26 Julho 2019
O que é rezar senão ousar? Ousar se aproximar de Deus, ousar estar diante de sua face, confiantes de que seremos atendidos muito além do que nossos desejos. A oração nos permite entrar na intimidade de Deus e permite a Deus entrar em nosso mundo cotidiano. O Pai Nosso, oração por excelência, exprime o nosso desejo de fazer a vontade do Pai, expondo-Lhe nossas necessidades de pão, de perdão e de força para resistirmos às tentações.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 17º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (28 de julho de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: "Que o meu Senhor não se irrite se eu falar só mais uma vez" (Gênesis 18,20-32).
Salmo: Sl. 137(138) - R/ Naquele dia em que gritei, vós me escutastes, ó Senhor!
2ª leitura: "Deus vos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados" (Col 2,12-14).
Evangelho: "Pedi e recebereis; procurai e encontrareis, batei e vos será aberto" (Lucas 11,1-13).
É visível que os discípulos se deram conta de que não sabiam rezar. Em Mateus, Jesus lhes diz para não usarem “vãs repetições”, porque o Pai já sabe tudo o de que têm necessidade. O Pai sabe do que necessitamos; nós é que podemos nos enganar. Com certeza, sabemos o que nos inquieta, o que nos faz sofrer e quais são os nossos desejos. Disto, portanto, é que devemos falar com Deus, em vez de nos fecharmos em nós mesmos. Vamos repetir: é a nós que a oração faz mudar, não a Deus. Ela nos faz aptos a receber o que Deus nos dá, isto de que necessitamos. Torna-nos abertos, recordando-nos que Deus está aqui, conosco.
A oração nos faz passar da inquietude à confiança. Se Jesus no evangelho repete com tanta insistência que o Pai responde a quem pede, abre a porta a quem bate e dá tudo de que precisamos, é porque, de início, ainda não estamos persuadidos de tal fato. Nossa confiança em Deus começa com ter confiança nestas palavras do Cristo. Nossa incerteza é sem dúvida compreensível: quantas vezes temos pedido a Deus sem nenhum resultado aparente: a cura de um ente querido, uma solução feliz para uma situação crítica? Ora, no fundo, o que pedimos são «milagres», isto que muitas vezes as Escrituras chamam de «tentar a Deus». Permanece, pois, a questão: de que modo Deus responde às nossas orações?
Rendamo-nos à evidência: Deus não intervém no desenrolar dos acontecimentos deste mundo. Isto é notadamente que significa o seu repouso do 7º dia. Desde então, cabe a nós, do gênero humano, gerir a natureza com todos os seus caprichos, e a história, fruto das nossas liberdades. O mundo é o que fazemos dele. E é assim que nos tornamos imagem e semelhança do Deus criador. Só podemos alcançar isto por meio da oração que nos une a Ele, para evitar o pior e fazer acontecer o melhor. Todas as situações podem ser usadas para se jogar mais amor no mundo, trazendo assim uma nova presença de humanidade e uma nova presença de Deus. Somente Deus Amor, Deus Origem pode nos dar isto: e é através de nós que Ele age.
A oração nos une a Ele que, ao Se dar, nos dá muito mais do que sequer ousaríamos imaginar. Deus usa de todas as cruzes que, contra a Sua vontade, levantamos, para delas fazer advir o que chamamos de «salvação», ou seja, a vitória do amor sobre o ódio e sobre o desprezo. A oração nos faz alcançar estas altitudes, desde que, no entanto, sem inquietudes nem o cultivo daqueles «bons sentimentos» artificiais, assumamos o valor do que pensamos e do que dizemos quando rezamos. Trata-se de nos entregarmos a Deus com total confiança.
Temos de descobrir a nossa própria maneira de rezar. Isto, aliás, vai mudando com o tempo. Vamos dando sentidos novos às palavras do «Pai Nosso» que Jesus nos ensinou. No fundo, a oração muda porque mudamos nós. E também porque continuamente nos encontramos em situações inéditas. Novas imagens de Deus, novas imagens de nós mesmos. Tudo isso, é preciso «dizer», equivale a tomar consciência de que tudo o que vivemos afeta a Deus, e que a nossa relação com Ele se dá por aí.
Temos dificuldade em admitir que Deus esteja próximo e que seja sensível a tudo o que nos atinge. Rezar é nos fazermos presentes a esta Sua presença ativa, na certeza de que Ele só espera o nosso acolhimento para nos dar tudo o de que necessitamos, a fim de gerir o que a vida nos faz viver.
Deus não responderá à nossa oração por um milagre, mas dando-nos o Espírito, como anuncia a última frase do evangelho de hoje. Não nos decepcionemos: ao dar-nos seu Espírito, Deus dá-Se a Si mesmo, na mesma situação que constitui o objeto da nossa oração. Por este dom de Deus que vem nos habitar, tornamo-nos capazes de transformar em amor tudo o que nos acontece, seja alegria ou sofrimento, seja até mesmo insensibilidade, desgosto ou indiferença. Então, tudo se torna «bom». «Até mesmo o pecado», como ousa dizer Santo Agostinho.
De toda forma, Jesus nos deu o Pai Nosso, a oração na qual, bem sabemos, cada um dos pedidos refere-se à Paixão, reunindo todos os evangelistas: a glorificação do Nome (João 12,28); a vinda do Reino (João 18,33-37); a realização da Vontade do Pai (Lucas 22,42 entre outras); o dom do Pão (os relatos da última Ceia e João 6,48-58); o perdão (Lucas 23,34); a tentação (Lucas 22,31); a libertação do mal (João 12,31-33). Muitas outras referências poderiam ser feitas, particularmente às cartas de Paulo.
Desta forma, Jesus prescreve que rezemos para que tudo o que temos de viver, de bom ou de mal, ganhe a forma pascal e que todos os nossos "mortos" sejam conduzidos à vida. Não esqueçamos que, em Lucas, estamos a caminho de Jerusalém.
Notemos também que esta oração está no plural (Pai Nosso e não Meu Pai): trata-se, de fato, da oração dos filhos de Deus já reunidos na unidade, para além da violência. E este é o fruto da Páscoa.
A primeira parte está centrada em Deus: o vosso Nome, o vosso Reino, a vossa Vontade. A segunda enumera de alguma forma as consequências da primeira, referindo-se a nós, mulheres e homens: dai-nos, perdoai-nos, não nos deixeis cair, livrai-nos. O que estabelece uma equivalência entre a glorificação de Deus e a salvação dos homens. A glória de Deus é o homem vivo (Santo Irineu). Compreende-se que toda oração, qualquer que seja a sua forma, está como que contida previamente no Pai Nosso.
Assim, pois, com o Pai Nosso, está tudo dito verdadeiramente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Aprendendo a rezar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU