03 Agosto 2017
Há cerca de cinco anos, fui convidado para falar no City Club de Cleveland, Ohio.
"Desde 1912, o City Club é um dos fóruns de liberdade de expressão mais antigos, não partidários e em contínuo funcionamento nos Estados Unidos”, segundo o site da organização.
O tema da minha fala foi a implosão do Vaticano e, consequentemente, o longo e gradual colapso da estrutura monárquica da governança e do ministério da Igreja Católica.
Eu defendi que, como última monarquia absoluta do Ocidente (e de grande parte do mundo), a organização da Igreja Romana tornou-se um anacronismo. Fazia sentido quando as monarquias eram característica fundamental da sociedade humana. Mas não faz mais.
O artigo é de Robert Mickens, publicado por Commonwealth, 31-07-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Este modelo desatualizado da estrutura da Igreja Católica já não encarna a realidade da experiência que os fiéis vivenciam, já que grande parte das sociedades em que vivem são cada vez mais - e em diferentes níveis - democracias participativas e representativas.
Uma Igreja em que as decisões mais importantes são tomadas quase que exclusivamente por um clero celibatário e masculino, e em que os bispos sofrem pouca ou nenhuma responsabilização, torna-se insustentável em um mundo onde as sociedades patriarcais e monárquicas - de forma relutante, mas consistente - estão cedendo direitos e deveres àqueles que não fazem parte da nobreza, do clero ou de um gênero específico.
Minha palestra em novembro de 2012 ocorreu no auge do famigerado Escândalo do VatiLeaks. Durante mais de um ano, o vazamento de documentos delicados do Vaticano e documentos particulares de Bento XVI envergonhou o então papa alemão e seus principais assessores, especialmente Tarcisio Bertone SDB, o cardeal que era secretário de Estado na época.
Foi uma bagunça. Hoje, podemos olhar para trás e dizer: "Claro, naquela época era fácil alguém divulgar uma suposta implosão do Vaticano".
Realmente, algumas pessoas me disseram que a eleição do Papa Francisco revelou que minha análise não tinha embasamento.
Mas quase meia década depois, estou convencido de que a tese discutida na manhã de novembro em Cleveland ainda é válida, já que não se baseou no que veio à tona ou não no pontificado de Bento XVI.
Apesar do kairós - o momento especial e providencial - que grande parte dos católicos acredita que estamos vivendo após a eleição do primeiro papa jesuíta, a Igreja continua implodindo. De certo modo, Francisco parece estar deliberadamente acelerando seu inevitável colapso, implementando os princípios e métodos descritos em Evangelii gaudium (EG), sua visão e modelo para a renovação e a reforma da Igreja.
Sejamos claros: não estamos falando sobre a morte da Igreja Católica. Deus não está morto e o Espírito Santo nunca deixará o povo fiel de Cristo. Nisso todos nós acreditamos.
Não, trata-se do desmoronamento do atual governo e estrutura organizacional que reflete mais certas características do Império Romano do que o modelo organizacional da vida eclesial encontrado no Novo Testamento ou vivenciado nos primeiros dois séculos da Igreja Cristã.
Francisco está na verdade construindo as bases da "desconstrução" do modelo atual através do plantio paciente das sementes para a conversão estrutural da Igreja, "batizando" e empregando quatro princípios sociológicos cruciais (EG 222-237):
O tempo é superior ao espaço
A unidade prevalece sobre o conflito
A realidade é superior à ideia
O todo é superior à parte
Em última análise, o objetivo do papa é fazer com que as estruturas e a mentalidade da Igreja reflitam melhor o Evangelho e a pessoa de Jesus Cristo, libertando a Igreja de um sistema codificado de regras e ideias filosóficas ainda profundamente ligadas à cultura do mundo greco-romano antigo.
Através do processo de sinodalidade, ele está abrindo espaços de diálogo e discussão que envolvem todo o Santo Povo de Deus e não apenas religiosos homens. Ele não está democratizando a Igreja, mas está criando um grande e indispensável diálogo para que todas as vozes sejam ouvidas através do processo clássico, mas muitas vezes esquecido, do discernimento.
Ainda é um processo incipiente - e, para muitos, assustador -, retomado a partir dos preparativos para as duas últimas reuniões do Sínodo dos Bispos sobre o casamento e a família, onde todos os católicos puderam expressar suas ideias aos pastores da Igreja.
O processo de discernimento foi ainda mais ampliado na preparação do próximo Sínodo, que será convocado no outono de 2018 para refletir a respeito dos jovens, das vocações e da fé. O papa requisitou a disponibilização de uma pesquisa on-line para que todos os jovens - mesmo os que não são católicos - pudessem compartilhar suas esperanças e preocupações.
Francisco também começou a construir as bases para a descentralização da Igreja, restaurando a autoridade legítima de bispos locais ou conferências episcopais regionais que, ao longo dos séculos, foi retirada e colocada nas mãos dos escritórios da Cúria Romana.
Por exemplo, ele simplificou o processo de anulação do matrimônio e concedeu autoridade judicial quase exclusiva a bispos diocesanos.
E dizem que o papa também está pensando em convocar uma assembleia sinodal especial exclusivamente para os bispos na região amazônica, o que lhes permitirá chegar a soluções pastorais (e doutrinais) para problemas urgentes específicos de sua região.
Um desses problemas, ainda que não seja um problema restrito à Amazônia, é a grave falta de sacerdotes ordenados. Francisco sugeriu que concederia aos bispos autoridade para ordenar homens casados ao sacerdócio (isto é, restaurar a tradição mais antiga de membros do clero que eram casados) caso considerassem que era o melhor caminho. Isso, por sua vez, poderia encorajar bispos de outras regiões a pensarem sobre tomar uma atitude semelhante.
Parece cada vez mais claro que o papa é a favor da possibilidade da ordenação de sacerdotes casados, pelo menos sob certas circunstâncias. Uma coisa é certa: ele acredita que é uma decisão que os bispos devem tomar (pelo menos em uma determinada região), não apenas ele e seus colaboradores em Roma.
Um desenvolvimento crucial ao longo deste caminho veio em meados de junho, durante recentes discussões sobre a reforma do Vaticano realizada por Francisco com seu conselho consultivo de cardeais (C9).
Anunciou-se a possibilidade, proposta pelo C9, de autorizar as conferências episcopais nacionais, agora realizada pela Congregação para o Clero, a decidir se devem ou não ordenar um diácono permanente não casado ou viúvo ao sacerdócio ou permitir que um diácono viúvo case novamente.
A proposta é o primeiro passo para a abertura de um pequeno espaço para que os bispos de um determinado país ou região deliberem sobre a dispensa de certas restrições atuais à ordenação sacerdotal sem a necessidade da aprovação do Vaticano. Levará algum tempo, mas é um começo que pode levar a um maior desenvolvimento. O princípio está presente.
E se o todo é superior às partes, a Igreja não vai se separar caso uma parte decida retomar a tradição antiga de ter sacerdotes casados - ou decida ordenar diáconas ou encontrar outras soluções pastorais/doutrinais para problemas específicos. A questão mais importante é que essas soluções "criativas", como o papa gosta de chamá-las, não se afastem da kerigma: o núcleo essencial da fé cristã.
Ironicamente, a maior evidência de que a Igreja continua implodindo é a oposição - silenciosa e não tão silenciosa - à ideia de Francisco de reforma que se encontra entre os membros do clero, "alto e baixo", como claramente declarou um artigo recente em L'Osservatore Romano.
É irônico porque os sacerdotes e bispos que se opõem ao apelo do papa jesuíta à mudança pastoral e à conversão acreditam que eles são o baluarte da estabilidade da Igreja.
Eles acreditam que eles, sozinhos, podem impedir que as peças e conjuntos desta estrutura anacrônica entrem em colapso simplesmente aderindo às normas moralizantes e rubricas litúrgicas de forma rígida e rigorosa. É uma obsessão para controlar e regular os fiéis de Cristo, insistindo que apenas ordenados podem decidir sobre a organização da vida eclesial.
Eles também estão acelerando a implosão. E, paradoxalmente, podem estar ajudando o Papa Francisco mais do que se imagina.
Afinal, essa história vai longe.
E, no final, o tempo é superior ao espaço.
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A Implosão da Igreja Católica Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU