, as reformas de Bergoglio estão sendo muito mais profundas e amplas do que a maioria, se não todos, de seus eleitores poderia antecipar. O cardeal da Inglaterra Cormac Murphy-O’Connor assim diz: “Todos queríamos mudanças e reformas, mas não acho que algum de nós esperava tanto ar fresco!”, escreve Gerard O’Connell, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 08-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O conturbado pontificado de Bento XVI terminou com a sua renúncia revolucionária em 28-02-2013. Quatro dias depois, 150 cardeais se reuniam no Vaticano para as assembleias prévias ao conclave a fim de discutir o estado dramático da Igreja e dos grandes desafios a serem enfrentados pelo novo pontífice.
Na semana seguinte, eles falaram francamente, manifestando profunda preocupação, desânimo e mesmo ira quanto à situação na qual a Cúria Romana se encontrava decorrente dos escândalos aparentemente intermináveis.
Eles exigiram reformas, reformas radicais, na Cúria Romana. Quiseram alguém que “pegasse uma vassoura e uma pá e se pusesse a limpar a sujeira”, um deles me contou. Estavam à procura de alguém com habilidade de governar a Cúria e uma Igreja que parecia estar à deriva em alto mar. Acima de tudo, um cardeal asiático me confidenciou, eles estavam à busca de um alguém “que tivesse espiritualidade profunda” no qual os seguidores das outras religiões reconheceriam como “um homem de Deus”.
Confundindo os analistas e inspirados pelo Espírito Santo, os cardeais no conclave escolheram o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, 76, vice-campeão no conclave de 2005 e notável líder espiritual da Igreja latino-americana. Este foi eleito sobre uma plataforma de reformas, e ele sabia disso.
Um ano depois, as reformas de Bergoglio estão sendo muito mais profundas e amplas do que a maioria, se não todos, de seus eleitores poderia antecipar. O cardeal da Inglaterra Cormac Murphy-O’Connor assim diz: “Todos queríamos mudanças e reformas, mas não acho que algum de nós esperava tanto ar fresco!”
Como o Papa João XXIII, que abriu as janelas do Vaticano para os novos ares do Concílio Vaticano II, assim também Francisco reabriu as mesmas janelas para os ventos do Espírito Santo, com resultados que continuam a surpreender e inspirar.
Bergoglio sinalizou que reformas estariam presentes imediatamente após sua eleição como papa em 13-03-2013, ao escolher o nome Francisco, nos passos de São Francisco de Assis, o santo que ouviu Jesus lhe dizer: “Vai e restaura a minha Igreja”. O novo papa vê sua missão de forma semelhante. Ele explicou o que suas reformas acarretam no dia 24-11-2013, na exortação apostólica “Evangelii Gaudium” [A Alegria do Evangelho]. Este é o roteiro para o seu pontificado.
Antes de tudo, suas reformas são espirituais. Ele visa a conversão dos corações e mentes, uma mudança de atitude de parte de todos aqueles que trabalham no Vaticano e em cargos de responsabilidade na Igreja. Na missa da manhã, da Casa Santa Marta – a pousada vaticana onde ele vive –, Francisco oferece homilias desafiadores baseadas nas Escrituras que são a alma de sua revolução espiritual e cultural.
O papa jesuíta não está simplesmente defendendo reformas por meio de palavras; ele está levando-as adiante pelo exemplo marcante de seu estilo humilde de vida, de oração, pela sua opção preferencial pelos pobres, por sua visão de uma Igreja inclusiva que “seja pobre e para os pobres”, por sua promoção de “uma cultura do encontro” e “rejeição de uma cultura do confronto”, além de seu esforço em discernir o que o Espírito está dizendo à Igreja.
Após visitá-lo em junho passado, o arcebispo de Canterbury Justin Welby descreveu Francisco como um “homem de humanidade extraordinária ardente com o Espírito de Jesus”. É esta humanidade que toca os corações das pessoas, na medida em que assistem-no a abraçar as pessoas com todos os tipos de deficiências e enfermidades.
Na exortação Evangelii Gaudium, Francisco escreve que “a conversão do papado” é parte essencial de sua missão reformadora. Ao assumir o cargo, ele deu início a um novo estilo de ministério papal. Rejeitando símbolos de pompa e circunstância, apresentou-se como o “bispo de Roma” – uma ação ecumênica significativa – e optou por viver na Casa Santa Marta e permanecer próximo das pessoas.
Nas assembleias prévias ao conclave, o cardeal belga Godfried Danneels e outros sustentaram que o novo papa não poderia levar a cabo as reformas sozinho; precisaria de um grupo de cardeais para apoiá-lo. Quatro dias após sua eleição, em 17 de março, Francisco contou ao cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, de Tegucigalpa (Honduras), de sua decisão em criar um “Conselho dos Cardeais” (oito cardeais, vindo de todos os continentes e do Vaticano) para ajudá-lo a governar a Igreja universal e reformar a Cúria Romana. Francisco pediu a Rodríguez para ser o coordenador. Ele consultou tais assessores em outubro, dezembro e fevereiro, e planeja assim fazer regularmente.
Na verdade, ele está vindo de um estilo monárquico de governança da Igreja para um modo mais colegial. “A centralização excessiva, em vez de se mostrar útil, complica a vida da Igreja e seu alcance missionário”, escreveu na Evangelii Gaudium, pedindo uma “conversão pastoral” das “estruturas centrais da Igreja universal”.
Ele tem lembrado os funcionários da Cúria Romana de que o papel deles é servir ao papa e aos bispos, e não agir como controladores ou administradores. A descentralização e a subsidiariedade são elementos integrais de suas reformas, como o é a sua proposta em dar às conferências episcopais um status jurídico próprio que “os veria como sujeitos de atribuições específicas, incluindo autoridade doutrinária genuína”.
Seguindo os passos do Concílio Vaticano II, Francisco está promovendo a sinodalidade, ao dar um papel maior ao Sínodo dos Bispos. Ele sabe que este organismo não vem funcionando bem e, então, nomeou um novo secretário geral, Dom Lorenzo Baldisseri, e o instruiu a radicalmente renovar seus métodos de trabalho.
Preocupado com a crise da família, Francisco convocou um encontro extraordinário do Sínodo dos Bispos para outubro de 2014. Aprovou uma consulta em todo o mundo a fim de ter um retrato apurado da vida familiar católica hoje. De modo significativo, providenciou que a discussão sobre a família fosse realizada em dois Sínodos: em 2014 e 2015, num processo novo que o arcebispo italiano Bruno Forte, de Chieti-Vasto, disse espelhar o Vaticano II, “onde progressos importantes foi feito entre as sessões”.
Muitas vezes o legado de um papa é caracterizado pelos bispos que ele nomeia. Francisco tem ideias claras sobre o tipo de bispo que deseja. No último mês de junho, dirigindo-se aos núncios apostólicos, ele listou os critérios para os candidatos. Em dezembro, mudou a composição da Congregação para os Bispos, que seleciona bispos para as sés ao redor do mundo. Ele substituiu alguns cardeais conservadores famosos – como os americanos Raymond Burke e Justin Rigali, os italianos Mauro Piacenza e Angelo Bagnasco (presidente da Conferência dos Bispos italiana) e Antonio Rouco Varela, da Espanha – por cardeais moderados como Donald Wuerl de Washington, D.C., Gualtiero Bassetti, de Perugia-Città della Pieve (Itália) e Vincent Nichols, de Westminster (Inglaterra).
Agora, ele quer que seus critérios se tornem operativos na Congregação de forma que ela escolha bispos que sejam homens de oração, próximos de seu povo, que tenham um estilo de vida simples, que estejam preocupados com os pobres, humildes, e que não escolha os carreiristas ou aqueles que têm a “psicologia dos príncipes”.
Ele tem escolhido pessoas assim para postos-chave na Cúria Romana, incluindo Pietro Parolin (secretário de Estado), Beniamino Stella (prefeito para a Congregação para o Clero) e Fernando Vérgez (secretário geral do Governorato da Cidade do Vaticano). Num movimento para conter o carreirismo, o religioso aboliu o pequeno título de monsenhor para padres com menos de 65 anos.
No dia 12-01-2013, o pontífice deu início a outra reforma-chave ao nomear 19 cardeais, dos quais 16 estão aptos a votar na escolha do próximo papa. Seu objetivo é corrigir o desequilíbrio italiano, europeu e norte-americano relativo a cardeais eleitores (desequilíbrio tão evidente nos últimos conclaves) e garantir que os eleitores reflitam a universalidade da Igreja de modo verdadeiro. Ele também quer reconhecer “a Igreja nas periferias”, em países atingidos pela pobreza, pelos conflitos e desastres naturais e, assim, passou o solidéu de cardeal para prelados do Haiti, da Nicarágua, de Burkina Faso, da Costa do Marfim e das Filipinas. De modo significativo, abandonou a tradição de fazer cardeais os líderes das nove principais dioceses italianas. O impacto desta reforma pode ficar evidente em cerca de cinco anos.
Logo no início de seu pontificado, Francisco interveio no Instituto para as Obras da Religião (erroneamente chamado de “Banco do Vaticano”), instituto marcado por escândalos.
Baseando-se no esforço de Bento XVI, moveu-se rapidamente com determinação para trazer transparência ao Instituto e a todos os setores financeiros vaticanos. Criou três comissões para este propósito e contratou grupos internacionais líderes em auditoria e consultoria para ajudar nesta reforma, que quer ver completada este ano.
Como afirmado no texto da exortação apostólica, ele quer transformar a Igreja Católica para um modo missionário. Quando era um jovem jesuíta, desejou ir ao Japão e agora enquanto papa, assim como fizeram Matteo Ricci e Francisco Xavier, está indo ao alcance dos povos da Ásia. Ele planeja visitar a Coreia, as Filipinas, Sri Lanka e outros países, e espera dialogar com a China.
Além disso, tem dado um novo ímpeto ao serviço diplomático da Santa Sé, reservando tempo para os núncios. A sua iniciativa pacífica para com a Síria abriu muitas portas e trouxe a Santa Sé de volta ao cenário mundial. Francisco provavelmente irá se basear aqui para falar às Nações Unidas em 2015, quando visitará os Estados Unidos.
Em seu primeiro ano como papa, Francisco energizou e inspirou os católicos de todo o mundo, e tocou os corações de muitos de fora da Igreja. Desfruta de grande popularidade, e a resistência limitada a ele que veio à tona foi pela resposta esmagadoramente positiva das pessoas em geral.
Falta saber se tal resistência não aumentará na medida em que Francisco levar a cabo as reformas na Cúria Romana e na Igreja; ou na medida em que se confrontar com aqueles envolvidos com tráfico humano, comércio de armas e corrupção; e na medida em que pedir pela eliminação da fome e pobreza além de uma administração da economia mundial que ponha a pessoa humana, e não o lucro, no centro.
Como muitos outros, o cardeal alemão Walter Kasper acredita que Francisco “despertou esperanças de um novo começo para a Igreja, tal como aconteceu após o Vaticano II”. Mas está preocupado que as pessoas possam “sobrecarregar” o novo papa com “expectativas exageradas” que não podem ser realizadas. Ao comentar sobre isso na biografia mais vendida na Argentina – “Francisco: Vida e Revolução”, de Elisabetta Piqué –, Kasper lembrou a todos: “Um novo papa pode renovar a Igreja, mas não pode inventar uma nova Igreja”.
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Após um conclave que demandou reformas, um ano de “ar fresco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU