23 Novembro 2017
Um encontro improvável. É assim que integrantes do movimento Agora! definem sua composição, que abrange gente como o economista Humberto Laudares, assessor parlamentar do senador Tasso Jereissati (PSDB), o ex-secretário de Justiça da gestão Dilma Rousseff (PT) Beto Vasconcelos, o herdeiro do grupo Iguatemi Carlos Jereissati Filho e o líder indígena Anapuaka Tupinambá.
Patrícia Ellen, Leandro Machado e Ilona Szabó começaram o grupo no ano passado. Foto: Agora!/Divulgação
A reportagem é de Leticia Mori e publicada por BBC Brasil, 22-11-2017.
Fundado no ano passado, o Agora! diz ter por missão encontrar uma agenda de propostas de políticas públicas com as quais pudessem concordar tanto esquerdistas quanto liberais. Uma ideia ousada em tempos de intensa polarização. Não é por isso, no entanto, que o grupo tem chamado a atenção.
Recentemente, o apresentador da Globo Luciano Huck ingressou no movimento, o que provocou rumores sobre uma possível candidatura presidencial dele. Embora nada esteja ainda decidido e, oficialmente, o movimento trate a possibilidade com cautela, integrantes do Agora! debatem abertamente a possibilidade e já há divisões internas em relação ao assunto.
O grupo foi idealizado pelo cientista político Leandro Machado, pela especialista em segurança Ilona Szabó, próxima ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e pela sócia da consultoria McKinsey & Company Patrícia Ellen.
Participam ainda Rafael Poço, cofundador da Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva; o diretor do grupo educacional Somos, Eduardo Mufarej; a presidente do grupo Todos Pela Educação Priscila Cruz; o secretário de Assuntos Estratégicos de Michel Temer, Hussein Kalout e o analista político João A. de Castro Neves, da Eurasia Group.
Apesar da amplitude de posicionamentos políticos, a maioria é composta de homens, brancos e ricos - ou de classe média alta - entre 30 e 40 anos. Em entrevista à BBC Brasil, Leandro Machado reconheceu o problema e disse que o Agora! está trabalhando para aumentar sua diversidade.
"Na verdade o que todos temos em comum é o acesso à educação", diz Patrícia Ellen, que se formou na USP (Universidade de São Paulo) e mora em Alto de Pinheiros, bairro nobre de São Paulo, mas nasceu no Campo Limpo. "Você percorre uma distância de 20 quilômetros e a expectativa de vida sobe 20 anos. É uma desigualdade com a qual nos preocupamos muito e uma das nossas principais diretrizes é combatê-la", conta.
Com a bandeira da redução da desigualdade, o grupo tem algumas premissas básicas, mas ainda não fechou sua agenda completa de propostas. Os assuntos são discutidos um a um e a ideia é ter uma lista de proposições concretas, não um compêndio de boas intenções ou princípios.
"A discussão hoje é muito superficial. As pessoas falam em Estado Mínimo, mas o que é isso? Não aderimos a conceitos prontos. Sim, queremos aumentar a eficiência do Estado, mas ele não pode ser mínimo na segurança pública, na educação - precisa garantir educação de qualidade para todos", explica Machado.
Boa parte dos membros é formada ou trabalhou em instituições internacionais renomadas. O advogado Ronaldo Lemos, o economista Tomás Lopes Teixeira e a advogada Celina Beatriz Bottino, por exemplo, têm mestrado pela Universidade de Harvard, nos EUA. A econonomista Mônica de Bolle é PhD pela London School of Economics, na Inglaterra. O executivo Rafael Benke já passou pela OEA (Organização dos Estados Americanos) e pela OMC (Organização Mundial do Comércio).
A ideia, segundo o fundador Leandro Machado, é encampar o discurso da renovação política, mas trazendo para o debate pessoas preparadas, e não "aventureiros".
Ninguém é político, mas todos têm histórico de atuação política. Renovação só pela renovação pode ser pior, se vier uma pessoa despreparada ou mal intencionada", afirma.
Ronaldo Lemos concorda: "Pessoas que participaram a vida inteira da busca de soluções, não gente que estava em casa jogando videogame e de repente resolveu virar político".
Aventureiro, aliás, é uma categoria na qual Machado não encaixa Luciano Huck. "Ele é pessoa que tem uma experiência grande em lidar com pessoas, e é muito bem visto e querido pelo público", diz Leandro.
Huck se aproximou do movimento através de membros como Ilona Szabó - que foi uma das roteiristas do filme "Quebrando o Tabu", dirigido por Fernando Grostein Andrade, irmão de Luciano.
A entrada do apresentador da Globo foi muito discutida entre os membros do movimento. "Ficamos na dúvida se fazia sentido trazer uma pessoa tão conhecida, sobre o tipo de associação que poderia ser feita. Mas entendemos que ele está realmente interessado nos nossos princípios e propostas de atuação", afirma Ellen.
Era um temor do Agora! desde o começo que o debate sobre propostas fosse sequestrado pela discussão de candidaturas majoritárias, especialmente com a chegada de Huck. Nas próximas semanas, os membros vão deliberar sobre o assunto, o que vai definir os rumos do grupo. É muito possível que haja baixas, especialmente entre os esquerdistas do Agora!.
O produtor cultural Alê Youssef se adiantou ao debate e deixou o grupo nesta semana, incomodado com a associação frequente entre Huck e o movimento. Casado com a atriz Leandra Leal, Youssef faz parte do time do programa Esquenta! e já foi apresentador na GloboNews. Criador do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, ele também participou da criação da Rede Sustentabilidade, do qual se desligou posteriormente.
No texto que mandou ao grupo anunciando sua despedida, ele afirma que a associação com Huck - que era amigo pessoal de Aécio Neves e apoiou sua candidatura em 2014 - pode comprometer o caráter plural e diverso do grupo.
A posição oficial do movimento é de que Huck é "só mais um". "O Luciano é um membro como todos os outros. Se ele decidir se candidatar, o apoio do Agora! será discutido. Tudo depende se ele irá se comprometer com nossa agenda", diz Leandro Machado.
"Nosso foco não é a [eleição] majoritária. Queremos concentrar nossos esforços na renovação do Legislativo", afirma o advogado Ronaldo Lemos, co-fundador e um dos principais articuladores do movimento.
Membros do Agora!, no entanto, têm participado das conversas de Huck com o presidente do PPS, Roberto Freire. De acordo com a Folha de S.Paulo, o namoro poderia levar até mesmo a uma mudança de nome do PPS, que adotaria o termo Agora!. Além do PPS, Rede e Livres (antigo PSL) iniciaram conversas com o grupo.
A ideia original do movimento é ser suprapartidário - os integrantes interessados em se lançar candidatos se encaixariam em legendas diferentes. "São os partidos que estão abertos ao diálogo. Não vamos aderir às ideologias partidárias. Vamos ter uma agenda, nossas propostas, e a ideia é que nossos candidatos possam levar essa programação à sua candidatura", diz Patrícia Ellen.
Para integrantes da ala mais à esquerda, o Agora! sofre por não entender o funcionamento da política brasileira. Pode acabar usado como massa de manobra. O PPS estaria usando a ingenuidade do grupo para colocá-lo a serviço de sua própria agenda de renovação, segundo um deles, que pediu anonimato.
Machado, Ellen e Ilona já se conheciam por causa de sua atuação no setor de políticas públicas - Ilona é presidente do Instituto Igarapé, que atua na área de segurança e política de drogas; Leandro criou o Cause, consultoria sobre causas sociais para organizações e marcas; e Patrícia lidera a Prática de Setor Público e Social no Brasil da McKinsey & Company.
Quando perceberam que o Brasil não estava sendo representado por membros do governo em diversos congressos internacionais sobre políticas públicas, decidiram se juntar. "Então começamos a pensar em como poderíamos atuar para mudar esse quadro", diz Machado.
Os três chamaram alguns conhecidos que também atuavam nesse sentido e fizeram uma lista de nomes de pessoas que admiravam e que poderiam contribuir com experiência e conhecimento.
Cada um foi ligando para um e o movimento atingiu o número de 50 membros. Em reunião na semana passada, novos integrantes foram aceitos. Hoje o Agora! tem 90 pessoas.
Para participar é preciso se comprometer a doar pelo menos dois anos de sua vida ao serviço público. Quem tem condições - a maioria - também está contribuindo financeiramente, já que o grupo ainda não começou a arrecadar dinheiro externamente.
Alguns doam milhas para as viagens dos membros para os encontros, outros fornecem os espaços para reuniões, outros dão dinheiro - é o caso de Luciano Huck, que também contribuiu.
Os valores ainda não foram divulgados, mas Ellen diz que o movimento preza pela transparência e que terá uma planilha detalhando as contribuições.
O grupo fez sua primeira reunião de "escuta" em São Paulo na semana passada. Entender onde se situa a opinião pública e ouvir as pessoas é um dos cinco pilares de atuação - os outros são "pensar", "falar", "engajar" e "agir". Em um Centro Cultural na divisa entre o Campo Limpo e o Capão Redondo, na periferia da cidade, Patrícia Ellen apresenta o grupo.
Também está presente o professor e historiador Thiago Rocha de Paula, que foi candidato a vereador em Santo André em 2016, pelo PV, e deve ser uns dos nomes do movimento para as eleições proporcionais.
Convidado por Leandro Machado para o grupo, ele conta que recebeu a ligação para uma das reuniões sem saber muito do que se tratava. "Cheguei lá no apartamento e tinha o cara que aparece no jornal, um monte de cara conhecida e gente da TV. Pensei: que que eu tô fazendo aqui?", conta, rindo.
Hoje ele é um dos principais articuladores do trabalho de base do Agora! e foi um dos responsáveis por trazer outros membros que não moram nas áreas mais ricas da capital.
Patrícia pede para as cerca de 20 pessoas na sala votarem em qual assunto querem discutir. Entre uma lista existente, moradores do bairro grudam post-its em "educação", "redução da desigualdade" e "segurança pública".
Depois de uma hora de desabafos sobre os problemas da educação no país, a mediadora faz uma pausa. "Falamos dos problemas, mas agora vamos todos fechar os olhos e pensar qual é a educação que a gente quer, qual nosso sonho para a educação no Brasil", disse Ellen. A maior parte não entra no clima e fica de olho aberto, ligeiramente sem graça. Mas todos compartilham suas ideias.
Parte do Agora! é fã de meditação: o economista Fabio Toreta, além de estar no movimento, também é voluntário do Awaken Love, iniciativa do guru hinduísta Sri Prem Baba. No próximo fim de semana, o movimento participará de uma mesa no II Congresso Internacional de Felicidade, em Curitiba, onde Prem Baba também fará palestra.
O método de discussão usado no encontro de escuta, segundo Patrícia, é parecido com o que o grupo usa em suas reuniões mensais. Para organizar a agenda de propostas com pessoas de posições políticas tão amplas, um grupo – em geral de pessoas que já trabalharam com o assunto - é responsável por pesquisar um tema e apresentar os problemas para o movimento.
Os integrantes fazem leituras e pesquisas prévias e discutem as soluções presencialmente. O foco é a análise de políticas públicas e a polarização é evitada.
"A gente nunca discutiu se foi ou não foi golpe. O grupo foi criado depois do impeachment, justamente porque vimos que algo precisa ser feito sobre a situação do país e a polarização não estava levando a nada", afirma Ronaldo Lemos. "São todos voluntários, que estão abertos ao diálogo."
O grupo evita também avaliações pessoais sobre figuras como presidente Michel Temer ou o deputado federal Jair Bolsonaro.
Um dos últimos temas analisados foi a Reforma da Previdência.
"Embora as pessoas tenham discordado sobre os meios, chegamos ao consenso que é necessária uma reforma. E como? Acabando com privilégios de diversos setores. A reforma precisa ser eficiente e justa", diz Ellen.
Já sobre reforma trabalhista, por exemplo, ainda não houve consenso - há quem apoie as alterações implementadas por Temer e quem veja perda de direitos aos trabalhadores.
Leandro Machado diz que ter uma agenda concreta de propostas é a garantia de que o grupo - que tem empresários com interesses próprios entre os membros - não se tornará um grande lobista de interesses pessoais.
Ronaldo Lemos reconhece que será um desafio fazer campanha política sem apresentar respostas fáceis e slogans populares - correndo o risco de alienar tanto a esquerda quanto a direita. "Queremos menos marketing e mais enfrentamento da realidade. Não é fácil, mas não podemos subestimar a capacidade de entendimento das pessoas", diz.
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Quem é o grupo que pode lançar Luciano Huck à presidência em 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU