25 Janeiro 2018
A História teima em não terminar. Planejado para consolidar poder conservador, julgamento de Lula pode abrir uma nova onda de mobilização popular.
O artigo é de Antonio Martins, jornalista, publicado por Outras Palavras, 24-10-2018.
Árdua é a condição dos três desembargadores do 4º Tribunal Regional Federal (TRF) que julgarão, hoje, Luiz Inácio Lula da Silva. Nas últimas semanas, avolumaram-se as evidências de que a sentença do juiz Sérgio Moro, a ser examinada por eles, é uma aberração jurídica. Não apenas por lhe faltarem, além de provas, a boa lógica – mas principalmente por expressar perseguição política e partidarismo. A Operação Lava Jato, lembrava-se ontem no próprio New York Times, tinha a oportunidade de revirar a política brasileira e suas práticas corruptas. Por ela, passaram casos envolvendo os cardeais de todos os partidos. Depois de quatro anos, apenas um campo político foi atingido; e o juiz derrete-se em sorrisos com alguns dos personagens que deveria investigar.
Porém, ao corrigir a sentença, os três desembargadores do TRF-4 produziriam um terremoto político. Massacrado há quatro anos na mídia, Lula lidera por larga margem a disputa para a Presidência. Sua absolvição iria convertê-lo em herói nacional, destroçaria num ato toda a narrativa construída pela mídia, alvoroçaria os “mercados”.
Nada, na biografia dos três desembargadores, indica que tenham estatura para fazer justiça, quando implica contrariar estas forças poderosas. Por isso, o julgamento que terminará esta tarde é um jogo de cartas marcadas, restando talvez alguma tênue dúvida sobre o placar da condenação.
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No entanto, o ambiente político transformou-se totalmente, em relação às tardes paulistanas em que, nos idos de 2015, apareceram os primeiros bonecos do Pixuleco. As ruas começaram a mudar de cor. As multidões verde-amarelas recolheram-se à sua pequenez. Aos poucos, a cortina de fumaça do discurso “contra a corrupção” dissipa-se e vai surgindo a consciência de que o golpe não foi contra Dilma – mas, principalmente, contra as tímidas conquistas obtidas pelas maiorias. Alguns atos toscos construíram a nova percepção. O atual presidente não chegou a decretar que os supermercados são agora “atividade essencial”, obrigando os funcionários a trabalhar aos domingos sem receber horas extras? Escolas e hospitais não começaram a demitir em massa, para contratar os mesmos professores, médicos e enfermeiros – agora sem garantias e direitos? Os preços do gás e da gasolina não dispararam?
É bom não cultivar ilusões. A mudança ainda é tênue. As pesquisas já registram que a população passou a rejeitar as contrarreformas da Previdência e Trabalhista, assim como as privatizações. Mas o arsenal à disposição dos meios de comunicação hegemônicos ainda é robusto. Um estratagema que já se anuncia é esvaziar o debate político nascente, levantando, para amedrontá-lo, um novo espantalho – o da “luta contra a violência”.
Mas a notável surpresa é que o julgamento de Lula – precisamente o ato que deveria selar a restauração dos quinhentos anos de poder conservador – pode marcar a retomada de um debate político em meio ao qual este processo não sobrevive.
Tendente à conciliação, Lula está radicalizando, pouco a pouco. Não lhe dão outra saída. Quanto mais as portas do poder instituído se fecham para ele, mais terá de nadar nas águas em que é peixe – nos braços do povo. Ontem, ao discursar em Porto Alegre, ele não se limitou a zombar do Judiciário, de Washington, da mídia e dos mercados. Prometeu retornar ao Rio Grande do Sul em fevereiro, para desafiar, em caravanas, os políticos conservadores que agora governam o Estado.
Fala-se que lançará, em março, uma nova Carta aos Brasileiros. Desta vez, teria sentido oposto à primeira. Não acenará à aristocracia financeira – mas “ao povo” e em especial à classe média. Comenta-se que, entre as propostas que estuda, está a de isentar de Imposto de Renda os salários até R$ 5 mil, tributando em contrapartida os dividendos sobre lucros e as grandes fortunas.
Chão para radicalizar, ele tem. Os retrocessos atuais são tão ásperos – e mesmo seu primeiro período no poder foi tão tímido, em reformas estruturais – que há uma imensa agenda de mudanças, um enorme território de privilégios das elites a ser conquistado. E se, provocada, a jararaca propuser anular a lei que concede o Pré-Sal às petroleiras estrangeiras? E se mergulhar, de fato, na luta para revogar as leis malditas do pós-2016?
A condenação mais que provável de hoje não interromperá sua caminhada. Ao contrário. Enquanto se vir perseguido, ele terá, além da vocação natural, a necessidade de procurar as ruas, de demonstrar que a mesma (in)Justiça que o condena mantém o Brasil cindido em Casa Grande e Senzala.
Manterá a campanha e as caravanas. As regras eleitorais permitem que sustente a candidatura, que a registre oficialmente em agosto, que conteste no TSE e no próprio STF as tentativas de impugná-la. O TRF-4 pode tentar prendê-lo, o que abriria as portas ao imponderável. Em qualquer caso, algo é certo: quanto mais perseguida, mais a jararaca terá de morder – e morderá.
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“Lula é um homem da conciliação”, disse Dilma ontem, ao discursar, em Porto Alegre. Tudo indica que combinou o discurso com o ex-presidente. Lula é muitos. Ontem, era todo sorrisos: parecia leve, confiante, até alegre. Mas se sua história serve de parâmetro, ela ensina que ele tem tanta desenvoltura nos salões quanto nas ruas. Certamente negocia e busca saídas no plano institucional – inclusive no diálogo com os adversários.
Mas há uma fissura aberta na normalidade opressora do Brasil – entre a ordem que condena as maiorias e o homem que melhor fala com elas. Enquanto esta fratura persistir, haverá espaço para aprofundar o debate sobre o golpe; para expor seu “projeto” absurdo para um país regredido; para tramar alternativas. Nesse espaço avançará, por exemplo, a campanha para submeter a Referendos Revogatórios a agenda de horrores pós-2016. Neste espaço, pode trafegar o que chamamos de Política.
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