08 Dezembro 2018
“Esta época de esperança, de admirar a possibilidade de Deus para conosco e entre nós, é um momento perfeito para imergir na tradição autêntica e contemplar em que momento saímos do trilho. Como chegamos a este ponto de baixeza, onde a cultura clerical em si se tornou o maior escândalo da Igreja, e nossa identidade como um povo de Deus poder ser cooptada por ideólogos religiosos?”, escreve National Catholic Reporter em editorial, 04-12-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Escultura de Maria com José no caminho para Belém (Foto: CNS/Lisa A. Johnston)
Através desses dois milênios alguns padrões gerais se tornaram certezas para estudiosos. Está claro atualmente que Jesus é "a peça central que liga Israel e a Igreja". A metáfora é do padre Raymond Brown, tirada de sua magnífica obra “An Introduction to the New Testament” [Uma Introdução ao Novo Testamento, em tradução livre].
É na ligação com as tradições antigas, que reside nosso consolo e conforto para seguirmos em frente. Mesmo depois deste conturbado ano que nós, comunidade católica, passamos, tais certezas não desapareceram.
Deixemos as narrativas padrões da manjedoura aos nossos filhos. Neste ano, os adultos da comunidade católica devem refletir sobre ela como forma de lembrar a todos os inocentes de nossa era e de dentro da nossa Igreja cujas almas foram destruídas pela violência do abuso sexual, cujas famílias foram abaladas pelas revelações de encobrimento. Devemos nos perguntar quais os próximos passos a tomar e como evitar mais perigo.
Três ensaios publicados recentemente por escritores judeus podem fornecer uma mão firme enquanto muitos de nós titubeamos sob o peso da traição e do escândalo, e nos perguntamos o que significa, neste momento do século XXI, ser católico.
É fascinante que sem romantizar a Igreja ou seus pecados históricos e do presente, os membros de uma comunidade tão longamente desprezada pelos católicos também veem em nós características maravilhosamente redentoras. O modo como Menachem Wecker aprecia a beleza de nossa arte e arquitetura, as qualidades transcendentes de nossos símbolos e rituais, chega muito perto de nossa compreensão da Encarnação e da importância de nossa vida sacramental [O texto pode ser lido inglês aqui].
Julia Lieblich, numa complexa história de profunda conexão pessoal e sofrimento, descreve o poderoso fascínio de nossas piedades pessoais e do conforto encontrado através da fé inabalável que sua "família" (pessoas com as quais ficou uma temporada na Guatemala) tinha em Nossa Senhora de Guadalupe [O texto pode ser lido inglês aqui].
O rabino James Rudin já se encontrou com os principais atores do drama que a comunidade católica vive atualmente. Ele também conhece muitas camadas que às vezes estão escondidas na trama. E ele demonstra profunda admiração pelas mulheres religiosas e pela longa tradição de justiça social da Igreja. Em seu texto, implora para que a Igreja não perca seu compromisso com essa tradição [O texto pode ser lido inglês aqui].
O pedido para que pessoas de fora, com suas próprias tradições, nos deem suas impressões sobre a nossa é fascinante, pois revela o que sobre nós eles consideram atraente.
A beleza de nossa arte e tradições; o poder de nossas devoções; a força dos nossos ministérios e, sobretudo, das mulheres que transmitem o Evangelho para todos os cantos do mundo.
O que eles veem e apreciam não tem nada a ver com o aquilo que alguns na comunidade católica gastam tanto tempo e energia lutando: obsessão com o aborto, contracepção, divorciados e recasados, resistência a aceitar católicos LGBT.
Pode-se dizer que a visão deles sobre nós não seja incomum, que a nossa "identidade" enquanto comunidade do povo de Deus tem pouco a ver com as lutas de hierarquia que nutrem um núcleo beneficiário do conflito.
Muitos de nós aceitamos tacitamente que nossa identidade está associada a essa lista de questões polêmicas.
Temos sido persuadidos de que essa lista, que trivializa questões importantes, constitui uma definição abrangente do catolicismo dito "ortodoxo". O termo "ortodoxo" tem sobre si uma aura de autenticidade legitimada pelos antigos. Mas a ortodoxia da era atual é tudo menos antiga. É um construto de rigoristas, amplamente desenvolvido no contexto dos EUA, que restringe a riqueza da tradição católica ao equivalente a um objeto de discussão entre políticos conservadores. Isso dá bona fides de "ortodoxia" e alivia os adeptos da responsabilidade pela maior parte do ensino católico autêntico.
Essa ortodoxia fajuta tem pouco ou nada a ver com a tradição autêntica. É fundamentada em uma necessidade de certeza que se torna um obstáculo à fé.
Esta época de esperança, de admirar a possibilidade de Deus para conosco e entre nós, é um momento perfeito para imergir na tradição autêntica e contemplar em que momento saímos do trilho. Como chegamos a este ponto de baixeza, onde a cultura do clero em si se tornou o maior escândalo da Igreja, e nossa identidade como um povo de Deus poder ser cooptada por ideólogos religiosos?
"De todas as doutrinas da Igreja, a cristologia é a mais usada para suprimir e excluir as mulheres", escreve a teóloga ir. Elizabeth Johnson em “She Who Is: The Mystery of God in Feminist Theological Discourse” [Ela que É: o mistério de Deus no discurso teológico feminista, em tradução livre]. "Em sua raiz, a dificuldade reside no fato de que a cristologia em sua história, símbolo e doutrina, tem sido assimilada à visão do mundo patriarcal, resultando na deturpação de sua dinâmica liberadora em justificativa para a dominação”.
Essa é uma maneira sofisticada de dizer que nosso Deus, nossas práticas religiosas, nossas doutrinas foram todas imaginadas e construídas ao longo de séculos por homens celibatários em uma cultura moldada "de acordo com o modelo da casa patriarcal e, em seguida, ao modelo do Império."
A infraestrutura do Império, no nosso caso, está desmoronando. A segurança e a certeza que certa vez possamos ter sentido nessa forma de hierarquia e nas imagens masculinas de Deus é tão inconsistente quanto a regra eterna de Herodes no século I.
Se ao menos fôssemos capazes de voltar no tempo e estarmos presentes para saber como confortar as dores e a insegurança de uma gravidez no primeiro século. Se tivéssemos como lidar com as dúvidas e medos de um pai que foi pego entre olhares céticos de sua cultura e instruções do céu vindas em sonho, talvez pudéssemos encontrar algum conforto e segurança para o nosso próprio tempo. É na confusão, incerteza e paradoxos desse acontecimento, muito antes da comunidade compreender o Cristo, que talvez possamos encontrar algum conforto para nosso momento.
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O Advento é uma chance de redescobrir a tradição, livre dos ideólogos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU