O Papa em Mianmar, as três recomendações do Cardeal Bo

Logos das viagens do papa à Ásia | Imagem: Divulgação

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21 Novembro 2017

Para a viagem do Papa a Mianmar, três pedidos da igreja local: não usar o termo Rohingya durante a viagem; incluir uma reunião privada com o general do exército de Mianmar; e adicionar um encontro com líderes da mesa do diálogo inter-religioso.

Os três pedidos foram apresentados ao Papa Francisco pelo cardeal Charles Maung Bo, na véspera da viagem do Papa a Mianmar. O Papa estará em Mianmar entre 27 e 30 de novembro.

A informação é de Andrea Gagliarducci, publicada por ACI, 20-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Em Roma para a assembleia plenária do Conselho Pontifício para a Cultura, da qual ele é membro, o arcebispo de Yangon encontrou-se com o Papa em 18 de novembro. A reunião, relatou ao ACI Stampa o primeiro cardeal birmanês da história, durou 30 minutos. "E o Papa disse sim a todos os meus pedidos".

O primeiro pedido foi para não usar o termo Rohingya, porque é controverso. O cardeal disse ao Papa que "Rohingya, na língua bengali, significa a pessoa que provém do estado de Rakhine". O fato de que os Rohingyas se constituam como uma "entidade étnica separada" é muito contestado, e inclusive a comissão chefiada por Kofi Annan - explicou o Cardeal - não usou o termo Rohingya, mas os descreveu como "os muçulmanos do território de Rakhine" e é este "o termo correto".

O problema - explicou o Cardeal Bo - é que "os extremistas estão tentando mobilizar a população" em torno desse termo, e isso pode provocar um "conflito inter-religioso". Mas há "tantos muçulmanos que vivem pacificamente entre a população da Birmânia".

O Arcebispo de Yangon ampliou mais ainda sua análise. "Em nosso país - explicou - há minorias como as Chin, Kahn, Shanh, e estão sempre em conflito com os militares, e já sofreram muito. A mídia tem sido muito fraca em relatar isso. Existem pessoas que sofreram despejo no país, mas ninguém fala sobre elas. Mas os Rohingyas, que são muçulmanos, têm a mídia islâmica como a Al Jazeera e outras da Arábia Saudita que fazem muito barulho. E também os meios de comunicação ocidentais são muito fortes em denunciar o problema dos Rohingyas".

O Cardeal Bo fez questão de especificar que "outras minorias cristãs estão sofrendo, no sentido de que em sua maioria são grupos étnicos, mas são cidadãos de Mianmar (de acordo com a Lei de Cidadania de 1982, os Rohingyas não são considerados cidadãos, ndr), enquanto os Rohingyas se deslocam continuamente entre o Mianmar, Bangladesh, Índia e Malásia, são pessoas sem Estado. Esse é um problema a ser resolvido com uma combinação de diálogo e de encontros para que se chegue a uma solução".

O segundo pedido do Cardeal Bo foi de incluir uma reunião com o general do Exército. Atualmente, o comandante-em-chefe das forças militares de Mianmar é o general Min Aung Hlaing. No programa oficial do Papa Francisco, não está previsto um encontro oficial com ele. Para o cardeal Bo, no entanto, é importante que essa reunião aconteça, sempre com o objetivo de lançar pontes para promover a paz e curar as feridas da nação, como ele nunca se cansa de dizer. O exército controla o Ministério da Defesa, e é aí que as decisões são tomadas sobre os conflitos em curso, junto com outros dois ministérios importantes. O exército, por dispositivo constitucional, também detém 25 por cento dos assentos parlamentares.

"A Igreja por 60 anos não manteve diálogo com as forças militares, e a partir da atual relação esperamos continuar a perseguir um diálogo mais amplo - disse o cardeal Bo - e, portanto, esperamos que o Papa possa se encontrar com o general".

O Cardeal Bo sugeriu ao Papa a possibilidade de uma "discreta reunião privada", porque uma reunião oficial "seria delicada", mas disse que seria importante porque "negligenciar o exército nesta viagem poderia trazer maiores tensões no futuro".

No final, segundo o cardeal, o encontro será organizado, e será provavelmente uma breve reunião privada de meia hora na casa do bispo. O Arcebispo de Yangon fez questão de especificar: "Não é que nós encorajamos que o general fez, mas o Papa irá aconselhá-lo a seguir em frente, trabalhar pela paz, e ter compreensão para os diferentes grupos étnicos que existem no país".

O terceiro pedido ao Papa foi a respeito da possibilidade de incluir um encontro com alguns dos líderes da mesa de diálogo inter-religioso. São "cerca de 15 pessoas, entre budistas, muçulmanos (incluindo aqueles que vêm do Estado de Rakhine), hindus e cristãos", e o cardeal sugeriu que o Papa se encontrasse com eles antes de uma das missas que será celebrada em Mianmar para exortá-los a trabalhar para a paz no Kachin, Shanh e Rahkine, todas regiões onde existem conflitos étnicos.

O grupo para o diálogo inter-religioso - especificou o Cardeal - não pode ser negligenciado, porque essa mesa de conversações poderia contribuir muito para a construção da paz no país.

Ao estimular o diálogo com o Papa, o cardeal Bo confirmou o papel desempenhado pela Igreja em Mianmar como aglutinante do país, embora os católicos representem apenas um por cento da população.

"Já são quinhentos anos que o catolicismo está em Mianmar - disse ele - no passado, tivemos contato com a comunidade budista, com a comunidade islâmica. É muito bom que nós não tenhamos uma grande comunidade católica, assim é mais difícil entrar em conflito com qualquer outro grupo. E todas as outras comunidades religiosas se referem à comunidade católica como uma espécie de catalisador entre as comunidades religiosas e o governo".

O Cardeal Bo vê com grande otimismo esta viagem, que ocorre após o estabelecimento das relações diplomáticas entre Mianmar e a Santa Sé, uma operação que ele muito estimulou.

Para o Ocidente, ele pediu que "entendesse que existem pelo menos dois governos em Mianmar, e o militar é muito poderoso, enquanto o governo civil é muito fraco, e o Ocidente foi muito cáustico, muito forte em atribuir um juízo e mover fortes críticas nos confrontos de Aung San Suu Kyi. Mas deveria entender melhor o que significa ter que lidar com os militares. O Ocidente deveria compreender e apoiar o caminho da democracia. Está sendo feito o melhor possível para que haja mais colaboração com os militares, com o governo.

O Cardeal Bo então concluiu: "O Papa irá falar principalmente de muçulmanos do Estado de Rakhine - é assim que devem ser definidos mais do que Rohingya - e de grupos de outras minorias que sofrem, e irá falar sobre a necessidade de trabalhar para paz, reportando-se tanto aos militares como aos grupos étnicos, e de participação na conferência de paz da nação. O Papa também irá falar da conferência de paz (já aconteceram duas, sempre organizadas por Aung San Suu Kyi), e também dos problemas ambientais, do uso consciente dos recursos naturais. O tema da viagem é ‘amor e paz’. Portanto, o amor entre as diferentes religiões; amor entre os diferentes grupos étnicos; e paz, especialmente com os militares e para os diferentes grupos étnicos".

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