30 Novembro 2018
A espera humana não é, na verdade, a espera de alguma coisa, mas de alguém. Alguém que nos reconheça e queira que existamos. Isto se verifica no nível mais elementar da psicologia, mas vai muito mais longe; porque este que esperamos será o elo que nos juntará a todos na unidade que é o fruto do amor.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 1º Domingo de Advento (2 de dezembro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Jr 33,14-16
2ª leitura: 1Ts 3,12-4,2
Evangelho: Lc 21,25-28.34-36
Não vou mais me prolongar sobre os símbolos apocalípticos, pois já falamos deles em comentários precedentes. Notemos apenas que são descrições que se aplicam ao que estamos vivendo hoje. Vivemos sob um regime que opera a divisão entre o homem e a natureza e, também, entre os homens. São conflitos mortais, cuja presença pode ser notada desde Gn 3 e 4.
O Cristo - o homem do fim, homem escatológico - põe termo ao conflito entre o homem e a natureza: “Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem?” (Mt 8,27). Mas o conflito entre os homens só será superado quando um Filho do homem der a sua vida pela vida de seus irmãos e, pelo Espírito, nos conceder a capacidade de fazer o mesmo. De repente, a morte que representava o resultado final destes conflitos, faz-se ausente na nova criação.
Por ora, deixemos de lado o outro conflito, central, que opõe o homem à mulher, trazendo a divisão para o interior mesmo do ser humano. Estamos à espera da vitória de Deus e do homem sobre tudo o que nos divide e nos destrói. E isto irá acontecer na hora do julgamento, quando Deus, a nossa origem, irá nos separar de tudo o que nos divide. As Escrituras falam com frequência sobre isto como sendo a vingança ou a revanche de Deus, mas devemos compreender que esta vingança não se volta contra nós. Ao contrário, ela vem a nosso favor. A revanche de Deus se confunde com a revanche do homem.
É raro encontrar-se um ser humano que esteja satisfeito com a sua sorte. “Isto bem que poderia ser melhor!” pensa-se. Vem daí esta busca constante por aperfeiçoamentos que sejam inéditos. É uma insatisfação que está presente em todos os domínios. Sabemos como até os santos procuram obstinadamente progredir em direção a uma perfeição que jamais será alcançada.
Por outro lado, estarmos abertos ao que possa acontecer e que está se preparando, estarmos preparados para o que vem, é absolutamente necessário; caso contrário, grandes tumultos e muita morte poderão ocorrer, quando o novo se fizer irromper.
A questão inevitável é: vamos viver esta espera em regime de medo ou de esperança? Devemos ser profetas da desgraça ou da felicidade? Não é necessário que nos apressemos a responder, porque o futuro pode ser de guerra ou de paz, de prosperidade ou de miséria, de saúde ou de doença.
Já vimos que as Escrituras não pecam por ingenuidade. Anunciam a volta do Cristo, à vitória do Filho do homem, à “revanche de Deus”, mas através de catástrofes cósmicas, políticas e sociais. Resulta daí, no entanto, uma certeza: o mal e a desgraça, desde já disseminados pelo mundo e sem falsas esperanças de que desaparecerão um dia, não devem nos amedrontar. Pois Deus vem, de fato, para o melhor: para este nascimento do homem novo que esperamos na alegria. E vem também para o pior: a Paixão e a morte do Filho único, do homem único na perfeição da humanidade.
“Seja forte, Israel”, arregaça as mangas, pois Deus te fará entrar nesta terra nova que te prometeu.
É certo que existe quem não espera nada. E de muitas maneiras. Primeiro, existem os que estão satisfeitos, que se acham bem como estão, com o que têm. Mas, um dia, a vida virá com as surpresas que ela traz, para acordá-los desta sua frágil segurança. E a esta sua letargia opõe-se o conselho evangélico para vigiar: “Ficai atentos!”. Vigilância que, no limite, pode vir a dissolver-se no alcoolismo, na droga ou nas “distrações” de que falava Pascal (“distração que nos diverte e que, insensivelmente, nos faz chegar à morte”).
Mas a espera, de que falam as Escrituras, pode encontrar outros substitutos; por exemplo, a violência, filha da impaciência. Ou as ideologias, que podem se tornar paródias da autêntica esperança. Lembremos a confiança desmedida do cientificismo com vistas à pesquisa científica, ou dos “amanhãs que cantam” de tantas utopias políticas. Isto não significa que as diversas pesquisas humanas sejam desprovidas de valor, mas, quanto a isto, convém que nos entreguemos à humildade, por saber que o sucesso nestas matérias não irá resolver todos os nossos problemas. A razão disto é que a espera humana não é, na verdade, a espera de alguma coisa, mas de alguém. Alguém que nos reconheça e queira que existamos. Isto se verifica no nível mais elementar da psicologia, mas vai muito mais longe; porque este que esperamos será o elo que nos juntará a todos na unidade que é o fruto do amor.
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Cristo, o homem do fim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU