18 Abril 2018
“As Inteligências Artificiais não são como os robôs, meros braços efetivos, mas cérebros implacáveis que já estão sendo usados em grandes companhias e corporações do mundo desenvolvido. Elas quase nunca estão em robôs, como o Terminator, mas em espaços virtuais, o que as torna ainda mais temerárias”. As reflexões são de Jorge Majfud escritor uruguaio-estadunidense, autor de Crisis e outros romances, em artigo publicado por Alai, 16-04-2018. A tradução é de André Langer.
Semanas atrás, publicamos algumas breves reflexões sobre “A grande crise do século XXI”. Um problema de menor monta é que nos acusam de sermos dramáticos, grandiloquentes e apocalípticos. Tudo isso é irrelevante, esquecível. Correndo o risco de nos equivocar, como todos, como em tudo, nossa obrigação é proporcionar uma visão geral sobre os problemas mais importantes que podem afetar a humanidade no tempo presente e nos tempos vindouros, embora a essa altura já não estejamos mais caminhando sobre este belo planeta, nem estaremos mais desfrutando desse maravilhoso e tão desvalorizado milagre de estarmos vivos.
Para mim, não há dúvida. A grande crise planetária que a humanidade e o resto das espécies neste planeta enfrentarão continua focada no problema socioecológico. As duas bombas-relógio que indicávamos no artigo anterior (a perigosíssima e insustentável concentração de riqueza, mero sequestro do progresso humano por uma elite financeira, e a próxima aceleração das mudanças climáticas), ambas unidas por um sistema social e econômico baseado no consumo e no desperdício (“A pandemia do consumismo”, 2009), serão detonadas pela próxima grande revolução tecnológica, sem dúvida com um impacto maior do que aquele que a internet produziu.
Refiro-me à Inteligência Artificial.
Há 10 anos, observávamos que “enquanto as universidades conseguem fazer robôs que são cada vez mais parecidos com os seres humanos, não apenas por sua inteligência comprovada, mas agora também por suas habilidades de expressar e receber emoções, os hábitos de consumo estão nos tornando cada vez mais similares aos robôs”. A mesma ideia está no livro Cyborgs (2012), mas vem do meu segundo livro Crítica de la pasión pura (1998).
Obviamente, por “robôs” eu estava me referindo a um conceito que, até então, não tinha o desenvolvimento que tem agora: a inteligência artificial (IA). O tempo confirmou esse pessimismo e me corrigiu em alguns otimismos da mesma época sobre a democracia direta derivada de comunidades online (embora, quem sabe, talvez ainda seja possível).
Atualmente, os robôs estão comendo milhões de empregos e, no entanto, isso não parece ser nada em comparação com a revolução da inteligência artificial. Os robôs só serão perigosos para os trabalhadores se os benefícios de sua eficiência continuarem sendo concentrados nos “donos dos meios de produção” (perdão pela terminologia marxista) e não chegarem aos trabalhadores, que contribuíram com seu trabalho e seus impostos para que todo esse conhecimento pudesse se desenvolver nas universidades.
Os professores não recebem seu salário apenas das mensalidades e dos impostos (no caso das universidades públicas), mas enquanto se dedicam à pesquisa e à especulação, a invenções que deixarão nossos beneficiários sem trabalho, outros (os beneficiários) se curvam sob o sol nos campos, cultivando e colhendo alimentos ou erguendo e abaixando caixas de frutas que depois compramos quase sem esforço em aclimatados supermercados.
Mas nem mesmo os inventores nem os professores que participaram do processo se beneficiaram – nem se beneficiarão – economicamente desses feitos da alta tecnologia como fizeram – e continuarão a fazer – os sequestradores, os “gênios” dos negócios, que, mais do que inventar algo, simplesmente embolsaram os lucros. Como sempre, os donos do dinheiro ganharão mais dinheiro e serão reverenciados pelos avanços de nossas sociedades. Enfim, essas besteiras de que graças ao bom Bill Gates ou a algum outro bilionário, temos internet e computadores, etc.
Voltemos ao ponto central. As Inteligências Artificiais não são como os robôs, meros braços efetivos, mas cérebros implacáveis que já estão sendo usados em grandes companhias e corporações do mundo desenvolvido. Elas quase nunca estão em robôs, como o Terminator, mas em espaços virtuais, o que as torna ainda mais temerárias. Logo serão capazes de entender os seres humanos melhor do que qualquer psicanalista e, obviamente, não precisarão de 20 anos de terapia.
Atualmente, a inteligência artificial já está sendo usada para ler os currículos dos candidatos a emprego e é capaz de selecionar os melhores candidatos com base em previsões: Maria vai renunciar em dois anos; José vai pedir um aumento de salário antes do terceiro ano, etc. É claro que em breve nem Maria nem José serão necessários para cuidar de crianças ou de idosos porque a IA pode fazer isso muito melhor e cometendo menos erros.
O que em princípio pode ser celebrado pelos otimistas por seu inquestionável aumento da repetida, até o aborrecimento, efetividade, tem seu lado tenebroso. Os robôs inteligentes não precisam ser maus para organizar o Mal. Basta que sirvam aos poderosos, como qualquer outra inovação anterior, sejam eles governos despóticos ou megaempresas (despóticas e manipuladoras, como qualquer grande companhia, como mostra a história).
Poderíamos dar cem exemplos, mas, por razões de espaço, consideremos um simples aspecto. Durante milhares de anos, todos nós levamos a nossa privacidade para passear por todos os lugares públicos para onde vamos. Com a inteligência artificial, essa privacidade será automaticamente dissolvida. O reconhecimento facial pode não apenas detectar mentirosos ou a orientação sexual (isso não é especulação; já está acontecendo de forma inadvertida pelo público), mas muito rapidamente qualquer IA poderá determinar em poucos segundos que ideias políticas, sociais, religiosas e sociológicas temos, seja lendo um simples CV [Curriculum Vitae], um texto, um artigo, uma carta ou escaneando o nosso rosto. Não será algo muito difícil de perceber, considerando o que já está sendo feito.
Consequentemente, os dissidentes dessa ordem infinitamente opressiva não terão armas tradicionais, mas armas baseadas em IA ou similares. Elas serão os hackers do futuro e, como no passado, os guerrilheiros idealistas e os criminosos comuns, todos colocados no mesmo saco por aqueles que ostentarão o poder dos deuses (ou dos demônios).
Essa luta terminará em uma negociação pacífica? Bem, isso nunca aconteceu na história, salvo exceções, como o direito a oito horas de trabalho, etc. Em uma restauração violenta da liberdade e dos direitos individuais de todos, mais ou menos como na Revolução Francesa ou em outros assassinatos? Estarão os indivíduos suficientemente intoxicados pela educação funcional, dócil, acrítica e pela manipulação ideológica e psicológica, de modo que não haja luta pela liberdade ou consciência da opressão? Como em tantos outros períodos da história, serão os escravos os mais fervorosos defensores do sistema escravocrata? Podemos nós, os “velhos antiquados”, dizer algo útil a partir da perspectiva de 2018 para os “libertados” ou os “ultrapassados” de 2040 e 2070?, algo que sirva de advertência para aqueles que estarão imersos na tempestade de seu próprio presente?
Ou, pior, terminará a nossa orgulhosa e arrogante espécie humana em um colapso final?
Ninguém pode ter uma resposta definitiva para nenhuma dessas perguntas. Mas fazê-las e chamar a atenção para os grandes problemas atuais e das gerações futuras é, simplesmente, a nossa obrigação moral.
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A grande revolução do século XXI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU