23 Mai 2016
"Pedir orações por quem vai às ruas para derrubar um governo legitimamente eleito, sem apontar os crimes que cometeu, pode incentivar, 'inocente' ou 'astutamente' a retomada dos velhos tempos de crimes e corrupção iniciada nesta Terra de Santa Cruz pelos portugueses", alerta Egydio Schwade, filósofo e um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimi, onde atualmente é colaborador.
Eis o artigo.
O padre que presidiu a missa dia 13-03-16 – domingo - pediu orações pelo sucesso das manifestações daquele domingo, segundo ele, “foram às ruas para combater a corrupção”.
Infelizmente não foi a corrupção que moveu esses manifestantes, mas um golpe para afastar do cenário nacional o partido e os dois governantes que iniciaram um combate sério à corrupção em nosso país.
Para provar que a corrupção existiu antes dos dois últimos governos, não precisa ir longe, é só adentrar a História e a pré-história de nosso município.
A construção da BR-174, durante o governo da ditadura militar originou o município de Presidente Figueiredo e também a paróquia dos Santos Mártires e Nossa Senhora Aparecida, assim denominada pelo bispo D. Jorge Marskell, em memória ao genocídio dos índios Waimiri-Atroari, cometido pela Ditadura Militar durante a construção da rodovia.
Nem havia matado todos os índios, quando o mesmo governo ditatorial entregou grande parte do território indígena, de graça, à famílias ricas de São Paulo. Elas ainda receberam incentivos fiscais (liberação de impostos) para os aplicarem na “sesmaria” de 3.000 hectares cada. E os governos da época sabiam que esse dinheiro nunca chegou ao seu destino, mas foi roubado dos cofres públicos. Não foi corrupção?
A rodovia originou a construção da hidrelétrica de Balbina, que também se instalou no território desses índios. Sua construção foi iniciada em 1979 para ser concluída em 1982. Entretanto, foi concluída apenas em 1989 para que as construtoras pudessem se apropriar de mais dinheiro público. Deveria ter sido concluída com o montante de 843 milhões de dólares. Chegou à beira de dois bilhões. Alias, ninguém soube, exatamente, qual foi o custo total, porque ninguém apurava a corrupção. Uma das firmas envolvidas, a Andrade Gutierrez, só foi pega no governo Dilma, na Operação Lava-jato, já em outra “botija”.
A BR-174 originou ainda a Mineração Taboca sobre terras já decretadas Reserva Indígena Waimiri-Atroari. Esta mineradora explora ali, sem controle fiscal, uma das minas de minério estratégico mais ricas do mundo. A exploração da mina foi entregue à multinacional Paranapanema, firma sobre cujos crimes de corrupção, praticados nesta área indígena, poder-se-ia escrever uma enciclopédia.
Originou ainda este município de Presidente Figueiredo, criado em cima de corrupção tão evidente que até hoje as autoridades do município se envergonham de ligar o nome do município ao patrono verdadeiro, o corrupto ditador João Batista Figueiredo. Foi corrupção e violação da constituição que gerou o município. Quem combateu estes crimes de corrupção impagáveis?
Nos meus 80 anos de vida vi pela primeira vez a corrupção ser combatida nos governos Lula e Dilma, inclusive, em nosso município. Lembram da Operação Albatroz ocorrida no início do primeiro governo de Lula e que prendeu mais de meia dúzia de corruptos de nosso município, inclusive, o então prefeito?
Diante disso, não seria o caso da paróquia rezar e se empenhar por justiça para os sobreviventes dos santos mártires, patronos da paróquia, os índios Waimiri-Atroari, que continuam sob o domínio direto de um daqueles que atuou na época da construção da estrada na área e impede que eles possam levantar o véu do genocídio que sofreram no período da construção da BR-174? E brigar por outros segmentos pobres, como comunidades inteiras de agricultores que não podem ter um título de terra por que elas foram tituladas à famílias corruptas de “paulistas”, à revelia da lei?
Por que a Paróquia insiste em excluir os Mártires e homenageia hoje, apenas a Mãe dos Mártires? Por que? Não seria um esforço de colaboração para ocultar o martírio ocorrido durante o cruel processo de corrupção da Ditadura? Como missionário da Igreja convivi com a família, quase dois anos com o povo Waimiri-Atroari atingido por toda esta crueldade, ouvindo deles apenas pequena parte dessa história de genocídio.
Pedir orações por quem vai às ruas para derrubar um governo legitimamente eleito, sem apontar os crimes que cometeu, pode incentivar, “inocente” ou “astutamente” a retomada dos velhos tempos de crimes e corrupção iniciada nesta Terra de Santa Cruz pelos portugueses.
Rezar pelos manifestantes da elite brasileira de hoje que vão às ruas, ou batem panelas no alto de seus apartamentos, é devolver às elites o comando do poder criminoso que começou com as capitanias hereditárias e que ao longo dos 500 anos de Brasil matou as populações locais e escravizou até os nossos dias índios e negros. Ou alguém acredita que o Ronaldo Caiado, criador da famigerada União Democrática Ruralista-UDR e o Jair Bolsonaro, filhote da Ditadura Militar, exibidos como modelos e heróis nas ruas pelos manifestantes do dia 13, trarão justiça?
Nem um bilhão de barris de água benta vai inocentar essa cadeia de criminosos que vem se arrastando no poder desde 1500.
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