25 Novembro 2013
A seguinte série de questões possibilita às igrejas particulares participarem ativamente na preparação do Sínodo Extraordinário, cujo propósito é proclamar o Evangelho no contexto dos desafios pastorais enfrentados pelas famílias hoje.
O questionário, em português, pode ser acessado aqui.
A data limite para o envio das respostas é 30 de novembro de 2013.
A seguir podem ser lidas as respostas dadas ao questionário por Tina Beattie como um auxílio para outros que podem ter dificuldades com as questões (obviamente, as respostas são particulares a cada indivíduo e alguns podem desejar responder certas questões diferentemente). O que se segue não pretende sugerir respostas “corretas” às questões, mas fornecer um exemplo de como elas podem ser abordadas.
Tina Beatie é uma teóloga britânica. Ela é professora de Catholic Studies na University of Roehampton, em Londres.
A tradução é de Gabriel Ferreira.
Eis o questionário e as respostas.
1 - Sobre a difusão da Sagrada Escritura e do Magistério da Igreja a propósito da família
a) Qual é o conhecimento real dos ensinamentos da Bíblia, da “Gaudium et spes”, da “Familiaris consortio” e de outros documentos do Magistério pós-conciliar sobre o valor da família segundo a Igreja católica? Como os nossos fiéis são formados para a vida familiar, em conformidade com o ensinamento da Igreja?
Suspeito que poucos católicos estejam familiarizados com os documentos magisteriais per se, e referências a tais documentos são raramente feitas em homilias. A qualidade da formação depende do contexto. Em algumas escolas, programas paroquiais de educação e grupos de preparação para o matrimônio há uma excelente formação e suporte pastoral para as famílias, incluindo pais e mães solteiros, casais que moram junto e/ou casais do mesmo sexo, divorciados e pessoas em segunda união. Entretanto, tenho ouvido também alguns relatos de casais sendo alienados da Igreja por compreensões irreais e idealistas de matrimônio em cursos de preparação para o casamento, que oferecem interpretações romanceadas dos ensinamentos da Igreja, ao invés de um diálogo realista sobre a vida matrimonial. Isso pode ser um problema particular com certas interpretações da “Teologia do Corpo”.
Uma atitude excessivamente censória para com as transgressões percebidas em relação ao ensinamento da Igreja tem feito com que não seja dada informação suficiente sobre temas como contracepção e relações sexuais aos jovens, em escolas católicas e nas paróquias. (veja-se Danny Curtin, “Epidemia de pornografia mostra-nos que a Igreja não pode continuar envergonhada em falar sobre sexo”, The Tablet blog, 5 de novembro de 2013). É necessário que exista uma flexibilidade e uma sensibilidade pastoral entre os professores e líderes, em uma cultura na qual a vasta maioria dos jovens são sexualmente ativos antes do casamento e, a negação desse fato, pouco os ajuda a lidar com os complexos problemas que emergem daí, no que diz respeito à dignidade pessoal e a si próprios, bem como às ligações afetivas e os compromissos, o risco de uma gravidez indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis.
b) Onde é conhecido, o ensinamento da Igreja é aceito integralmente? Verificam-se dificuldades na hora de pô-lo em prática? Se sim, quais?
A Igreja tem uma rica teologia sobre a família, mas ela não é completamente aceita porque há também aspectos problemáticos que convidam a um diálogo mais profundo entre o ensinamento do Magistério e os leigos. Uma pesquisa recente, feita por Linda Woodhead e publicada no The Tablet (“Espécies em extinção”, 14 de novembro de 2013), mostra que a vasta maioria dos católicos britânicos não aceitam o ensinamento oficial da Igreja acerca desses assuntos. Em minha experiência pessoal, os principais obstáculos são:
• Humanae Vitae: muitos católicos, mesmo entre aqueles conscientemente informados e com um profundo comprometimento com o matrimônio e com a paternidade responsável, categoria na qual eu mesma me incluo, ignoram os ensinamentos da Igreja no que se refere à contracepção.
• Divórcio e segunda união: a exclusão dos católicos divorciados e dos casais recasados, do acesso à Eucaristia, é prejudicial não apenas para os indivíduos envolvidos, mas também para seus filhos. Esses casais e suas crianças ficam frequentemente vulneráveis e traumatizadas pela experiência do rompimento do matrimônio e da família, e estão tentando criar novas e amorosas relações. Eles precisam não apenas de cuidado pastoral, mas também de inclusão sacramental e de um senso de plena pertença à comunidade.
• Mulheres e maternidade: os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade e maternidade fracassam na tarefa de fornecerem recursos teológicos e pastorais para mulheres que estão se esforçando para reconciliar os desafios e demandas da maternidade, com as oportunidades que a sociedade moderna apresenta para a autorrealização, dentro e fora de seus lares.
• Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo: a recusa da Igreja em contemplar a possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, bem como a contínua ambiguidade com respeito ao status dos casais do mesmo sexo, é prejudicial. A Igreja torna-se vulnerável a acusações de homofobia quando sua posição é defendida em termos absolutos, sem um suficiente reconhecimento da complexidade dos problemas envolvidos e da diversidade de opiniões entre os católicos acerca destes assuntos.
• Celibato clerical: é patente que muitos padres católicos e leigos veriam com bons olhos um relaxamento das regras sobre celibato a fim de permitir que padres pudessem se casar. Pessoalmente, tenho sentimentos conflitantes sobre isso, e não gostaria de ver tal debate acontecendo a não ser no contexto de uma discussão mais ampla sobre a natureza do sacerdócio, incluindo a ordenação de mulheres.
• Sexualidade, violência e abuso: o escândalo dos abusos sexuais continua a solapar a boa vontade das pessoas em acreditar na autoridade moral da hierarquia da Igreja.
c) Como o ensinamento da Igreja é difundido no contexto dos programas pastorais nos planos nacional, diocesano e paroquial? Que tipo de catequese sobre a família é promovida?
Por vezes, a catequese sobre a família é interpretada de maneira demasiadamente estreita, de modo que ela falha na tarefa de representar os diversos caminhos nos quais as pessoas fazem experiência de família hoje. Nós não podemos mais assumir que a maioria dos católicos praticantes pertence a grupos familiares homogêneos e comunidades de católicos como eles próprios. O declínio da frequência à Igreja e a expansão do secularismo significa que um crescente número de católicos tem que fazer complexos arranjos entre viverem apartados da vida sacramental e as demandas e expectativas das famílias e amigos não-católicos, bem como da sociedade em geral. Para que os programas pastorais e a catequese sejam efetivas, eles devem levar em conta essas mudanças das realidades sociais (escrevo como uma mulher casada com um não-católico por quase 40 anos, e com quatro filhos adultos que deixaram a Igreja).
d) Em que medida – e em particular sob quais aspectos – este ensinamento é realmente conhecido, aceito, rejeitado e/ou criticado nos ambientes extra-eclesiais? Quais são os fatores culturais que impedem a plena aceitação do ensinamento da Igreja sobre a família?
Desde meados do século XX, tem havido um enriquecimento e um aprofundamento da teologia da Igreja referente ao matrimônio e à família sob certos aspectos, mas isso tem sido desfigurado por uma ênfase exacerbada nos ensinamentos morais absolutos, com uma crescente tendência a definir o que significa ser um católico em termos de adesão aos ensinamentos da Igreja em uma restrita gama de assuntos, tais como contracepção, aborto, homossexualidade etc. Permite-se que vozes dogmáticas e conservadoras dominem, de modo que os católicos mais liberais ou tolerantes têm sido rotulados como “dissidentes” e sentem-se como se não fossem católicos “de verdade”. O ensinamento da Igreja sobre a família precisa ser apresentado no contexto de suas doutrinas mais fundamentais de Criação, Encarnação e Redenção, e de uma forma que mostre abertura ao diálogo em sociedades multiculturais nas quais as pessoas têm diferentes conceitos de uma “boa vida”.
Por outro lado, a resistência cultural aos aspectos positivos do ensinamento da Igreja pode ser atribuído a uma muito difundida hostilidade para com a religião, e à mentalidade secular consumista que está profundamente confusa em sua antropologia e em seus valores que dela emanam. Nós estamos atravessando uma crise nas relações sexuais humanas tendo, por vezes, consequências extremas, como o tráfico sexual de pessoas e a pornografia, a exploração sexual de crianças e adultos em situação de vulnerabilidade, assim como um número crescente de crianças rejeitadas e abandonadas, jovens e idosos provenientes de lares fraturados, relacionamentos fracassados e a destruição de pequenas comunidades. Mais do que focar em como a família ideal deve ser e como promovê-la de acordo com os ensinamentos da Igreja, talvez nós precisemos começar pela ruptura e pelo sofrimento da vida da família moderna. Isso passaria por questionar como Cristo pode tornar-se presente em situações de crise, trauma e abandono, ao mesmo tempo em que perguntamos como as relações sexuais que respeitam a dignidade humana e expressam o amor autenticamente, podem ser nutridas sem que se insista que isso só é possível no interior do matrimônio tal como a Igreja o entende.
2. Sobre o matrimônio segundo a lei natural
a) Que lugar ocupa o conceito de lei natural na cultura civil, quer nos planos institucional, educativo e acadêmico, quer a nível popular? Que visões antropológicas estão subjacentes a este debate sobre o fundamento natural da família?
Essa é uma questão filosoficamente complexa. Mesmo entre os teóricos católicos da Lei Natural, há discussão sobre como ela deve ser interpretada e aplicada – compare-se, por exemplo, Jean Porter e Robert Pasnau com John Finnis e Germain Grisez. Escrevo como uma acadêmica de Teologia, mas bem poucas pessoas que conheço têm algum entendimento sobre o tema da Lei Natural. Elas podem ter opiniões sobre o que encaram como comportamento “natural” e “não natural”, mas isso não é o que Lei Natural significa.
Lei Natural não é um conjunto de regras dadas divinamente e que podem ser aplicadas de uma maneira universal para todas as culturas e relações. Tal como apresentada em suas formulações teológicas clássicas (por exemplo, por São Tomás de Aquino), ela é um guia genérico que oferece um método de raciocínio por meio do qual nós podemos chegar a um entendimento mais profundo de como humanos podem desenvolver-se individual e coletivamente no interior da boa e ordenada criação de Deus, em diferentes contextos culturais, religiosos e históricos. A Lei Natural pode, por exemplo, ser usada para argumentar que a poligamia é boa em sociedades nas quais ela provê cuidado e auxílio a viúvas e órfãos, através de casamentos no interior de grandes grupos de parentesco e família. A Lei Natural também tem sido usada por fiéis e teólogos experientes para argumentar contra o modo como ela é aplicada na Humanae Vitae ou para sustentar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo pode ser incluído no entendimento da Igreja acerca do matrimônio. Nós não devemos esquecer que por muitos séculos a Igreja apelou à Lei Natural a fim de afirmar que as mulheres eram inferiores aos homens na ordem da Criação e, portanto, não deveriam ser admitidas para governas ou legislar, enquanto alguns filósofos usaram-na para justificar ideologias racistas. A Lei Natural está aberta a diferentes usos e abusos.
Acredito firmemente na Lei Natural quando ela é apropriadamente aplicada – isto é, quando é indutiva, guiada pela experiência, acomodando-se às mudanças dos valores e práticas culturais, e enraizada no entendimento sacramental da Criação.
b) O conceito de Lei Natural em relação à união entre o homem e a mulher é geralmente aceita, enquanto tal, por parte dos batizados?
Nunca encontrei um leigo comum que tenha se referido à Lei Natural nesse contexto. Para começar, como alguém pode falar de uma ideia como sendo “comumente aceita enquanto tal pelos batizados em geral”, dada a vasta diversidade do Cristianismo global? Penso que essa questão confunde o que as pessoas consideram como “natural”, com a Lei Natural. Assim, ela arrisca-se a atrair uma resposta que sancionaria o casamento heterossexual como “natural”, condenando todas as outras relações sexuais como “não-naturais” e não é assim que a Lei Natural deve ser interpretada.
A questão teológica que a Igreja enfrenta hoje é se a Lei Natural pode oferecer um entendimento tanto mais includente do que excludente, do matrimônio cristão enquanto um modelo para o florescimento das relações humanas – por exemplo, isso poderia servir como um modelo para casais do mesmo sexo? Como a teologia da Lei Natural pode nos ajudar a entender as mudanças da cultura e das normas éticas em torno das relações humanas e quais novos modelos de amor, responsabilidade e cuidado para com as crianças e os idosos devem emergir se queremos proteger as futuras gerações das piores consequências do nosso presente turbilhão social? Essa é tanto uma questão de política, economia e justiça social, quanto uma questão de sexualidade, casamento e família. A Lei Natural necessita ser aplicada de maneira mais ampla do que simplesmente em relação ao sexo.
c) Como é contestada, na prática e na teoria, a Lei Natural sobre a união entre o homem e a mulher, em vista da formação de uma família? Como é proposta e aprofundada nos organismos civis e eclesiais?
Há evidências que sugerem que, em todas as outras condições sendo iguais, crianças desenvolvem-se melhor no interior de matrimônios estáveis do que em outros contextos, embora globalmente se deva questionar como diferentes culturas definem casamento e família, antes de aproximar-se dessa questão da perspectiva da Lei Natural. Contudo, volto ao ponto de que a missão da Igreja é o pobre, o ferido e o vulnerável. Enquanto faz tudo o que é possível para encorajar matrimônios sólidos e ambientes familiares estáveis, a Igreja deve também estar consciente de que muitas pessoas, incluindo muitas crianças, encontram-se fora desses parâmetros e que não merecem menos cuidado pastoral e inclusão sacramental. Famílias sólidas e estáveis também precisam apoiar a comunidade. Hoje, muitas famílias são moldadas por um éthos competitivo, consumista e individualista que destrói o bem-comum – por exemplo, ao fazerem escolhas políticas, econômicas e sociais com respeito à habitação, educação e saúde que beneficiam os ricos e prejudicam as famílias e comunidades mais pobres, especialmente os jovens e os idosos. A Lei Natural diz respeito ao bem-comum, pois ela reconhece que o desenvolvimento humano é apenas possível em sociedades justas.
d) Quando a celebração do matrimônio é pedida por batizados não praticantes, ou que se declaram não-crentes, como enfrentar os desafios pastorais que disto derivam?
Tais situações podem ser vistas como oportunidades para explicar os ensinamentos da Igreja, para clarificar que ela oferece um entendimento mais rico e profundo do matrimônio do que aquele oferecido pela sociedade secular, mas que tal compreensão traz também consigo uma expectativa mais profunda de comprometimento e responsabilidade um para com o outro, para com os filhos e com a sociedade. Se as pessoas aceitam tal proposta e ainda assim querem travar tal compromisso, então elas estão testemunhando a bondade e o caráter do matrimônio cristão, mesmo se resistem a aceitar todas as doutrinas e ensinamentos da Igreja.
3. O Cuidado Pastoral da Família na Evangelização
a) Quais foram as experiências que surgiram nas últimas décadas em ordem à preparação para o matrimônio? Como se procurou estimular a tarefa de evangelização dos esposos e da família? De que modo promover a consciência da família como “Igreja doméstica”?
“Igreja doméstica” é uma realidade muito mais confusa e muito mais complexa do que o termo parece implicar. Talvez a doutrina da Igreja acerca da família deva aprender da “Igreja doméstica”. Por exemplo, a imensa maioria dos pais católicos, embora devotos, estão experienciando situações nas quais seus filhos são sexualmente ativos e, por vezes, vivem juntos com seus parceiros antes do casamento, ou ainda situações em que membros da família e/ou amigos próximos são homossexuais, ou então nas quais o divórcio e a segunda união são um fato da vida e onde há uma grande probabilidade de que, à medida que seus filhos crescem, alguns deles irão abandonar a Igreja. A questão deveria ser: que tipo de evangelização e apoio pastoral é apropriado e significativo nessas situações?
b) Conseguiu-se propor estilos de oração em família, capazes de resistir à complexidade da vida e da cultura contemporânea?
Essa questão faz muitas pressuposições sobre o modo de vida católica que muitos de nós experimentamos nas famílias e matrimônios modernos. Eu rezo pela minha família todos os dias, mas não rezo com eles porque meu marido não é um cristão praticante e todos os meus filhos saíram da Igreja. Acredito firmemente que nós aprendemos nossas atitudes culturais e nossos valores através do exemplo. Conheço famílias que rezam juntas, cujos valores eu não desejaria imitar e, outras, que não rezam juntas, mas que são inspiradoras em seus exemplos e modos de vida.
c) Na atual situação de crise entre as gerações, como as famílias cristãs souberam realizar a própria vocação de transmissão da fé?
Minha questão é mais como nós, como católicos, vivemos nossa fé em situações nas quais as “famílias cristãs” podem ser poucas e distantes entre si e ambientes nos quais precisamos aprender, mais do que pregar, daqueles que possuem perspectivas e crenças diferentes. Nós transmitimos nossa fé através do nosso modo de ser dentro dos contextos para os quais Deus nos chama – seja em uma família cristã, um casamento misto, uma relação sem filhos, uma família de apenas um dos pais etc, etc.
d) De que modo as Igrejas locais e os movimentos de espiritualidade familiar souberam criar percursos exemplares?
Vejo muitas famílias ao meu redor que levam vidas exemplares e que não estão contempladas nos moldes em que esta questão está formulada; vejo também algumas famílias católicas presunçosas e que são encorajadas a considerarem-se a si mesmas como exemplares sem que, no entanto, sejam o tipo de exemplo que todos nós procuramos seguir.
e) Qual é a contribuição específica que casais e famílias conseguiram oferecer, em ordem à difusão de uma visão integral do casal e da família cristã, hoje credível?
“Casal cristão” e “família cristã” sugerem um modelo homogêneo e reificado. A vida cristã é credível e integral de qualquer modo, desde que seja vivida com amor, dignidade, generosidade e integridade, e isso pode ser manifesto em relacionamentos e comunidades muito diversos.
f) Que atenção pastoral a Igreja mostrou para sustentar o caminho dos casais em formação e dos casais em crise?
Penso que isso depende do contexto.
4. Sobre a pastoral para enfrentar algumas situações matrimoniais difíceis
a) A coabitação ad experimentum é uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que percentagem se poderia calculá-la numericamente?
Na sociedade moderna, as relações sexuais pré-maritais são quase a regra entre os católicos, assim como entre os não-católicos, e a coabitação é algo comum.
b) Existem uniões livres de fato, sem o reconhecimento religioso nem civil? Dispõem-se de dados estatísticos confiáveis?
Certamente tais uniões existem de fato. Casais em estado de coabitação são parte da vida moderna.
c) Os separados e os divorciados recasados constituem uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que porcentagem se poderia calculá-los numericamente? Como se enfrenta essa realidade, através de programas pastorais adequados?
Eles são uma realidade pastoral em toda a Igreja.
d) Em todos os casos acima, como vivem os batizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?
Tenho encontrado muitos católicos que estão profundamente aflitos por aquilo que sentem como uma rejeição deles por parte da Igreja. Descrever suas situações como “irregulares” e negar a eles os sacramentos é causar sofrimento e um senso de marginalização.
e) Quais são os pedidos que as pessoas separadas e divorciadas dirigem à Igreja, a propósito dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação? Entre as pessoas que se encontram em tais situações, quantas pedem estes sacramentos?
Há uma angústia generalizada e, frequentemente, amargura sobre a exclusão das pessoas divorciadas e recasadas, da Eucaristia. Parece uma forma de julgamento que é causa de divisão, severa e que não oferece nenhuma oportunidade de arrependimento, perdão e cura. Eu nunca ouvi um católico comum defendendo tal exclusão.
f) A simplificação da praxe canônica em ordem ao reconhecimento da declaração de nulidade do vínculo matrimonial poderia oferecer uma contribuição positiva real para a solução das problemáticas das pessoas interessadas? Se sim, de que forma?
Talvez. Entretanto, algumas vezes matrimônios verdadeiros terminam. Não estou segura de que uma declaração de nulidade auxiliaria pessoas nessas situações.
g) Existe uma pastoral para ir ao encontro destes casos? Como se realiza esta atividade pastoral? Existem programas para este propósito, nos planos nacional e diocesano? Como a misericórdia de Deus é anunciada a separados e divorciados recasados e como se põe em prática a ajuda da Igreja para o seu caminho de fé?
Ver as respostas acima.
5. Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo
a) Existe no seu país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimônio?
Sim.
b) Qual é a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?
A Conferência dos Bispos da Inglaterra e do País de Gales tem sido inequivocamente oposta ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, embora aparentemente tem assumido uma linha mais conciliadora nos últimos anos para com as uniões civis.
c) Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver nesse tipo de união?
Ao invés de condenar tais uniões, acredito que a Igreja poderia vê-las como uma expressão de um desejo de fidelidade, comprometimento e respeito mútuo entre duas pessoas e isso deveria ser bem recebido e encorajado. Tais uniões não desvalorizam o matrimônio heterossexual, mas podem atestar seu sentido e seu caráter desejável. Como uma mulher heterossexual que está casada há aproximadamente 40 anos, e como mãe de quatro filhos já adultos, nunca entendi por que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deveria ser compreendido com uma ameaça à instituição do matrimônio. Ao contrário – penso que isso afirma que o contexto ideal para uma união sexual é uma relação monogâmica vitalícia com outro ser humano, seja hétero ou homossexual.
d) No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?
Tais crianças devem ser bem-vindas e tratadas como filhos de qualquer união.
6. Sobre a educação dos filhos no contexto das situações de matrimônios irregulares
a) Qual é a proporção aproximativa de crianças e adolescentes nestes casos, em relação às crianças nascidas e educadas em famílias regularmente constituídas?
Não sei, mas nenhum matrimônio é “irregular” a partir da perspectiva das crianças envolvidas ou, ainda, do próprio casal.
b) Com que atitude os pais se dirigem à Igreja? O que pedem? Somente os sacramentos ou, inclusive, a catequese e o ensinamento da religião em geral?
Não sei.
c) Como as Igrejas particulares vão ao encontro da necessidade dos pais destas crianças, de oferecer uma educação cristã aos próprios filhos?
Não sei.
d) Como se realiza a prática sacramental em tais casos: a preparação, a administração do sacramento e o acompanhamento?
A real questão aqui é como a Igreja pode prover um ambiente de amor e apoio aos casais e seus filhos que experimentaram o trauma do divórcio e estão buscando o fomento do amor e da esperança que o novo casamento pode oferecer. Excluir os pais dos sacramentos em uma época na qual suas crianças estão particularmente vulneráveis a mudanças radicais no ambiente familiar e ao estresse e ao sofrimento de seus pais, é infligir uma severa forma de exclusão sobre as pessoas que pertencem à comunidade católica e que podem bem estarem tentando estabelecer novas famílias após experiência profundamente dolorosas de fracasso matrimonial. Tais pessoas e seus filhos necessitam sentir que pertencem à comunidade sacramental da paróquia.
7. Sobre a abertura dos esposos à vida
a) Qual é o conhecimento real que os cristãos têm da doutrina da Humanae vitae a respeito da paternidade responsável? Que consciência têm da avaliação moral dos diferentes métodos de planejamento familiar? Que aprofundamentos poderiam ser sugeridos a respeito desta matéria, sob o ponto de vista pastoral?
Há evidência substancial para mostrar que a grande maioria dos católicos ignora os ensinamentos da Humanae vitae, não raro conscientemente e com um profundo comprometimento com o matrimônio e a paternidade responsável. Até que os ensinamentos da Igreja concedam um maior espaço para a consciência individual e mostrem um maior respeito pelas experiências das pessoas casadas, haverá muito pouca autoridade moral nessa área.
b) Esta doutrina moral é aceita? Quais são os aspectos mais problemáticos que tornam difícil a sua aceitação para a grande maioria dos casais?
Ela não é aceita pela maioria. Coloca demasiada ênfase no ato sexual considerado individualmente e nem de longe enfatiza a paternidade como uma responsabilidade compartilhada que se estende por toda a vida do matrimônio e que, na experiência de muitos casais, é enriquecida e aprimorada com o acesso a métodos contraceptivos confiáveis. Assim também, em casais com situações diferentes quanto ao HIV/AIDS, a proibição do uso do preservativo para proteger o parceiro que não está infectado, parece desalmada e legalista.
c) Que métodos naturais são promovidos por parte das Igrejas particulares, para ajudar os cônjuges a porem em prática a doutrina da Humanae vitae?
O planejamento familiar natural é vigorosamente promovido em algumas partes da Igreja, mas muitos casais não procuram essa “ajuda” porque já têm suas cabeças feitas a respeito da Humanae vitae. Uma das pessoas mais próximas a mim teve cinco gravidezes indesejadas seguindo as demandas da Humanae vitae. Quando eu disse a ela sobre este questionário, sua primeira resposta foi: “livrem-se” da Humanae vitae.
d) Qual é a experiência relativa a este tema na prática do sacramento da penitência e na participação na Eucaristia?
Essa é uma questão que os sacerdotes estão mais aptos a responder.
e) Quais são, a este propósito, os contrastes entre a doutrina da Igreja e a educação civil?
Penso que a real tragédia é que a sabedoria do ensinamento da Igreja sobre a dignidade humana, no contexto das relações sexuais, tem sido negligenciada devido a uma atitude nada realista no que diz respeito à contracepção e a uma tendência condenatória que enxerga apenas o sexo procriativo, dentro do matrimônio, como bom. Isso simplesmente não reflete a realidade. A sociedade moderna secular está um caos no que diz respeito às atitudes referentes à sexualidade, mas até que a Igreja apresente seus ensinamentos de uma forma menos absolutista, informada através das experiências dos católicos em relação às relações sexuais, esses ensinamentos não serão levados a sério.
f) Como promover uma mentalidade mais aberta à natalidade? Como favorecer o aumento dos nascimentos?
Eu não penso que a Igreja deva promover o aumento do número dos nascimentos. A questão não é quantos filhos alguém tem, mas quanta responsabilidade se assume com essas crianças e como se exercita a paternidade responsável no contexto de preocupações acerca da superpopulação e da escassez de recursos naturais. Os filhos são um grande presente de Deus e a Igreja está certa em combater políticas de controle de população e a “mentalidade contraceptiva” que fracassa em promover o valor da procriação e da paternidade. Entretanto, à medida em que a mortalidade infantil diminui, e as mulheres tornam-se mais educadas e mais aptas a conceberem suas vidas em contextos diferentes da maternidade, há muitas e persuasivas razões para que se sustente que famílias menores são melhores de um ponto de vista ético, e devem ser encorajadas. A Igreja precisa ouvir as mulheres sobre esses temas e assumir uma abordagem mais bem informada e eticamente responsável com respeito às mudanças demográficas e questões de sustentabilidade, bem como de superpopulação, gerações futuras e bem comum.
8. Sobre a relação entre a família e a pessoa
a) Jesus Cristo revela o mistério e a vocação do homem: a família é um lugar privilegiado para que isto aconteça?
O lugar privilegiado para que isto aconteça é qualquer lugar no qual as pessoas expressam e experienciam amor, dignidade, respeito e cuidado. A família nuclear moderna não é necessariamente um lugar privilegiado da revelação cristã e a tradição católica não foi sempre tão absolutista quanto à família. Há muitas formas diferentes de vida cristã que revelam o mistério e a vocação da pessoa humana, entre as quais a família é apenas uma delas.
b) Que situações críticas da família no mundo contemporâneo podem tornar-se um obstáculo para o encontro pessoal com Cristo?
Penso que o maior desafio hoje é daqueles que não se sentem amados, os abandonados e excluídos de diferentes formas, por vezes por suas famílias e, por vezes, pela sociedade. Nós vivemos em tempos difíceis nos quais muitos seres humanos, particularmente os jovens e os idosos, sentem-se rejeitados e indesejados pela sociedade e, algumas vezes, também por suas famílias. A preocupação em relação ao desemprego, saúde e educação, envelhecimento e dependência, corroem as relações familiares. Uma pessoa que não se sente amada e valorizada pela família, amigos e sociedade pode achar extremamente difícil fazer a experiência do amor de Cristo. A Igreja precisa falar claramente contra a destruição do Estado de bem-estar social e a corrosão dos valores públicos de responsabilidade e cuidado para com as pessoas em estado de vulnerabilidade, pois as famílias são moldadas pelos valores sociais que, por sua vez, frequentemente refletem. Muito frequentemente, a voz da Igreja é ouvida apenas em relação à homossexualidade e ao aborto, mais do que sobre os temas da pobreza, consumismo e ganância, que corroem a sociedade, assim como sobre as situações extremas de injustiça que levam à destruição das famílias e comunidades.
c) Em que medida as crises de fé, pelas quais as pessoas podem atravessar, incidem sobre a vida familiar?
Em sua ação pastoral junto às famílias – e mesmo neste questionário – a Igreja promove frequentemente uma imagem da família católica que está longe daquilo que muitos de nós vivenciamos. Talvez haja a necessidade de dar uma ênfase menor à família e focalizar mais nos indivíduos católicos que podem experimentar diversas experiências de comunidade, família e relacionamentos. É claro que isso inclui indivíduos que frequentam a Igreja como uma unidade familiar, e é importante que se o faça, mas um número crescente de católicos praticantes não compartilham sua fé com suas famílias e amigos, e são, no entanto, tão partes da Igreja como aqueles que o fazem.
9. Outros desafios e propostas
Existem outros desafios e propostas a respeito dos temas abordados neste questionário, sentidos como urgentes ou úteis por parte dos destinatários?
Creio que se a Igreja seguir a direção do papa Francisco e tornar-se mais focada nos pobres e vulneráveis, e menos obcecada com temas ligados à sexualidade, muitas dessas questões sobre a família serão resolvidas. Acima de tudo, a Igreja precisa reconhecer que ubi caritas et amor, Deus ibi est (Onde estão a caridade e o amor, Deus aí está). Mais do que uma preocupação com o certo e o errado nos atos sexuais individuais e uma ênfase excessiva em um modelo particular de família (isto é, a família nuclear moderna), uma redescoberta da importância da formação do caráter e do cultivo de uma vida boa através dos hábitos da virtude seriam, na minha opinião, uma forma mais duradoura e efetiva de reconstruir as estruturas e instituições da vida ocidental que estão se desintegrando, tanto dentro quanto fora da Igreja. As mulheres precisam ser envolvidas nesse processo em todos os níveis do ensinamento e da prática da Igreja, caso esta queira ter credibilidade em questões de ética, justiça e relações humanas.
10. Se você tem mais algum comentário a fazer sobre esta consulta, por favor faça-o abaixo. Se desejar, deixe seu nome e e-mail de contato.
Eu agradeço pelo convite e pela oportunidade de responder a este questionário e sei que muitos católicos pensam da mesma forma. O questionário é difícil de responder por conta da natureza de algumas das questões, mas espero que aqueles que irão avalia-lo o façam com atenção e cuidado suficientes para assegurar uma justa representação da diversidade de respostas e desafios que podem ser expressos. Espero também que este seja o início de um processo mais consultivo e dialogado na Igreja.
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Sínodo dos Bispos sobre a família. As respostas de uma teóloga ao questionário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU